Mudanças no trânsito e na rotina começam a ser sentidas desde a montagem do eventoRenan Areias/Agência O Dia

No coração dos bairros Campinho e Oswaldo Cruz, na divisa que abraça a Estrada Intendente Magalhães, o Carnaval da Intendente é conhecido por ser uma festa do povo, reunindo famílias, integrantes das escolas, moradores do bairro e adjacências. O retorno das escolas de samba à famosa passarela da Intendente desperta opiniões divergentes entre moradores e lojistas.

Ao longo de 16 anos, a passarela do samba da Intendente Magalhães, considerada Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado do Rio de Janeiro, foi o palco vibrante dos desfiles das escolas de samba das séries Prata e Bronze, representando a terceira e quarta divisões das agremiações. No entanto, no ano passado, uma mudança alterou o curso desta tradição, transferindo o evento para a Avenida Ernani Cardoso, em Cascadura, também na Zona Norte.


Neste ano, os desfiles ocorrem a partir deste domingo e ainda nos dias 12, 13, 16 e 17 de fevereiro, retornando ao circuito tradicional. Mas as mudanças para quem mora e trabalha na localidade já começaram desde a noite da última terça-feira (6) e seguirão até a madrugada de segunda-feira (19), segundo a CET-Rio. Enquanto alguns enxergam benefícios na movimentação e diversão proporcionadas pelo evento, outros destacam preocupações quanto aos impactos na rotina e no horário de funcionamento das lojas e estabelecimentos.

O técnico de manutenção, Jocimar de Souza, de 53 anos, apoia a realização da festa. “É uma diversão para o povo, né? O direito é igual para todos. Dá direito para o povo se divertir. A gente viver só de trabalho não funciona, né?", disse. Já Júnior Dias, 47 anos, morador e dono de um restaurante na região, destaca os benefícios econômicos do Carnaval, enfatizando a movimentação e oportunidades de ganho para vendedores, ambulantes e camelôs. “O Carnaval aqui traz movimentação, atrai pessoas que estão por aqui. Os vendedores, os ambulantes e os camelôs necessitam ganhar um dinheirinho também devido à crise. Eu acho isso muito interessante, muito bom. Portanto, que haja segurança para ambos. Há crianças e idosos presentes, porque todo mundo gosta de participar de uma folia. Isso movimenta e as pessoas vêm para trabalhar. Elas vêm vender sua cerveja, vêm vender seu pastel, bem como as outras barracas de milho e cocada”, comentou.

Outra moradora da região, acostumada com a folia na porta de casa há 15 anos, observa os pontos positivos e negativos. “A alegria do Carnaval aqui é muito boa e tem que ter aqui na Zona Norte. Mas, com essa alegria, vêm outras coisas também. Então, eu acho que tem que ter mais segurança”, afirmou a mulher.

Por outro lado, uma moradora de Padre Miguel, que trabalha em um hortifruti na Intendente, aponta os problemas como a dificuldade no transporte como uma das principais dificuldades enfrentadas para se locomover até o trabalho durante o período do carnaval. “Acho péssimo. O transporte fica horrível; há uma bagunça no trânsito, muita violência e muitos assaltos. Para trabalhar, é assustador, pois moro longe, tornando a locomoção difícil. E, para mim, é ruim ter que saltar longe do local onde trabalho e vir andando. Na volta, também tenho que pegar o ônibus longe. Para quem curte Carnaval pode ser bom, mas para aqueles que trabalham, é complicado”, relatou.

Um vendedor de automóveis, que não quis se identificar, acredita que o evento é uma alternativa para a comunidade local. Contudo, ressalta que a montagem de barracas pode atrapalhar alguns lojistas. “Eu acho que é muito viável essa opção de Carnaval aqui na Intendente, porém o horário atrapalha alguns lojistas, porque há montagem de barracas nas portas. Então, essa opção de Carnaval na Intendente é muito legal para os moradores, para as pessoas que moram aqui próximas”, comentou o profissional.

O gerente de uma loja de venda de automóveis, que já participou do Carnaval no local nos últimos anos, ressalta a grandiosidade do evento, mas reconhece os impactos para o comércio: “É um espetáculo fora de série. Em relação à estrutura do evento foi muito top, pelo menos que eu me lembre. Nas vezes em que curti foi muito legal. Agora, aqui para nós, que trabalhamos com a venda de automóveis, prejudica um pouco porque já na montagem as lojas começam a fechar. É ruim porque o cliente já começa a não ter mais tanto acesso à loja. A maioria do pessoal que trabalha aqui é autônomo, então, querendo ou não, uma hora a conta vai chegar e a gente vai ter que pagar. Financeiramente falando, a gente perde bastante porque fica dez dias fechado aqui, fora essa semana que é a preparação e montagem de Carnaval. Se botar no papel, são vinte dias. Então, assim, são vinte dias em que o nível de venda deve cair bastante. A gente perde e outras pessoas ganham”, ressaltou.

Ainda de acordo com a CET-Rio, estava prevista a implementação de um esquema especial de trânsito para os desfiles das escolas na região e para a montagem e desmontagem das estruturas do evento. Por isso, a estrada ficará parcialmente interditada, no sentido Cascadura, entre a Rua Carlos Xavier e a Rua Capitão Couto Menezes. Para minimizar os impactos, uma faixa reversível é montada na pista sentido Vila Valqueire, desde o último dia 7 até o dia 10 e também nos dias 15 e 16, disponível de 6h às 11h, no sentido Cascadura.

Incertezas e dívidas

No início desta semana, ainda não havia nenhuma estrutura no local, o que gerou um clima de incerteza sobre o evento. Nesta segunda-feira (5), empresários do Carnaval, do Grupo de Avaliação e das séries Prata e Bronze que trabalharam no Carnaval da Intendente Magalhães em 2023, denunciaram que há uma dívida de R$ 3 milhões que não foi paga após um impasse entre a Riotur e a Superliga.

Segundo a Riotur, a montagem das estruturas para os desfiles da Intendente Magalhães segue um cronograma elaborado pela CET-Rio. Em função das interdições de vias importantes para o bairro, a empresa Efata Comércios e Serviços começaria os trabalhos de montagem 24h antes da primeira noite de desfiles, neste domingo.

Os prestadores de serviço que ainda não receberam pela mão de obra afirmaram que "a situação não é justa". "A sensação é de impotência e injustiça”, disse um empresário que preferiu não se identificar.

Procurada pelo DIA, a Riotur informou que não tem qualquer relação com a dívida relacionada aos fornecedores e que a Superliga Carnavalesca do Brasil teria solicitado formalmente à Riotur autorização para assumir a produção e a organização do desfile na Nova Intendente Magalhães e a captação de patrocinadores para custear o evento no Carnaval de 2023.

"Trata-se, portanto, de uma relação entre entes privados: a Super Liga Carnavalesca e os fornecedores contratados por ela para montagem e realização do evento. De toda forma, no Carnaval de 2023, a Prefeitura do Rio manteve o repasse de incentivo cultural de apoio direto às escolas da Série Prata e Bronze. Para o Carnaval de 2024, como não houve o mesmo pedido da Super Liga Carnavalesca em assumir a produção e organização do desfile como no Carnaval anterior, a Riotur seguiu os processos licitatórios como faz anualmente para a realização do evento na Intendente Magalhães", completou o órgão, em nota.

Diante da afirmação da Riotur, a Superliga publicou uma nota oficial em suas redes sociais alegando que, nos desfiles da Intendente Magalhães, toda a estrutura da pista de desfiles, assim como do entorno, sempre estiveram sob a responsabilidade do município do Rio, que atua através da Riotur, CET-Rio, Comlurb e outros órgãos.

"Excepcionalmente, no Carnaval de 2023, diante do deslocamento dos desfiles da Estrada Intendente Magalhães para a Avenida Ernani Cardoso (Nova Intendente), houve um atraso na licitação da infraestrutura da pista e, para não prejudicar os desfiles carnavalescos, optou-se por entregar a infraestrutura à iniciativa privada. Contudo, a empresa responsável acabou não honrando o acordado com os contratados", afirmou a Liga.

A organização ainda destacou que não existe nenhum contrato de cessão de espaço da Riotur com a Superliga, da mesma forma que não existe nenhuma publicação em Diário Oficial autorizando a Superliga a administrar a estrutura do Carnaval, sendo de sua responsabilidade somente a organização dos desfiles, realizados pelas agremiações filiadas.

A liga ainda argumentou que apenas recebeu uma autorização da Riotur para que realizasse captação de recursos com patrocinadores, os quais poderiam exibir sua marca na Avenida. E ressaltou que não existe qualquer documento assinado pela organização que a obrigue ou mesmo conceda o direto de promover a estrutura da Intendente Magalhães, a qual seria de competência da municipalidade.

"Causa bastante estranheza o fato de apenas o Carnaval 2023 ter sido contratado de forma diferenciada dos demais anos, tendo muitas empresas sido indicadas e contratadas pela própria Riotur. Aliás, foi a própria Riotur que indicou a empresa que seria responsável pelo financiamento da estrutura da Avenida (Nova Intendente). O fato da iniciativa privada não honrar com o patrocínio não tira a responsabilidade do órgão público, pois, consoante contratos firmados, a ele compete a montagem da estrutura, como sempre aconteceu durante todos esses anos de desfiles na Intendente Magalhães", completou a nota.