Vilma Nascimento, baluarte da PortelaFoto:Reprodução/Internet

Rio - Após o caso de racismo sofrido por Vilma Nascimento, de 85 anos, ex-porta-bandeira da Portela, na loja da Duty Free do Aeroporto de Brasília, seu neto Bernard Nascimento revelou detalhes de como a situação a afetou emocionalmente, além de prejudicar também a sua saúde. Ao DIA, ele revelou que a baluarte do Carnaval carioca chegou a chorar e que sua glicose subiu em decorrência do estresse sofrido.
"A revolta vai só aumentando em saber como que isso ainda acontece nos dias de hoje, não só com minha avó, que é uma das pessoas que eu mais amo nesse mundo… Uma senhora de 85 anos ter que passar por isso é surreal, é desumano", lamentou.

Bernard só foi saber do caso no dia seguinte e disse que ficou arrasado ao ver sua avó passando por tamanha humilhação. Ele contou também que por vários momentos Vilma chorou ao relatar o que aconteceu.

"Cada vez que ela vai relatando, ela acaba chorando. Quando eu vi o vídeo, foi de cortar o coração, até porque eu conheço a minha avó, ela é explosiva, por muito menos já teria gritado, feito tudo, mas ela estava tão envergonhada... Vocês não conhecem a fundo minha avó, mas aquela pessoa do vídeo é totalmente diferente do que ela é. Ela é alegre, fala muito, brinca, ver minha avó daquele jeito é revoltante", contou.

De acordo com Bernard, a empresa nem ao menos pediu desculpas pelo ocorrido. "Não teve preparo nenhum, não só no momento da abordagem, mas poxa, o vídeo não mostra, mas caiu uma coisa no chão e ninguém ajudou ela a catar as coisas. Quando o voo anunciou que ia atrasar ninguém se prontificou em passar um rádio, dizer que ela já estava indo por causa desse problema ou um pedido de desculpas, não teve nada! Se sumiu algo da loja, eles fecham a porta e revistam todo mundo por ela está na loja, é aceitável, agora isso? Com a porta aberta e um monte de gente passando na loja não tem explicação!", disse.

O neto disse ainda que por pouco a avó não caiu no aeroporto ao correr para pegar o voo. "Quando elas saíram, minha tia Danielle saiu correndo e explicou lá na fila do avião o que estava acontecendo. Minha avó de 85 anos teve que correr sozinha até a aeronave, ela disse que foi até pela esteira rolante para ser mais rápido, quase que caiu, imagina se ela cai na esteira? O que isso não poderia causar? É muito perigoso, então é muito surreal", disse.

Ainda nesta quinta (23), ao falar do assunto, a glicose de Vilma foi a 390, fora do normal. Apesar do susto, Vilma já passa bem.
"A glicose dela ontem estava 390, isso é altíssimo e ela toda hora falando que a mão estava formigando, que a boca estava seca, que são sintomas de quando ela fica com glicose alta. Então é muito grave! É triste! É revoltante! Mas se é que tem alguma coisa boa nessa história é que bom que foi com ela, porque está tendo essa proporção é essa explosão de movimentos de que isso não pode acontecer nem com ela, nem com ninguém", finalizou.
De acordo com a Polícia Civil, o caso foi registrado na 42ª DP (Recreio dos Bandeirantes) e será encaminhado à Polícia Civil do Distrito Federal, que ficará a cargo das investigações.
Apoio e solidariedade
Nas redes sociais, o caso repercutiu e promoveu uma onda de apoio e solidariedade a baluarte da Portela. Paulinho da Viola descreveu a cena como lamentável. "Foi com dor e indignação que vi o vídeo dessa cena lamentável, onde Vilma constrangida mostra seus pertences e se explica para uma funcionária. Apesar de todos os esforços que temos feito para combater esse preconceito, ele acontece diariamente toda vez que uma pessoa é agredida, humilhada, constrangida e ferida dessa maneira. Eu também me sinto ferido. Sinto muito, querida Vilma, sinto mesmo. Vc é muito maior que tudo isso", disse.
O prefeito Eduardo Paes também se manifestou e apontou o racismo na abordagem. "Racismo! Simples assim! Dona Vilma, nossa Porta-bandeira da Azul e branco de Osvaldo Cruz e Madureira, receba meu carinho e afeto. Mais que isso, minha luta como homem público para acabar com essees crimes. A senhora é grande e um orgulho para todos nós!", lamentou. 
A primeira-dama Janja também comentou o caso. "Inaceitável o que ocorreu com D. Vilma em uma loja no aeroporto de Brasília. Exatamente após ser homenageada no Dia da Consciência Negra. Atitudes racistas não podem mais ser toleradas. D. Vilma, sinta meu carinho, meu abraço e minhas desculpas por tanta ignorância e preconceito", disse.
A Escola de Samba Portela, onde Vilma passou grande parte da sua trajetória no carnaval, também divulgou em uma rede social uma nota que em "repudia veementemente o preconceito sofrido pela baluarte. Confira a íntegra:
"A luta por uma sociedade mais justa e humana passa pelo combate ao racismo. O G.R.E.S Portela repudia veementemente o preconceito sofrido por Vilma Nascimento, o Cisne da Passarela, no aeroporto de Brasília, em companhia de sua filha Danielle Nascimento.
Vilma é um dos ícones da Portela e do carnaval. É uma sambista de destaque, que trás na pele a marca de nossa ancestralidade. O constrangimento, demonstrado nas imagens divulgadas, é sentido por todos que temos no samba parte importante de nossa identidade, e que enxergamos em Vilma uma de nossas grandes referências.
Em nome dessa ancestralidade, que orgulhosamente compartilhamos e exaltamos, levantamos nossa voz pedindo para que o caso seja apurado pelas autoridades. Este é um dever do Poder constituído não apenas para com os sambistas, mas para toda a população preta de nosso país, que não admite mais ser discriminada em lugares públicos."
Entenda o caso
Na terça-feira (21), enquanto voltava de uma homenagem na Câmara dos Deputados pelo Dia da Consciência Negra, Vilma teria sido impedida por funcionários de sair da loja Duty Free, no Aeroporto de Brasília, por supostamente "portar um objeto que não havia sido pago", como relatou a filha da porta-bandeira, Danielle Nascimento, nas redes sociais.
Bacharel em Direito, ela afirmou que estava comprando chocolates para sua família enquanto Vilma circulava pelo espaço. "Minha mãe é curiosa. Enquanto eu fazia minhas compras, ela ficou rodando pela pela loja, olhando as prateleiras", disse. Ao final, após pagar os produtos, a filha chamou a ex-porta-bandeira para ir embora.
Segundo ela, nesse momento, duas funcionárias a abordaram dizendo que ambas "estavam em posse de produtos que não haviam sido pagos". Danielle se defendeu dizendo que havia pago pelos itens que estava carregando e que, inclusive, dispunha da nota fiscal que comprovava o pagamento.
"Minha mãe nunca pegou nada de ninguém. Ela ficou surpresa, revoltada e envergonhada, porque tudo aconteceu no meio da loja, na frente de clientes e outras pessoas. Foi muito constrangedor. Revoltante!", desabafou.
No entanto, por orientação da filha, a ex-porta-bandeira permitiu a revista nos seus pertences, que foi gravada. Após nada ser encontrado, Danielle disse que chamaria a polícia para denunciar o caso, e relatou desprezo por parte das funcionárias.
"Depois que elas olharam as coisas da minha mãe, eu falei que ia chamaria a polícia, e fiz alguns questionamentos do porquê daquelas acusações. Só que, tanto a fiscal, quanto a atendente, ignoraram tudo que eu estava falando", relatou.
O que diz a loja?
Procurada pelo DIA, a assessoria da Duty Free se posicionou e informou que pretende procurar a família.
"A Dufry Brasil, uma empresa do Grupo Avolta, pede publicamente desculpas pelo lamentável incidente ocorrido na loja do aeroporto de Brasília. A abordagem feita pela fiscal de segurança da loja está absolutamente fora do nosso padrão. Em razão da falha nos procedimentos, a profissional foi afastada de suas funções. Este tipo de abordagem não reflete as políticas e valores da empresa.
A Dufry está reforçando todos os seus procedimentos internos e treinamentos, em linha com as suas políticas, para impedir que situações assim se repitam."
A Inframerica, concessionária que administra o Aeroporto de Brasília, não se manifestou sobre o incidente. O espaço segue aberto.
"Cisne da Passarela"
Vilma Nascimento estreou como porta-bandeira da Portela em 1957, aos 19 anos, substituindo outra personalidade do carnaval carioca, Tia Dodô. Logo no primeiro ano, estrou com vitória, seguidos de outras três conquistas consecutivas. A desenvoltura lhe rendeu o apelido de Cisne da Passarela pelo jornalista Valdinar Ranulfo devido à elegância com que mudou o estilo de dança das porta-bandeiras, que nessa época passaram a ser um dos quesitos julgados no desfile.
A baluarte ainda faturou três estandartes de ouro (1977,1978,1979) após seu retorno à Águia de Madureira, depois de uma saída para fundar outra escola tradicional: a Tradição, onde, posteriormente, ganharia outro prêmio, em 1989. Em 2014, recebeu o Troféu Apoteose, em reconhecimento à sua história no carnaval carioca.