A Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro se apresentará em seu último concerto do ano no dia 19 de dezembro, na Cidade das Artes Daniel Ebendinger / divulgação

Rio - Bravo! Bravo! É o que Beatriz Araújo, de 29 anos, costuma dizer após cada uma das apresentações de música clássica das suas turmas. A violista, que começou na música aos 12 anos e hoje estuda no Instituto Villa-Lobos, Escola de Música da Unirio, coordena o Núcleo do Complexo do Alemão do projeto Ação Social pela Música do Brasil (ASMB). 
Fundado em 1996 pelo maestro David Machado e por sua esposa, a violoncelista e atual diretora, Fiorella Solares, a organização não governamental atende hoje mais de 4.700 alunos, de 6 a 18 anos, em 13 núcleos distribuídos pelo Estado do Rio de Janeiro. As aulas de instrumentos musicais clássicos e as práticas de orquestra acontecem semanalmente em mais de 20 comunidades fluminenses, como Morro dos Macacos, Complexo do Alemão, Cidade de Deus, Manguinhos e Jardim Catarina, unidade inaugurada este ano em São Gonçalo. O projeto também conta com 18 polos de musicalização em creches e escolas, além de cinco filiais localizadas fora do estado, em João Pessoa (PA) e Ji-Paraná (RO).

O ensino de instrumentos como violino, violoncelo, contrabaixo e viola acontece nas dependências "emprestadas" pela Paróquia de São Tiago, em Inhaúma, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Antes localizado no Casarão da Cultura, dentro do Complexo do Alemão, o núcleo atende cerca de 114 crianças e adolescentes que vivem nas comunidades do entorno.
Entre eles, já esteve o musicista Natanael Paixão, de 23 anos, participante do projeto desde 2012. A partir da curiosidade despertada por um colega com quem brincava na rua, ele conheceu o projeto e descobriu seu amor pela viola. "Quando eu cheguei e vi aqueles instrumentos lindos, eu fiquei maravilhado", relembra.

Desde então, ele se dedicou ao estudo intensivo do instrumento e passou a integrar em 2016 a Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro (OSJRJ), grupo seleto formado por 55 jovens do Ação Social pela Música do Brasil com idades entre 15 e 28 anos. Este ano, eles conquistaram o título de orquestra residente da PUC-Rio e se apresentaram no Theatro Municipal, na Sala Cecília Meirelles e na Cidade das Artes.
Do período em que participava da OSJRJ, Natanael relembra momentos que ficaram gravados em sua mente e que se assemelhavam a "cenas de filme", como os dias de concerto em que acordava com os helicópteros da Polícia Militar pairando sobre as casas e o caveirão passando em sua rua no Complexo do Alemão. "Eu conseguia sair daquela guerra depois de muito custo para ir tocar no Teatro Municipal, lindo e maravilhoso."

BOLSA DE ESTUDOS NA FRANÇA
O jovem músico foi descoberto ao se destacar durante o Festival da Academia Internacional de Música de Solsona, na Espanha, em 2022. Ele foi elogiado por sua espontaneidade ao tocar o instrumento e a conquista o incentivou a ir atrás do seu sonho de estudar música clássica na Europa. No mês de setembro deste ano, ele embarcou com uma bolsa de estudos do Ação Social pela Música do Brasil para estudar no Conservatoire à Rayonnement Régional de Toulouse, na França.
"Esse foi um motivo de muita alegria para mim, mas também para as pessoas que acreditaram nesse sonho, como a Fiorella e os padrinhos do projeto", diz ele, com entusiasmo. A próxima meta de Natanael, após meses de preparação, é ingressar no Ensino Superior de música.
'A ARTE É TRANSFORMADORA'
Violoncelista nascida na Guatemala e naturalizada brasileira, Fiorella Solares fundou o Ação Social pela Música em 1996 junto com o marido, o falecido maestro David Machado. Inspirados pelo sucesso de um projeto semelhante idealizado pelo músico José Antônio Abreu na Venezuela, o El Sistema, eles conceberam o plano para levar o ensino de música clássica para as periferias do Estado do Rio de Janeiro. "O grande diferencial quando nós começamos lá atrás foi levar os professores para as comunidades, os coordenadores, o lanche, o reforço escolar, a compra de instrumentos para serem usados e guardados lá, por parcerias com a associação de moradores, igrejas de bairros e com o apoio dos nossos patrocinadores", explica.
Para Fiorella, os valores aprendidos por esses jovens músicos são a herança mais importante deixada pelo projeto. "A arte é definitivamente transformadora e a música clássica também trabalha o conjunto, que vai desde o maestro até aqueles que estão na última linha. O aluno aprende a fazer silêncio, ter concentração, foco e respeito pelo outro e, talvez o mais importante, a entender a hierarquia."

A professora Stephanie Alves, de 21 anos, comenta sobre a sua satisfação ao ver o potencial dos seus alunos ser alcançado. "Quando você vê seu aluno superando algum obstáculo, é muito prazeroso, porque a gente consegue ver que está fazendo um trabalho significativo na vida daquela pessoa que está conquistando o instrumento, mas também transformando a vida pessoal dela", afirma. Integrante do projeto desde a sua adolescência em Petrópolis, ela dá aulas no Núcleo do Complexo do Alemão do Ação Social e também cursa o sexto período de Licenciatura em Música na Unirio.

MERCADO DE TRABALHO
O mesmo caminho deve ser seguido por Gabrielle Ferreira, aluna do projeto desde 2018 e moradora de Rio das Pedras. Por conta de limitações de mobilidade na perna causadas por um atropelamento, ela vê a música como uma única oportunidade de ingressar no mercado de trabalho. "Eu realmente me vejo trabalhando com isso, é algo que está bem mais perto de mim e que eu amo fazer", destaca.

Aos 17 anos, Gabrielle estuda para entrar na Escola de Música da UFRJ e toca violino na Orquestra Sinfônica Infanto-Juvenil da ASMB, regida pelo maestro Renan de Paula. Composto por 34 jovens que tocam desde a flauta até a bateria, o grupo impressiona com seu repertório musical para as apresentações, feito por canções como 'Morena Tropicana', de Alceu Valença, 'Azul da Cor do Mar', de Tim Maia, e 'I Got You (I feel good)', de James Brown.
Reportagem da estagiária Rafaela Gama sob supervisão de Carla Rangel