Alcoólicos Anônimos grupo freguesiaDivulgação

É comum ouvir frases como "eu paro quando quiser" ou "eu controlo" após tentativas de ter o comando durante cinco, dez anos ou mais sobre o álcool, por exemplo. No entanto, na realidade, não há hora, lugar ou data específica quando o vício se torna a coisa mais importante da vida de alguém. Nesta terça-feira (20), é celebrado o Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo, data que busca conscientizar a população e destacar a necessidade de adotar medidas preventivas sobre o consumo abusivo de álcool e o uso de drogas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a dependência em drogas lícitas ou ilícitas como uma doença, destacando a complexidade desse fenômeno global. O uso inadequado e o consumo desenfreado de substâncias como álcool, cigarro, crack e cocaína não apenas comprometem a saúde individual, mas também geram consequências significativas em níveis coletivos, problemas sociais e desafios.
O educador físico e supervisor de obras, Cristiano Marques de Oliveira, 37 anos, teve o primeiro contato com bebida alcoólica aos 16 anos. Influenciado por amigos na escola, começou a beber todos os dias. "Eu só tinha olhos para a bebida. Se eu estivesse feliz, eu consumia álcool; se estivesse triste, eu consumia álcool. Ou seja, ela participava em tudo da minha vida. Para fugir da ressaca, eu bebia de novo”, relatou.
Devido a problemas com álcool, ele perdeu emprego, dignidade, e tempo com a filha até que um dia percebeu os danos que comprometeram sua vida e decidiu parar de beber. Fez tratamento pelo CAPS durante três meses. Há oito anos, Cristiano está sóbrio e encontrou no cuidado com a saúde e no exercício físico um novo caminho para trilhar.
"Eu gostava muito de cachaça, de bebida forte, e isso se tornou meu grande vício. Aos 24 anos, tornei-me pai e perdi um bom tempo na criação da minha filha porque eu vivia muito em bares. Aí, acabei perdendo pelo menos 5 anos de presença, de ser aquele pai presente, por conta do álcool. Acabei perdendo o emprego também por conta do álcool. Perdi a dignidade. E, à medida em que você vai perdendo a dignidade, você vai perdendo sua figura. Diferentemente das pessoas que você conhece, familiares e amigos, você vai meio que perdendo o convívio social, porque você fica à mercê do vício, ele te corrói, e você fica cego", contou Cristiano.
Para a psiquiatra e pesquisadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), Olivia Pozzolo, alguns sinais podem ser um alerta: o consumo excessivo e frequente, a incapacidade de controlar o consumo com tentativas repetidas e malsucedidas de reduzir ou parar de beber, ter sintomas de abstinência ou fissura, e o abandono de atividades que geram prazer por conta do consumo de álcool. Ela ainda ressalta que para perceber que o consumo está além do social, é importante observar se a pessoa bebe frequentemente em excesso, sente a necessidade de beber para se sentir bem, e se o álcool está afetando suas relações pessoais, profissionais e sua saúde. E se alguém apresentar esses sinais, o ideal é procurar ajuda médica.
O psiquiatra Paulo Roberto Telles Pires Dias, diretor do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad) da Uerj, destaca que a principal questão no uso de drogas são as consequências.
"As pessoas são diferentes e o que parece prejudicial para uns não é para outros. Algumas culturas convivem com o consumo habitual e não têm consequências ruins deste uso. Para outras pessoas, pequenas doses são gatilhos para um consumo prejudicial. Eu diria que o conceito de dependência poderia ser substituído pelo consumo prejudicial. Neste caso, seriam as pessoas que, apesar das consequências ruins, não conseguem controlar o uso, e diversos fatores podem causar um consumo prejudicial, como os fatores psicológicos ou biológicos do indivíduo, e fatores ambientais", pontuou o psiquiatra.

Ainda de acordo com Pires Dias, as consequências do consumo prejudicial são variadas e podem ser físicas, como, por exemplo, problemas de saúde como cirrose ou câncer, psicológicas como apatia, depressão, ansiedade, ou sociais, como problemas no trabalho, problemas na família, etc.
Já para a jornalista Helena Zanini, 34 anos, que vivia em um contexto social em que o consumo de álcool era frequente e naturalizado, perceber que tinha uma doença não foi algo imediato. Apesar de conseguir manter uma vida social, além do casamento e o trabalho em "ordem", ela tinha uma vida infeliz e sempre esperava pelo fim de semana para poder se divertir e beber.
"Eu não me questionava sobre o consumo porque era o que eu via todo mundo ao meu redor fazendo, parecia natural. Comecei a beber socialmente com 17 anos e gostei da maneira como o álcool parecia anular minha timidez. Com o passar do tempo, fui criando mais resistência e, consequentemente, bebendo mais para sentir os mesmos efeitos. Minhas amizades foram se fortalecendo com aqueles que também gostavam de beber e meus passatempos passaram a girar ao redor da bebida. E eu minimizava as consequências negativas. Tentava encobrir meus apagões de memória, escondia parte do meu consumo, e me incomodava quando alguém tentava me alertar que eu talvez estivesse passando dos limites", contou. 
"Mesmo que os prejuízos do álcool avançassem em silêncio, eu ainda aparentava ter algum controle da minha vida. Conseguia manter as aparências, ainda que, no fundo, eu me sentisse angustiada, solitária, infeliz, com a certeza de que o álcool estava impactando negativamente toda minha vida. Eu morria de vergonha da ideia de assumir que tinha um problema com álcool. Achava que eu tinha culpa por aquela 'fraqueza', que isso significaria que havia algo moralmente errado comigo, que decepcionaria minha família. Então seguia sofrendo calada, fazendo tentativas ineficientes e solitárias de entrar em sobriedade de tempos em tempos", disse a jornalista.
Helena tentou parar de beber diversas vezes, mas só conseguiu em 2020. Ela conta que a virada de chave de sua vida aconteceu em uma manhã de ressaca terrível. "Sofrendo física e psicologicamente as consequências de um fim de semana intenso de consumo alcoólico, me peguei pensando algo como:'Não aguento mais, eu prefiro morrer a continuar vivendo assim'. A partir desse momento, ela começou a pesquisar e estudar sobre o assunto, implementou uma nova rotina e hábitos para superar o vício. Além disso, ela contou com o apoio da família e encontrou no filho uma motivação para viver em sobriedade.
Há pouco mais de três anos, ela está sóbria, e a partir da sua jornada para superar os problemas com o álcool, Helena deu início a uma página nas redes sociais, chamada 'Sobriedade na prática', com informações sobre o tema e dicas práticas de sobriedade.
"A prevenção é possível através da conscientização sobre os riscos do consumo excessivo de álcool, educação sobre limites seguros de consumo, e promoção de estilos de vida saudáveis", pontua Olivia Pozzolo, psiquiatra do CISA.
Já para a subsecretária de Prevenção à Dependência Química no Estado do Rio de Janeiro, Marileia de Paula, a prevenção é muito importante: "É melhor prevenir do que remediar porque a prevenção chega à frente de consequências mais graves que podem acontecer na vida de pessoas que são usuárias de drogas lícitas ou ilícitas. Então, quando se faz uma prevenção, quando se conversa com as pessoas sobre essa pauta, é muito importante, sobretudo no Rio de Janeiro, onde as drogas lícitas são algo cultural. É cultural sentar em uma roda de samba, tomar uma cervejinha ou uma caipirinha. Por exemplo, o uísque é caro, então ele é de difícil acesso. Agora, uma cracudinha, como as pessoas falam, aquela cachaça que custa cinco reais, um real, dois reais, as pessoas têm mais acesso, e é aquele tipo de vício que detona com o ser humano", pontuou.
Suporte, tratamento e diálogo:
Ainda segundo a psiquiatra do CISA, Olivia Pozzolo, para ajudar um dependente, seja um familiar ou conhecido, a melhor abordagem é oferecer suporte e compreensão. Incentivar a busca por ajuda profissional e estar presente durante o processo de recuperação. Além de abordar a situação com empatia e sem julgamentos, respeitando sempre os limites da pessoa.
O superintendente de saúde mental da secretaria municipal de saúde do Rio de Janeiro, Hugo Fagundes, enfatiza que é através do diálogo que se vai conseguir construir com a sociedade outro relacionamento com o consumo de drogas lícitas ou ilícitas, não é a proibição propriamente. É se construir uma ideia de que a droga precisa ser proscrita como um grande mal, como uma coisa que ameaça as pessoas", explicou o especialista.
"Para a família e para os amigos, é sempre muito difícil lidar com isso, mas é fundamental não ter uma posição negativa meramente de apenas censurar o comportamento. Mas é importante que se possa construir um entendimento e mostrar, fazer a pessoa ver o quanto ela está destruindo a vida dela e das pessoas do entorno, suportar a decepção de que, apesar de as coisas estarem indo bem num determinado momento, desanda e a pessoa vai e consome droga de novo ou álcool de novo, se passa por outro processo de intoxicação. Enfim, é a persistência, o cotidiano, é um posicionamento carinhoso, afetivo, o respeito e o diálogo que vão construir formas possíveis de ajudar uma pessoa", acrescentou.
Geralmente, o tratamento é indicado para todas as pessoas que têm um consumo prejudicial e envolve terapia psicológica e medicamentos para reduzir a vontade de beber e prevenir recaídas. Além do suporte de grupos de autoajuda como os Alcoólicos Anônimos. Para o psiquiatra, Paulo Roberto Telles Pires Dias, existem várias formas de tratamento, com maior ou menor chance de darem certo, mas o melhor tratamento é aquele que, de certa forma, a pessoa se identifica e segue.
No Rio, a Prefeitura oferece conta os Centros de Atenção Psicossocial Álcool Outras Drogas (CAPSad), que são unidades especializadas no atendimento de transtornos psíquicos decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas.
- CAPSad Mané Garrincha, localizado na Rua Jurupari 8 – Tijuca
- CAPSad II Centra-Rio - Rua Dona Mariana, 151 – Botafogo
- CAPSad III Miriam Makeba - Rua Professor Lacê, 485 – Ramos
- CAPSad III Dona Ivone Lara - Avenida Ernani Cardoso, 21 – Cascadura
- CAPSad III Paulo Portela - Rua Pirapora, 69, Madureira
Para mais informações sobre as unidades do CAPS, acesse o site: https://saude.prefeitura.rio/saude-mental/caps/