Integrantes da escola de samba Turma da Paz de Madureira (TPM), formada exclusivamente por mulheres, com casal de mestre-sala e porta-bandeiraMarcos Porto / Agência O Dia
Primeira escola de samba feminina do Brasil luta contra o preconceito no meio do Carnaval
Turma da Paz de Madureira (TPM) desfilará pela primeira vez na Série Bronze com uma reedição do samba "Lugar de mulher é onde ela quiser", do Império Serrano
Rio - Quando se fala em TPM, o que vem à sua mente? O período pré-menstrual pelo qual as mulheres passam todo mês? Para o G.R.E.S. Turma da Paz de Madureira (TPM), a sigla tem outro significado e muito sentimento: a alegria de ser a primeira escola de samba exclusivamente feminina do Brasil.
Formado por cerca de 500 mulheres ou por qualquer pessoa que se identifique com o gênero, o G.R.E.S TPM chamou a atenção com o gingado diferente, composto por malemolência, força de vontade e resistência, no desfile de 2023 da Superliga, na Nova Intendente. A escola ganhou o terceiro lugar do Grupo de Avaliação com o samba-enredo de tema afro "Oyá Senhora dos Ventos e o Mistério das Águas", criado por Bárbara Rigaud, fundadora e presidente da agremiação, e conseguiu uma vaga na Série Bronze, passando de bloco carnavalesco para escola de samba oficial.
"Depois de 10 anos de resiliência, desfilando como bloco de bairro, em Madureira, teremos agora a alegria de sair como primeira escola de samba feminina do Brasil", conta Bárbara, emocionada. A exceção são os mestre-sala, por exigência dos regulamentos das ligas.
O samba escolhido para a tão desejada estreia na Série Bronze é uma reedição do "Lugar de mulher é onde ela quiser", do G.R.E.S. Império Serrano: "A letra dele cabe na nossa proposta. Ele ressalta Dandara dos Palmares (guerreira negra do período colonial do Brasil) e Tereza de Benguela (líder quilombola), fala de mulheres que viveram em uma época com dificuldade e barreira, e venceram uma guerra. E é por isso que precisamos levar este samba para a avenida e mostrar que podemos vencer esta guerra”, conta Bárbara, referindo-se ao machismo no universo do Carnaval. "Tudo vem de uma inspiração. Por que não falar destas mulheres e agradecer às que estão à frente de delegacias, nos tribunais, nos hospitais?", completa.
Quando a tradicional agremiação da Série A levou "Lugar de mulher é onde ela quiser" para a Marquês de Sapucaí, em 2020, o desfile foi marcado por diversos problemas, de carros alegóricos atrasados à ala de baianas sem as saias. Agora, a mais nova escola de samba pretende desfilar o enredo como um alento para as mulheres de Madureira, bairro também do Império Serrano:
"Reeditar esse enredo será maravilhoso, pois quando o Império Serrano o desfilou, a escola não veio muito legal por falta de tempo e recursos. Dar às mulheres de Madureira o prazer de desfilarem esse samba novamente e participar de um desfile completo, sem falhas, vai ser incrível", afirma Paloma Gomes Bento, mestre de bateria da TPM.
Ledjane Santos da Mota, intérprete oficial da TPM, pontua que a escolha do enredo trará polêmica para o meio carnavalesco: "Em 2020, não tinha mulher cantando este samba na avenida, e também não tinha nenhuma mulher na ala de compositores. Simplesmente não houve o olhar cuidadoso de inserir mulheres neste samba que fala de mulheres. Como integrantes do grupo Bronze, entendemos que é um excelente caminho estrear com este enredo, mas agora de forma diferente. Ele será cantado por uma mulher e para mulheres", afirma.
O G.R.E.S TPM surgiu como bloco de carnaval em 20 de janeiro de 2012, na festa de São Sebastião, na quadra do G.R.E.S. Portela, em Oswaldo Cruz, Zona Norte. Bárbara se reunia frequentemente com um grande grupo de amigas na casa de Vilma Trindade, hoje vice-presidente da TPM, em Marechal Hermes, também na Zona Norte, para conversar, trocar ideias, se apoiarem. Foi depois de um desses encontros que o grupo partiu para a festa na quadra da Portela e teve a ideia de criar o bloco. O nome é uma homenagem ao Parque Madureira, que havia sido construído há pouco tempo, e à Turma da Paz de Madureira. Daquela época, Bárbara avalia que restaram 12 integrantes de um grupo de 22.
De lá para cá, o grupo cresceu à base de muito sacrifício por parte das mulheres: "Choramos muito neste processo, e continuamos chorando. É uma luta cansativa e dolorosa. Nós abrimos mão das nossas famílias, não ficamos mais tão disponíveis para estar nesta batalha de buscar o respeito pelas mulheres. Foi grandioso e incrível quando ganhamos no Grupo de Avaliação e fomos para a Série Bronze. Pegar mulheres, a maioria donas de casa, que nunca tocaram em instrumentos, e nunca imaginaram que percussão poderia atrai-las, e transformar a vida delas pela música e pelo samba é algo extremamente satisfatório", diz Bárbara.
Cerca de 70% da bateria é composta por mulheres com mais de 50 anos: "A TPM é um refúgio para muitas mulheres, para elas se libertarem da preocupação de casa e terem uma distração. É muito divertido e gratificante para mim vê-las brincando", conta Paloma.
No Carnaval de 2023, a bateria contou com 70 mulheres, divididas em 10 na cuíca, 15 no chocalho, 17 no tamborim, oito no surdo e 20 na caixa. Como tornou-se escola de samba subiu do grupo de avaliação para o Bronze, o mínimo para bateria são 80 ritmistas. O grupo agora precisa desta base e de bastante ensaio, para não passar perrengue.
Paloma, que trabalha como ritmista há 15 anos, diz que é raro ter mulher em baterias de escolas de samba:
"Aos pouquinhos vamos conseguindo o nosso espaço. Das 70 integrantes da bateria da TPM, pelo menos 40 foram formadas pela agremiação. Para mim, isso é muito recompensador. A pessoa chega sem saber pegar em um instrumento e depois de alguns meses está desfilando em uma escola de samba".
A mestre de bateria atenta para o fato de que as agremiações costumam colocar as mulheres para tocar instrumentos mais leves: “Não sei porque os homens acham que as mulheres não poderão tocar um instrumento pesado. Tudo o que as mulheres tentam fazer, elas conseguem, e com êxito. As mulheres, por medo de sofrer pressão de acertar, ensaiam mais e acabam ficando melhores do que os homens. Com a TPM, quebramos este e outros paradigmas. Quem toca cuíca, por exemplo, são os mais velhos da bateria, aqueles que já tocaram todos os instrumentos, então era uma ala muito preconceituosa, que nos olhava torto e não nos aceitava. Mas hoje tem muitas mulheres tocando o instrumento. Porém eles ficam nos observando para ver se vamos fazer alguma besteira. Quando veem que não erramos, nos parabenizam, como se tivéssemos passado em uma espécie de prova", afirma.
"Quando uma mulher pega no surdo sofre discriminação, pois surdo é para homem, e não para mulher, na cabeça deles. Quando eles veem mulheres segurando aquele instrumento, tentam tirá-las do jogo", completa Bárbara.
Segundo Ledjane, a TPM não compactuar com esta herança controversa do Carnaval é o motivo de ela topar ser intérprete da agremiação: "Como uma mulher engajada em três movimentos femininos, essa escola traz para mim o alento de colocar mulheres na confiança de fazer algo pela primeira vez. Não se me sentiria tão confortável como me sinto se não fosse em uma escola feminina. Como mulheres, temos olhares de empatia e solidariedade. E se alguma mulher não estiver com este olhar, vamos sinalizar".
A presidente da TPM também destaca a diferença que uma escola de samba feminina faz na vida das mulheres: "Sofremos preconceitos e perseguições, e temos dificuldade de ocupar nossos espaços, pois o 'não' chega primeiro em tudo o que tentamos. Eu já saí de determinadas situações chorando. Quando iniciativas vêm de pessoas pretas, então, piora. Eu sinto os olhares de discriminação. Ser mulher no meio do carnaval é matar um leão por dia".
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