San Restaurante instalou toldo, bancos coletivos e canteiros pela calçada da Rua Humberto de CamposReprodução / Arquivo Pessoal

Rio - Mesas, cadeiras, bancos e guarda-sóis costumam, em muitos lugares, compor calçadas de bares e restaurantes pela cidade. No entanto, em algumas regiões, como na Zona Sul e no Centro, o que pode significar conforto para alguns, tem sido motivo de queixa para outros. Moradores reclamam que alguns estabelecimentos pela cidade são invasivos e tomam todo o pavimento destinado aos pedestres.
Com essa nova discussão, que ganhou força após a pandemia, com mudanças nas configurações de alguns estabelecimentos, um decreto foi publicado, nesta quarta-feira (6), na edição do Diário Oficial, limitando a forma como estas estruturas podem ser utilizadas.

O documento nº 53649/23 estabelece que os materiais podem ser colocados nos espaços destinados a vagas para estacionamento de veículos, desde que haja aprovação prévia da CET-Rio. O estabelecimento deve arcar com estruturas removíveis com material resistente, não inflamável e distanciando cinquenta centímetros em projeção da faixa de rolamento de carros. Em caso de guarda-sol, é preciso que, quando aberto, tenha até um metro e meio de dimensão e altura de dois metros e trinta centímetros.

Já a ocupação das calçadas, principal motivo do imbróglio, é permitida às quintas, sextas e vésperas de feriados a partir das 18h, aos sábados às 16h e domingos e feriados a partir das 12h até às 2h. As sextas, sábados e vésperas de feriados também terão o mesmo horário limite, já quintas, domingos e feriados o material deve ser retirado às 23h.

Os estabelecimentos também são responsáveis por providenciar a remoção diária dos equipamentos ao encerramento das atividades, impedir o deslocamento de mesas, cadeiras ou quaisquer outros mobiliários por parte dos usuários e manter limpa a área utilizada. As zonas delimitadas também devem ser identificadas por sinalização gráfica vertical (placas) e horizontal (pintura), conforme determinado pelo decreto.

A prescrição foi primordialmente estabelecida na pandemia, em 2020, junto à Lei Complementar n° 226. Nela, instalar mesas e cadeiras só era possível se fossem liberados pelo menos 2,5 metros de calçadas livres para pedestres. Em 2021, a distância caiu para 1,5 metro, o que se manteve nesta nova decisão. Esta redução no espaço dos pedestres tem causado a insatisfação de moradores de alguns locais.

Bruno Vieira, de 36 anos, residente da Glória, no Centro, reclamou do que disse ser uma falta de comprometimento dos bares com a legislação após o período pandêmico. “O decreto, para mim, não pode ser renovado mais, o morador quer paz, quer ter ordem. Está muito bagunçado, ninguém respeita. Não adianta nada ter o decreto na parede e não cumprir. Só não vê quem não quer, é preciso fiscalizar”.

O pedido do residente por fiscalização é registrado no decreto como função da Secretaria de Ordem Pública (Seop). Conforme apurado pelo DIA, o órgão registrou, até novembro de 2023, 1.337 autos de infração por uso indevido de mesas e cadeiras em todo o município do Rio. O secretário Brenno Carnevale explicou para a reportagem como funcionam as operações de ordenamento.

“Isso teve um avanço muito grande por conta da pandemia em que a utilização de ambientes externos era necessária e obviamente a gente tem regras a serem seguidas, então para a utilização de vaga de trânsito é necessária a aprovação da Cet-Rio. Obviamente a gente entende ser uma demanda razoável da cidade do Rio de Janeiro, que tem muita vida externa na rua, restaurantes, bares, mas a gente segue fazendo as fiscalizações, a gente tem uma desrespeita dessas regras. A gente vai seguir fazendo esse trabalho de fiscalização baseado nas regras, no decreto”, disse.

Bruno Vieira também relatou sua experiência com o Labuta Mar, conceituado restaurante que surgiu no Centro, e que foi inaugurado há pouco tempo no bairro da Glória, na Rua do Russel, tendo como parte da sua experiência o cliente sentar em cadeiras de praias pela calçada. “Eu não sou contra essas cadeiras de praia, fazia muito sentido na pandemia, só que hoje em dia não mais. A questão aí é que o pessoal está privatizando o espaço que é de todo mundo. De certa forma você cessa o ir e vir de pessoas”, falou.


Julia Ramos, de 36 anos, frequentou o bar e acredita que a estética das caldeiras pelas calçadas é um ponto positivo, além de trazer mais sensação de segurança. “Eu vejo como um jeito de revitalizar a área. Eu não frequentava lá até ter o Labuta. Eu acho que essa questão de você colocar as cadeiras e tal, ter pessoas, ter movimento, me traz uma questão muito mais de segurança. Eu, se morasse ali, acho que eu preferiria ter o Labuta, ver pessoas, do que ser uma coisa super vazia”, comentou.

A reportagem conversou com Yan Ramos, que é chefe do estabelecimento. Ele explicou sobre a dinâmica e como ocorre a organização do espaço. “Temos alvará legal da prefeitura para uso da área demarcada. Quanto à questão das reclamações dos moradores, é um problema que temos enfrentado desde a abertura da casa e sabemos que não é uma reclamação apenas da nossa operação, mas sim de todos os restaurantes da área no entorno”, declarou ele.

As reclamações sobre estas questões não se limitam ao caso na Glória. Na Rua Humberto de Campos, no Leblon, Zona Sul da cidade, o restaurante de comida japonesa San também tem gerado queixas dos residentes da área. O local expandiu seu funcionamento para as calçadas, colocando canteiros com plantas altas, toldos e bancos para dar privacidade e conforto aos frequentadores. Porém, a estrutura impede que os transeuntes passem pelo local quando lotado, tendo que optar pela rua.

É o que Josiane Côrtes, que mora em frente ao San, tem sofrido para poder andar pelo bairro. “Desde a abertura, nos causa problemas. Não tem horário de funcionamento, e funciona mesmo como um bar, enquanto tiver gente bebendo, ele fica aberto. Quando encerra os atendimentos, ainda somos obrigados a esperar seus funcionários irem embora, porque eles também fazem muito barulho. Com a pandemia e o decreto do prefeito, a coisa saiu totalmente de controle. Junto disso, ainda veio uma ampliação que fez a coisa degringolar de vez”.

Uma outra residente, que não quis ser identificada, mora em um apartamento na parte de cima do restaurante, e contou a reportagem sobre sua insatisfação. “Era um restaurante pequeno que recebia as pessoas dentro do salão. Em determinado momento, depois da pandemia, compraram o ponto do lado e ampliaram. A partir daí que os nossos problemas começaram, mexeram bastante assim no calçamento e começaram a colocar as mesas na calçada, impedindo o fluxo dos pedestres, mesmo antes de ter essa nova estrutura”.

Algumas destas reclamações foram atendidas pela Seop, que, em 29 de novembro, foi até o local para realizar uma fiscalização. O San Restaurante foi multado em R$ 3.803,27 por colocar dez mesas e cadeiras, área coberta, bancos e canteiros sem autorização. O órgão informou que “os bancos coletivos não são autorizáveis, somente assentos individuais, e a cobertura utilizada não pode ser autorizada, pois cobre a faixa livre para circulação de pedestres”. Procurado, até o momento da publicação o estabelecimento não respondeu à reportagem.

Caso os restaurantes realizem atividades que gerem produção de ruídos que atinjam nível sonoro de decibéis superior ao estabelecido na legislação, uso de equipamentos para preparação de alimentos na calçada, aglomerações, impedir ou dificultar o trânsito de pedestres, danificar o calçamento, dentre outras, multas poderão ser aplicadas.

Ainda no decreto, para se tornar apto para colocar mesas e calçadas nas redondezas é preciso abrir um requerimento de autorização que deverá ser apresentado, por meio digital, no Sistema Integrado de Licenciamento e Fiscalização das Atividades Econômicas (SILFAE) - Mesas e Cadeiras, disponível no portal Carioca Digital, com uma série de documentos sobre o imóvel.

Papel das subprefeituras

Apesar da fiscalização ser de responsabilidade da Seop, as subprefeituras são procuradas pelos moradores pela possibilidade de um contato mais direto para encaminhar denúncias. As administrações municipais atendem a algumas demandas em parceria com o órgão regulador.
O subprefeito da Zona Sul, Flávio Valle, explicou ao DIA como estas ações ocorrem. “Quando verificamos que um estabelecimento está extrapolando a utilização do espaço, garantimos a liberação por meio da remoção das mesas e cadeiras, além de aplicação de multa para o estabelecimento. Se o estabelecimento insistir no erro, além da multa está sujeito a ter a autorização revogada pela prefeitura”, disse.

Procuradas, as subprefeituras do Centro e da Zona Sul informaram que as fiscalizações ocorrem em conjunto também da Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização (CLF), e levam em consideração os chamados que chegam por meio da central 1746.

Em algumas ocorrências, as equipes da subprefeitura atuam individualmente. Como foi o caso de um restaurante na Avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon, multado nesta quarta-feira (6), por modificar a calçada sem autorização, e colocar mesas e cadeiras no pavimento indevidamente. Um bicicletário havia sido removido e foi instalado novamente no local.
*Reportagem do estagiário Lucas Guimarães, sob supervisão de Iuri Corsini