Antiga sede do America foi demolida em 2019Reginaldo Pimenta/Agência O Dia

Rio - A antiga sede do America Football Club, que abrigou o clube por muitas décadas na Rua Campos Salles, na Tijuca, encontra-se com as obras paralisadas desde que foi demolida, em 2019. O espaço foi cedido para que a empresa AM Malls construa um shopping, que será batizado com o nome Parque America Football Club, com a promessa de que a nova sede social do clube funcionaria no terraço, com inauguração inicialmente prevista para 2024.

O site oficial do empreendimento diz que a sede contará "com quadras para a prática de modalidades tradicionais, um salão nobre para eventos, piscina social, piscina com raia e salas administrativas".

O presidente da empresa, Antonio Mamede alega que a pandemia atrasou o início das obras, além de outros problemas que surgiram no caminho, entre eles processos trabalhistas da empresa demolidora e a licença da Prefeitura para que a obra fosse liberada. Segundo o empresário, a previsão é de que a inauguração do shopping ocorra no dia 18 de setembro de 2026, aniversário do clube, que completa 119 anos nesta segunda-feira (18).

"Nós assumimos o projeto em 2015, sendo que a região ali tinha várias restrições. O America teve que recorrer ao poder público, solicitando uma mudança para permitir a construção do shopping center. Isso ficou tramitando de 2015 até 2017, quando a lei complementar foi aprovada em março", explica.
Mamede afirma que o terreno total tem 18.018 m² e sofreu uma restrição na Câmara de Vereadores e foi dividido em área 1 e área 2, sendo apenas a primeira liberada para a construção do empreendimento.

"Apesar de termos contratado uma empresa que fez um laudo ambiental mostrando que a vegetação existente eram arbustos e matos, sem nenhum valor de preservação ambiental, a restrição acontece para manutenção da camada vegetal da área", diz.

Com isso, o projeto original que contemplava todo o terreno foi reduzido quase pela metade, para 9.300 m² foi readequado. "Ele ficou com sete pavimentos. O último é a sede social do America Football Clube, por exigência do próprio clube", diz o empresário.

Segundo Antonio Mamede, as obras encontram-se paralisadas, pois aguardam liberação da Prefeitura, já que a licença venceu em 2022, além de passarem por um período de reestruturação financeira nos últimos anos.

"Os investidores recuaram após a pandemia. A empresa demolidora passou por um processo difícil com várias dívidas trabalhistas e concluímos o processo de demolição em 2022. O prazo de obra tem que ser renovado de dois em dois anos, foi interrompido em 2020 e em 2022, a Prefeitura divulgou que as obras interrompidas passariam a valer pelo prazo de interrupção. Começamos a parte da reestruturação do projeto", afirma.

O empresário afirma que esse ano o mercado deu uma virada em relação ao ano passado e o foco dos fundos se voltaram novamente para a indústria do shopping centers e só há cerca de três meses retomaram o projeto, que se encontra em análise na Prefeitura.

"Hoje nosso projeto encontra-se na prefeitura. Precisamos fazer algumas modificações no projeto, aumentamos a área de lazer, área de restaurantes, melhorando a performance do empreendimento. Está caminhando de acordo com o esperado", diz Mamede, que espera que o projeto seja aprovado ainda este mês.

A ideia, segundo ele, é retomar as obras ainda esse ano: "Entrar já fazendo a contenção do terreno para quando comece a escavar não abale a estrutura de nenhum prédio vizinho. Já foi feito um laudo fotográfico, histórico de engenharia, para que caso a gente cause algum tipo de transtorno a gente possa reparar".

Mamede afirma ainda que atualmente o shopping já possui 67% do shopping com propostas comprometidas, que incluem lojas de varejo, academia, universidade, cinema, clínica, além de duas propostas de redes de supermercados. "Geralmente os espaços de cima ficam ociosos por algum tempo e nós já temos o quinto e sexto piso já locado e o subsolo também", revela.

Muitos sócios foram contra demolição

O fato é que muitos associados e antigos frequentadores ficaram insatisfeitos com a decisão de demolir o clube e alegam que foi uma decisão do atual presidente Sidney Santana - que está encerrando um mandato de pouco mais de seis anos - e do seu antecessor, Léo Almada, sem consulta ao quadro social, Conselho Deliberativo e nem mesmo à Assembleia Geral.

Neil Chaves, ex-presidente do Conselho Deliberativo do America e sócio há 42 anos, afirma que, em 2014, quando o ex-presidente Léo Almada disse que não investiria na sede, que necessitava de obras, o Conselho fez um grupo de trabalho para ir ao mercado estudar a viabilidade de um empreendimento em Campos Salles, que comportaria a nova sede social.

"A gente fez uma auditoria externa e a gente tinha uma dívida na época, de R$ 48 milhões, então a premissa para equacionar essa dívida é que o empreendimento, além da construção, equacionasse essa dívida nem que fosse em três anos, que era o previsto para a construção de qualquer empreendimento", afirma.

Presidente do clube lamentou a postura de 'alguns ditos torcedores'

A reportagem procurou a atual presidência e não obteve retorno até o fechamento da matéria para comentar o assunto. Em entrevista ao site oficial do clube, em fevereiro de 2021, Sidney disparou na época que era "de se lamentar a postura de alguns poucos ditos torcedores do America que ao longo de todo esse processo participaram tão somente com o único objetivo de inviabilizar o seu regular andamento e a concretização da Nova Sede Social do America, o que de certa forma contribuiu para um atraso maior em seu desfecho", disse.

Ele afirmou ainda que todas as licenças expedidas para a construção e o desmonte da Sede antiga tinham sido concluídas e frisou que o patrimônio do clube não foi vendido: "Hoje estamos na fase final de análise para a assinatura do contrato que dará ao America uma mudança de patamar não só no âmbito social, como também esportivamente, voltando às tradições do Clube da Rua Campos Sales 118".

Romário na chapa oponente

A eleição do novo presidente do America ocorrerá no dia 9 de novembro. Ela é indireta, feita pelo Conselho Deliberativo e, o nome de Romário tem sido apontado para ser eleito para comandar o clube, já que é o único candidato da oposição.

O conselho atual quer continuar até maio de 2024 tendo como argumentação a Lei da Covid, o que não tem sido bem aceito e Romário, candidato da chapa América Livre, virá como candidato.

Demolição e insatisfação

Em 2018 foi assinado um novo memorando em que foi criada a Parque Shopping, empresa responsável pelas obras do empreendimento. Na ocasião, o Conselho Gestor achou que era bastante prejudicial ao America e começou a discutir isso intensamente.

Em 2019, o atual presidente Sidney aprovou a demolição da sede social que foi iniciada em maio com a presença dele, do ex-presidente Léo Almada e do então prefeito Marcelo Crivella.

"Isso foi realmente um trauma, sem nenhum sentido, uma atitude insana, insensata, porque isso não foi discutido no Conselho Deliberativo, não foi discutido na Assembleia Geral de Sócios, que são os verdadeiros donos daquilo ali. A construção da sede social estava avaliada, como estão nos balanços, em torno de R$ 37 milhões, e ele simplesmente destruiu", lamenta Neil.

A escritura de superfície foi assinada com o presidente e vários vice-presidentes "O fato de os presidentes terem assinado, não significa que o conselho deliberativo discutiu a matéria e deliberou. Nós entramos com uma ação da demolição interrogando o Sidney, interrogando o Parque Shopping e essa estrutura de superfície. Isso está na Justiça há algum tempo", completa.

Stéfano Salles, servidor público federal, sócio do America e ex-diretor de comunicação do clube, diz que não existe transparência na condução desse projeto.
"O fechamento da sede e sua posterior derrubada, sem consulta ao quadro social, foram absurdos completos e a falta de uma dura reação a isso denota que o América está às raias da falência, porque mostra total perda de relevância social", revela.

Ele lamenta a demolição da sede, considerada um endereço da história, da cultura e das tradições, não só do futebol, mas do Rio de Janeiro e do Brasil. Foi a maior sede social da América Latina e o local onde foi fundada a primeira Federação de Futebol de Salão do Mundo.

Foi lá que que aconteceu a maior goleada da história do América, 11 a 2 em cima do Botafogo, em 1929, e também onde aconteceu a primeira partida oficial da história do Flamengo, contra o Mangueira, em 1912.

"A crise do América e a situação da sede não é algo que deva interessar apenas o americano e o tijucano hoje. É algo que afeta a própria memória e concepção do Rio de Janeiro como conhecemos", completa Stéfano.