Professora Samara de Araújo Oliveira foi presa injustamente em Rio Bonito, na Região Metropolitana do RioReprodução/Redes sociais

Rio - O pai da professora Samara de Araújo, de 23 anos, que acompanhou todo o processo da prisão injusta da filha por oito dias, pretende prosseguir com as investigações do caso por conta própria, conforme a vontade da educadora. De acordo com Simario Araújo, 48, a família está em contato com um advogado e tem interesse em processar o estado da Paraíba, que determinou a prisão.

Samara teve a prisão preventiva decretada após denúncia do Ministério Público da Paraíba (MPPB), que a a acusou de extorsão no município de São Francisco, no interior da Paraíba, em 2010. A prisão foi revogada, já que o caso aconteceu quando ela tinha apenas 10 anos.

"Segunda-feira ela vai conversar com o advogado pessoalmente para saber como vão ser os próximos passos do processo. Ela foi presa por uma questão de golpe, usaram dados dela. Então, não é simplesmente ela foi presa, saiu e acabou. A gente precisa se aprofundar nisso, saber o que aconteceu, por que aconteceu e entrar com um processo contra o estado da Paraíba", disse.

Simario ainda tratou a investigação que levou a prisão da filha como falha e contou que estará ao lado da professora para a acompanhar na ação. "Ela pretende 'tocar' isso e, como ela já é maior de idade, vai fazer as tomadas de decisão dela e eu estou aqui para aconselhar", reforçou.

Na denúncia do MPPB, um funcionário de um mercadinho em São Francisco (PB) foi ameaçado a fazer transferências para sete contas bancárias diferentes, e uma delas estava no nome de Samara.

Ainda de acordo com o pai é necessário checar se só uma conta foi aberta com os dados da filha, e entender de onde entrou e de onde saiu o dinheiro, além de saber quem usou os dados da professora. Ele ainda explicou que a filha sempre morou em Rio Bonito e que não faz sentido ser acusada de um crime cometido na Paraíba.

"Eles alegaram que ela estava foragida. Ela morou sempre em Rio Bonito, estudou em Rio Bonito a vida toda, e alegaram isso. Ela cometeu um crime com 10 anos de idade e fugiu?", indagou.

Simário contou também que não chegou a dormir na porta do Instituto Penal Oscar Stevenson, em Benfica, na Zona Norte, todos os dias, mas que ficava indo e voltando, e que esperou pela soltura direto na porta do presídio desde a expedição do alvará, em 28 de novembro.

"Foram dias de muita angústia. A gente sabe que ela não cometeu esse crime e, de repente, a gente vê nossa filha ser levada assim, do nada, por um crime que ela não tinha condições de cometer, o mundo desaba na nossa cabeça. Foram as três famílias, a do marido dela, a da mãe dela e a minha. Todos ficaram muito angustiados, foi muito sofrimento esses dias todos, mas não chegou perto do que ela sofreu lá, ela jamais esperava estar lá".

A família pretende que um psicólogo também acompanhe a professora. Além disso, o pai contou esperar que a Justiça seja mais assertiva em casos como esses.
"A gente espera que a Justiça brasileira abra os olhos para esses erros que acontecem sempre. Esses tipos de erros acontecem com frequência Eu já tinha visto reportagens assim, mas eu não imaginava a quantidade que era, é horrível isso. A investigação, muitas vezes, é falha, e infelizmente vai parar atrás das grades pessoas que, às vezes, não têm culpa de nada. O sistema prisional a gente sabe que não é bom, nem para quem comete crime, muito menos para um inocente que faz as coisas certas e faz de tudo para não ir parar ali, como a minha filha", finalizou.
Filha relembra momentos de terror
Ao DIA, a professora relatou os momentos que antecederam a prisão. "No dia 23 de novembro de 2023, eu saí para trabalhar e não voltei para casa, pois tinha um mandado de prisão preventiva em meu nome. Eu estava na casa de um aluno quando recebi a ligação e fui ao encontro dos policiais, quando recebi a notícia achei que era um sequestro e na mesma hora pedi a identificação deles, mesmo que eles estavam com o carro da polícia civil e armas", disse.
Samara também relembrou a angústia dentro da cadeia. "Fiquei 8 dias longe da minha família, e sem saber o que estava acontecendo aqui fora, eu ficava desesperada e me deixava levar pelo que estava sentindo por estar sem notícias. Parecia que aquilo não teria fim, eu pedia a Deus que se eu pegasse no sono não sonhasse com minha família pois seria muito doloroso acordar e não estar com eles, eu sonhei que abraçava meu filho no dia que meu alvará ficou disponível no processo da Paraíba, mas eu só soube no dia seguinte", contou.
A professora também lamentou o fato de outras pessoas estarem presas por engano. "Conheci tantas histórias e descobri que tem pessoas boas que vão parar naquele lugar além de mim. Deus cuidou de mim tão grandemente. Teve mulheres que mesmo com seus problemas e dores, estavam preocupadas com o meu bem estar e me ajudaram a ter forças. Eu estou com medo de que de repente eu seja tirada da minha família novamente, meu desejo de verdade seria esquecer e seguir em frente. Mas eu estaria ignorando as pessoas que conheci e suas dores", explicou.
A pedagoga acrescentou ainda informações sobre sua formação e lamentou ter sido acusada de um crime quando tinha apenas 10 anos. "Me formo em Licenciatura em Matemática no dia 06 de dezembro. Estou fazendo pós graduação em Didática e metodologias de ensino. Tenho 23 anos, estou noiva e tenho um filho de 2 anos. Fui acusada do crime de estelionato cometido na Paraíba no ano de 2010", lamentou.
O processo
De acordo com a denúncia do MPPB - que tem outros seis envolvidos, além da professora -, em 29 de setembro de 2010, um funcionário do Mercadinho Vieira, à época correspondente bancário da Caixa Econômica Federal, recebeu a ligação de um homem se passando por servidor dos Correios, dizendo que havia sofrido um assalto e que duas pessoas em uma motocicleta estavam do lado de fora do estabelecimento. Caso a vítima desligasse o telefone ou não realizasse transferências bancárias, seria morta pela dupla.
O funcionário então fez diversos depósitos da conta bancária do Mercadinho para as indicadas no telefonema, totalizando R$ 8 mil. Após saber sobre o episódio, o dono do estabelecimento conferiu que não havia ninguém do lado de fora e que eles tinham sofrido um golpe. Os beneficiários da farsa seriam uma homônima de Samara, Cilene de Souza Vilela, Eliane dos Santos Sampaio, Josina Gouvea Padilha, Letícia Souza Alves, Paulo Adriano Félix das Neves e Ricardo Campos dos Santos. A agência bancária não retornou os valores às vítimas, caracterizando vantagem indevida pelos acusados.
Segundo o MPPB, na terça-feira passada (28), "tão logo cientificado dos fatos, manifestou-se favoravelmente pela revogação da prisão preventiva e pela expedição de alvará de soltura". O órgão esclareceu ainda que, conforme verificado em outros processos, na época, um grupo criminoso do Rio de Janeiro utilizou dados de terceiros para movimentar quantias oriundas de extorsão. "No caso, a jovem teve seu CPF citado em investigação policial que detectou o uso do documento na abertura de conta corrente bancária".