Léo Xavier, motorista de aplicativo e criador do Instituto Família Ponta a Ponta, grupo com mais de 15 mil condutoresDivulgação/Arquivo Pessoal

Rio - Motoristas de aplicativos e passageiros repercutiram, nesta segunda-feira (8), a decisão que torna obrigatório o uso do ar-condicionado nos veículos, independente da categoria contratada, e a proibição de cobrança adicional por uso do aparelho de ar. Condutores que trabalham há anos através das plataformas de corrida reclamam que as empresas à frente do serviço não dão condições para melhorias. A classe aponta que houve aumento nos preços dos combustíveis e peças de carros, mas isso não refletiu na tarifa cobrada pelos aplicativos a passageiros.
Léo Xavier, de 46 anos, é motorista de aplicativo há dez anos e criador do Instituto Família Ponta a Ponta, o maior grupo de motoristas de aplicativo em atividade no estado do Rio de Janeiro, com cerca de 15 mil profissionais do setor. Ele concorda que o uso do ar-condicionado é importante não somente para os passageiros, mas também para os colegas de profissão que trabalham até 12 horas seguidas debaixo de altas temperaturas.
O motorista também diz que a classe está sendo bastante prejudicada pela defasagem na tarifa cobrada pelos aplicativos. O criador e presidente do Instituto observa que muitos colegas optam por circular com o ar-condicionado desligado para diminuir o prejuízo e ter lucro no final do dia. "A gente também é penalizado quando trabalha com o ar-condicionado desligado, ninguém quer isso, mas é preciso reconhecer que a tarifa está defasada. Há quanto tempo que não há reajuste? Teve aumento no preço dos combustíveis, mas não houve aumento na tarifa", diz o presidente do grupo.
Ainda segundo Léo, a plataforma Uber, uma das empresas que atende passageiros em todo o Brasil, dá margem para o motorista de corrida “negociar” taxas adicionais para ligar o ar-condicionado. "A Uber acaba incentivando a classe a fazer uma espécie de 'leilão' para cobrar a parte dos passageiros. Mas quem faz a cobrança da tarifa é a Uber", critica Léo.
O motorista Marcos Tinoco Câmara, de 45 anos, trabalha há cinco anos com aplicativos de corrida. Em entrevista ao DIA, o profissional lembrou que quando começou a trabalhar no segmento era obrigatório o carro ter ar-condicionado. "Sempre foi obrigatório, o único problema disso é que os gastos aumentaram e não estamos vendo lucro. O dinheiro que você faz em um dia de trabalho às vezes vai todo para o combustível", diz Câmara, que não abre mão de usar o ar-condicionado durante o seu horário de trabalho.
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que tem a 99 Táxi e Uber entre suas associadas, repercutiu sobre a resolução da Secretaria de Defesa do Consumidor do Rio de Janeiro, dizendo que os motoristas parceiros devem acordar com os passageiros o uso do ar-condicionado, "tendo a vista o melhor conforto mútuo, independentemente do tipo de veículo contratado no aplicativo". Disse ainda que o prestador do serviço aos passageiros é o motorista, por isso, as empresas não podem obrigá-lo a ligar o equipamento. (Leia a nota na íntegra no final da reportagem).
Passageiros comemoram a decisão
Passageiros que fazem uso constante do serviço de transporte por aplicativo comemoraram as medidas impostas pela Secretaria Estadual de Defesa do Consumidor, nesta segunda-feira (8). A jornalista Karen Barboza, de 25 anos, contou que nunca passou por situação constrangedora por conta do ar-condicionado, mas acha um absurdo os motoristas circularem com o aparelho desligado e ainda cobrarem para ligá-lo.
"É desconfortável tanto para eles quanto para os passageiros. E como passageira, eu procuro a Uber quando quero conforto e não quero ir de ônibus, então não faz sentido chamar um carro e ele estar sem ar. Se fica caro ligar o ar, quem teria que se responsabilizar por isso é a empresa de corrida, já que o motorista também não pode ser prejudicado pelo preço do combustível", disse.
Moradora do Rio de Janeiro, Karen reforça que o ar-condicionado no estado não é sinônimo de conforto, mas sim questão de saúde pública. "É de responsabilidade da empresa proporcionar que o motorista consiga ligar o ar sem tirar do próprio bolso, já que é uma situação que está lidando com a condição de trabalho dele", conclui.
A dentista Nathiele Nascimento, de 28 anos, usa os carros de aplicativo para trabalhar e confessa que é muito difícil encontrar um motorista que ligue o ar-condicionado sem que tenha algum tipo de constrangimento. "Quando vou para algum evento, ou até mesmo para o trabalho, o calor derrete qualquer formalidade, seja de maquiagem ou de roupa, na qual preciso estar sempre formal. Os motoristas de aplicativo sempre lutaram pelo espaço onde antes só havia taxistas, mas algumas vezes eu opto pelos taxistas porque eles oferecem carros melhores e com ar condicionado", desabafa.
A estudante Ana Nunes, de 25 anos, lembra uma situação constrangedora que passou no final do ano passado com um motorista de aplicativo. Ela conta que chamou um carro no Joá, na Zona Sul do Rio, com destino ao Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, mas o motorista não ligou o aparelho de ar durante o trecho de 21 km. "O motorista chegou de vidro aberto e assim permaneceu a viagem toda. Quando chegou no destino final ele ligou o ar-condicionado e disse que parado não dava para ele ficar sem ar".
Entenda o que muda com o decreto
Em decreto publicado no Diário Oficial do Estado do Rio, nesta segunda-feira (8), o Governo do Rio determinou que os carros por aplicativo são obrigados a rodar com o ar-condicionado ligado. A medida foi tomada diante das reclamações de passageiros de que alguns motoristas passaram a cobrar taxas "por fora", além do valor da corrida, para que a viagem fosse climatizada, principalmente em dias de altas temperaturas.
Segundo a determinação, as plataformas digitais de transportes de passageiros devem informar com clareza quanto ao uso de ar-condicionado em todas as categorias disponíveis no momento da solicitação da viagem. Nos serviços em que o uso do ar for opcional do motorista, isto deve ser informado ao consumidor e não poderá haver cobranças adicionais.
Ainda de acordo com o decreto, enquanto não houver adequação às exigências, todos os carros deverão circular com ar-condicionado ligado, sem cobrança de valores extras, independente da categoria contratada.
Os veículos que não cumprirem a ordem devem ser suspensos das plataformas.
Para o secretário da pasta, Gutemberg Fonseca, o ar-condicionado faz parte dos requisitos para o cadastro de automóveis nos aplicativos e o passageiro também pode exigir que o aparelho seja ligado durante a corrida.
Os consumidores que se sentirem lesados podem entrar em contato com a Secretaria Estadual de Defesa do Consumidor pelo telefone 99336-4848.
O que dizem os citados
Procurada, a plataforma Uber disse que a medida diz respeito ao setor como um todo, deste modo, quem deveria responder aos questionamentos mencionados na reportagem é a associação que representa as empresas, a Amobitec. A 99Táxi ainda não se pronunciou sobre a medida.
Luiz Corrêa, presidente doSindicato dos Prestadores de Serviço por Meio de Aplicativo do estado do Rio de Janeiro e Região Metropolita (SindMobi) disse que a Decisão do Direto do Consumidor "não muda nada para os motoristas de aplicativos". Ainda de acordo com o sindicato, quem trabalha na categoria X não é obrigado a ligar o ar-condicionado.
"Na publicação diz que a empresa tem que informar qual categoria não é obrigatório ligar o ar. A Uber, 99 Táxi já publicaram diversas vezes, através de notas pela imprensa, que as categorias X e POP não são obrigadas. Essa decisão referente ao ar não tem validade", afirmou.
Leia a nota da Amobitec na íntegra:
"Sobre a resolução da Secretaria de Defesa do Consumidor do Rio de Janeiro, as empresas associadas à Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) esclarecem que os motoristas parceiros devem acordar com os passageiros o uso do ar-condicionado, tendo a vista o melhor conforto mútuo, independentemente do tipo de veículo contratado no aplicativo.

A associação informa também que o prestador do serviço aos passageiros é o motorista, conforme estabelecido pelas decisões vinculantes do Supremo Tribunal Federal nos julgamentos do Recurso Extraordinário 1.054.110 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 449. Por isso, as empresas não podem obrigá-lo a ligar o equipamento.

É importante ressaltar que o valor das corridas é aquele visualizável pelo passageiro na contratação do serviço. Portanto, não estão previstas cobranças adicionais pelo motorista - o que seria violação do Código de Defesa do Consumidor.

As plataformas associadas da Amobitec oferecem a motoristas e passageiros instrumentos de avaliação das corridas em que o nível de satisfação com a experiência pode ser relatado, além de manter canais de suporte em que podem ser registradas eventuais ocorrências a qualquer momento."