A jornalista Carmem Mouzo faz parte do grupo de apoio 'Sem Transtorno'Acervo pessoal

O início do ano é marcado por uma atmosfera de renovação e promessas de mudanças. Para muitos, é o momento ideal para novos começos e objetivos, como passar a ter uma rotina dedicada à saúde física ou mental. Por isso, neste mês, a campanha Janeiro Branco abre o ano alertando para a conscientização sobre os cuidados com a saúde mental e a prevenção de transtornos como ansiedade, depressão e pânico.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 9,3% dos brasileiros sofrem com ansiedade patológica. O Brasil é o líder no mundo em prevalência de transtornos de ansiedade. Já a depressão afeta 5,8% da população. A OMS ainda destaca que fatores como estresse, genética, nutrição, infecções perinatais e exposição a perigos ambientais contribuem para os transtornos mentais.
A professora Márcia Gonçalves, de 56 anos, teve a infância marcada pelos desafios da ansiedade, mas, na época, ainda sem diagnóstico, não sabia explicar o que sentia. "Desde criança, sentia meu corpo tremer e acordava durante a noite com o coração acelerado, ficava nervosa durante provas e ao realizar atividades diferentes. Essa ansiedade se manifestava fisicamente, causando um aperto na garganta, a ponto de eu sentir que ela estava se fechando. Naquela época, eu tinha dificuldade em explicar o que sentia, pois não tinha conhecimento para descrever transtornos de ansiedade. Não se discutia ou sequer considerava a existência desse tipo de problema", lembra.
Já na fase adulta, incentivada pela irmã, ela buscou um especialista para entender melhor a condição e começou o tratamento com medicação. "Eu recebi o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) há mais ou menos 10 anos. Foi um alívio saber que tinha um problema para resolver. Por outro lado, veio uma negação, uma vergonha, preconceito, tudo isso. Hoje, tomo medicação regularmente, não abro mão dela, pois proporciona qualidade de vida. Mesmo assim, ainda tenho os 'piripaques', mas percebo que são extremamente espaçados, ocorrendo em situações extremas ou como gatilhos", conta.
Pesquisando mais sobre ansiedade, crises de pânico e depressão nas redes sociais, Márcia conheceu o grupo de apoio Sem Transtorno. Ao participar, percebeu que outras pessoas tinham os mesmos medos, sentimentos e reações que ela.
"O grupo foi libertador, pois me fez perceber que não era única e diferente. Hoje, faço parte das reuniões presenciais e on-line, nunca falto. A pandemia foi um abrir de olhos, mostrando que muitas pessoas ao redor do mundo enfrentam transtornos semelhantes. Atualmente, ainda existe muito preconceito em relação ao pânico, depressão e ansiedade, inclusive no ambiente de trabalho, onde as pessoas podem não compreender a gravidade dos sintomas físicos, que podem até nos paralisar", enfatiza Márcia.
Assim como ela, outras pessoas encontraram apoio no projeto iniciado por Karen Terahata em 2014. A jornalista, que também enfrenta a mesma luta, foi diagnosticada com síndrome do pânico aos 21 anos. Incentivada pela leitura de um livro, sentiu a necessidade de criar um grupo de apoio e fundou o Sem Transtorno.
"Eu tinha uma vida normal, mas depois das crises de pânico, não conseguia mais realizar tarefas simples, como ir ao cinema ou andar de transporte público. Houve diversas interrupções na faculdade, terminei meu relacionamento, não podia viajar para lugares mais distantes. Foi um período solitário e sofrido, pois eu não entendia o que estava acontecendo, as pessoas que conviviam comigo menos ainda. Eu achava que tinha enlouquecido, que minha vida nunca mais seria a mesma. E realmente não foi, mas felizmente consegui retomar meus estudos, trabalhar e reconstruir minha vida social. Coisas que parecem tão simples, mas que eu não conseguia mais fazer", afirma a jornalista.
Karen conta que ainda convive com sintomas de ansiedade e depressão, mas leva uma vida com mais qualidade e faz o controle com medicação, terapia, exercícios físicos regulares e meditação. Atualmente, ela tem um relacionamento estável, um filho e coordena o grupo de apoio desde 2014, para que pessoas que enfrentam transtornos de ansiedade, pânico e depressão possam trocar experiências, encontrar apoio e motivação.
Já Carmem Mouzo sempre gostou de viajar, dirigir e ter autonomia, até que começou a enfrentar desafios decorrentes da claustrofobia em sua vida cotidiana. Ela sentia agonia ao passar por túneis, ao andar de elevador e chegou a ter uma crise de pânico dentro do metrô. A partir desse momento, percebeu o surgimento de angústias repentinas e inexplicáveis, acompanhadas de falta de ar e dores no estômago, que persistiam apesar de tentativas de tratamento.
"Eu estava no metrô quando ele parou para outro trem passar. Eu comecei a gritar porque pensei que havia dado algum defeito e eu ficaria ali sufocada. Nesse momento de crise de pânico, percebi que algo estava muito fora de ordem. Então, retomei a terapia e encontrei o grupo de apoio, que tem sido fundamental para ouvir o que outras pessoas também estão passando", relata.
O corpo e a mente emitem sinais
O psicólogo Raphael Amaral explica que o corpo e a mente emitem sinais quando passamos por dificuldades ou problemas. É preciso estar atento às alterações de humor, se o sono está desregulado, se a alimentação está desequilibrada, estresse, apatia, falta de vontade e qualquer outra alteração que cause sofrimento ou desconforto.
"Inúmeros fatores podem contribuir com a falta de cuidado com a saúde mental. Falta de conhecimento sobre o que nos faz mal, rotina exaustiva e estressante, questões familiares, traumas na infância, hábitos ruins, entre outros podem contribuir para a nossa desatenção. Por esses motivos, é importante tirar momentos regulares para fazer uma auto-observação sobre como está nossa vida e para onde estamos caminhando. Ficar atento a tudo isso é importante para caminharmos na direção da vida que queremos e não sermos arrastados", ressalta.
Para o profissional, o cuidado com a saúde mental passa pelas escolhas que fazemos diariamente. "Dormir bem influencia como vamos acordar no dia seguinte. Fazer exercícios se relaciona com nosso nível de disposição e de alguns hormônios. Nossas relações familiares e profissionais podem nos ajudar, assim como podem nos prejudicar", destaca.
De acordo com Raphael, é importante falar sobre transtornos mentais não apenas com o intuito de ajudar um familiar ou vizinho a viver sem sofrimento, mas para conscientizar. "O estigma ou tabu muitas vezes afasta as pessoas da ajuda e suporte necessários para passar pelas dificuldades ou problemas. Tal fato acarreta na piora dos sintomas e quadros decorrentes dos mesmos. O desconhecimento e o medo são algumas das principais barreiras, por isso são importantes espaços e momentos para falar sobre como as pessoas adoecem e como podemos ajudá-las", conclui.
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