Maior ponte do hemisfério sul e a 23ª no ranking mundial, com 14 km de extensãoCléber Mendes / Agência O Dia

Rio - Há pouco mais de 50 anos, o trajeto entre o Rio de Janeiro e Niterói era feito de duas formas: via um percurso terrestre de mais de 100 km, dando a volta na Baía de Guanabara, ou pelas Barcas. No entanto, no dia 4 de março de 1974, após quatro anos e seis meses de construção, a Ponte Presidente Costa e Silva, conhecida como Rio-Niterói, foi inaugurada, revolucionando a integração das duas cidades de forma rápida e segura. Nesta segunda-feira (4), a obra completa meio século de vida.

A maior ponte do hemisfério sul e a 23ª no ranking mundial, com 14 km de extensão, recebe cerca de 180 mil veículos diariamente. Entre seus 8,83 km sobre a água, fica o Vão Central — o maior em viga reta contínua do mundo, com 300 metros de comprimento e 72 metros de altura —  onde passam as embarcações de grande porte. São toneladas de aço, concreto e estruturas metálicas, que atravessam a paisagem da Baía de Guanabara para reduzir distâncias, unir pessoas e ligar histórias.

Inaugurada em 1974, em meio à Ditadura Militar, pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, que atravessou a obra em um Rolls Royce, a ponte mudou e evoluiu ao longo dessas cinco décadas. Dentre as mudanças, está o projeto dos Atenuadores Dinâmicos Sincronizados (ADS), que reduziu significativamente as oscilações durante fortes ventos, que causavam pânico aos motoristas.

Em 2004, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe - UFRJ) desenvolveu o projeto dos ADS, composto por 32 caixas de aço, de duas toneladas cada, e 192 molas. O sistema, instalado debaixo do Vão Central, funciona como um contrapeso que ameniza as movimentações da estrutura.
Por dentro da ponte

O DIA teve acesso à parte interna da ponte, um local sob a pista dos carros, com 848 metros de extensão, onde ficam os ADS. O caixão metálico foi construído a alguns metros abaixo da via durante a obra, que aconteceu entre 1969 e 1974. Dentro da estrutura, que fica a mais de 50 metros acima do nível do mar, é possível ouvir o barulho e a vibração do tráfego.

A reportagem acompanhou um dos engenheiros responsáveis pela construção. Aos 76 anos, 52 dedicados à Rio-Niterói, o paraibano Carlos Henrique Siqueira, que também faz aniversário no dia 4 de março, explicou o funcionamento dos ADS.
"Eles têm o propósito de eliminar as oscilações verticais muito elevadas, que aconteciam durante ventos entre 58 km/h e 62km/h. As rajadas excitavam a ponte e ocasionavam deflexões verticais de 65 cm para cima e 65 cm para baixo. Ao todo, eram 1,30 metros de oscilação, o que provocava pânico nos usuários. Por isso, optamos pelos ADS. Hoje, quando a ponte é excitada pelo vento, os atenuadores se contrapõem aos movimentos da ação eólica e, assim, a estrutura oscila 5 cm para cima e 5 cm para baixo", detalhou o engenheiro.

Conhecido como o "pai da ponte", Carlos Henrique entrou no seleto grupo dos 200 engenheiros responsáveis pela construção da via, em outubro de 1972. "Me formei na Universidade Federal da Paraíba e vim ao Rio de Janeiro fazer pós-graduação e mestrado para, posteriormente, voltar à minha cidade natal e dar aula na escola de Engenharia. Neste intervalo, me ofereceram a opção de trabalhar nas obras do metrô ou na Ponte Rio-Niterói. Não precisa dizer qual foi a minha escolha, né?", conta Siqueira, orgulhoso.

Um dos engenheiros civis mais respeitados do Brasil, Carlos não economiza elogios ao dimensionar a obra como referência mundial de grandes estruturas. "A Ponte Rio-Niterói é o maior símbolo da engenharia brasileira. No mundo, é umas das maiores referências em termos de manutenção de grandes obras. Já demos palestras em vários países, como Estados Unidos, Canadá, China, Índia, Nigéria, Suíça, Alemanha e Coréia do Sul, para mostrar o que fazemos aqui. Isso justifica o fato da ponte ser referência mundial", enfatiza Carlos.

O DIA também visitou a sala do Centro de Operações, que faz o monitoramento 24 horas por dia da ponte, por imagens geradas pelas 45 câmeras dispostas ao longo dos 14 km. Os funcionários do centro identificam acidentes, carros que precisam de reparo, além de outros problemas resolvidos com a ação de socorro mecânico e médico.

Desde 2015 sendo administrada pela Ecoponte, concessionária do Grupo EcoRodovias, a Ponte Rio-Niterói dispõe de seis ambulâncias, sendo duas com unidades de terapia intensiva (UTIs) tripuladas com médicos e enfermeiros, três de resgate e uma motolância. A frota de serviço mecânico conta com 33 veículos, como guinchos leves, pesados e super pesados, carro-pipa e viaturas de inspeção.
Dia 14 de novembro de 2022: navio bate em seis pilares da ponte

Por volta das 18h daquele 14 de novembro de 2022, uma segunda-feira, o navio São Luiz, que estava ancorado há seis anos na Baía de Guanabara, se desprendeu e colidiu em seis pilares. O acidente ocasionou o fechamento completo da Ponte Rio-Niterói. Carlos Henrique estava em casa quando recebeu o telefonema sobre o incidente. Com o trânsito parado na cidade, a Ecoponte mandou uma lancha pegá-lo e, assim, realizar a vistoria nas estruturas atingidas pela embarcação.

"A ponte foi atingida por um navio que se desgarrou durante uma forte ventania. Momentos depois, eu fui chamado pela Ecoponte e me buscaram de lancha. À noite, quando cheguei para ver os pilares, a ponte já estava fechada, pois não sabia-se o montante do acidente. Mesmo no escuro, mas com grandes holofotes, dei uma olhada nos pilares abalroados e verifiquei que as marcas não eram suficientes para promover o fechamento do tráfego. De toda forma, a faixa mais próxima ao guarda-corpo permaneceu fechada, como eu sugeri. Já as demais, liberei".

O engenheiro continua: "Vale ressaltar que mandar fechar a ponte é uma atitude de extrema responsabilidade. Mas para mandar abrir é preciso muita coragem, determinação, firmeza e segurança. Fiz um exame e diagnóstico muito rápido, em função da minha experiência e da vivência que tenho com situações desta natureza. A ponte já foi abalroada por navio, pelo menos, outras seis vezes. No dia seguinte, durante a manhã, eu vistoriei todos os pilares atingidos, fiz um grande relatório, mas verifiquei que não havia nada potencial que pudesse colocar a ponte em risco. Fizemos um projeto conceitual e um anteprojeto para proteger vários pilares contra situações dessa natureza", afirma Siqueira.
Três perguntas - Carlos Henrique Siqueira, engenheiro
O que são as 'rachaduras' pela pista da ponte?

Essas fendas de dilatação são aberturas propositadamente deixadas no projeto, para que a estrutura se movimente. O concreto se dilata e se contrai: quando a temperatura aumenta o concreto se dilata, e quando a temperatura diminui o concreto se contrai. Essa movimentação tem que ser absorvida por uma região estrutural que esteja livre. Por isso, essas fendas pela pista da ponte são deixadas propositadamente.

É normal quando a ponte balança?

A ponte balança e isso é natural. A passagem das cargas móveis movimenta e influencia no comportamento estrutural. Se a ponte não se movesse, alguma coisa estaria errada. Então, ela treme, balança e isso é perfeitamente comum. É a resposta que a estrutura dá à passagem dos veículos.

Durante a construção, quais foram os maiores desafios estruturais?

Nossas maiores dificuldades foram as fundações profundas, onde chegamos na rocha a 60 metros abaixo do nível do mar, além da concretagem submersa. Outro desafio foi a montagem dos caixões metálicos que, à época, era a maior montagem de estruturas similares do mundo.
História e visita da Rainha Elizabeth II às obras

No dia 4 de março de 1876, por meio do decreto 6138, o imperador Dom Pedro II vislumbrou uma obra que ligasse a "capital do Império" à "Cidade de Nictheroy". "Atendendo ao que me requereu Hamilton Lindsay-Bucknall, hei por bem conceder-lhe privilégio por 'cincoenta' anos, para a construção, uso e gozo, de um túnel submarino servido por uma estrada de ferro que comunique a capital do Império com a Cidade de Nictheroy, na província do Rio de Janeiro", comunicou o documento do imperador, à época.

Depois de quase 100 anos, o presidente Médici, João Figueiredo e o Ministro dos Transportes, Mário Andreazza, idealizador da ponte, fizeram a travessia inaugural da via. A decisão de construir a ligação entre as duas cidades aconteceu em 1966, após o decreto de Dom Pedro II ser descartado. O projeto foi viabilizado economicamente por meio de um financiamento inglês de aproximadamente US$ 20 milhões, durante a gestão do presidente Costa e Silva. Por isso, a rainha Elizabeth II esteve no Brasil e visitou o início das obras.

A construção durou quatro anos e seis meses e empregou mais de 10 mil operários liderados por cerca de 200 engenheiros, incluindo Carlos Henrique Siqueira. Quando construída, a ponte ocupava o 3º lugar no ranking de maiores pontes do mundo. No total, a construção custou US$ 674 milhões, sendo composta por 1.152 mil vigas, 43 mil cabos, 3.250 mil aduelas de concreto, 1.138 mil tubulões no mar e 103 conjuntos de blocos-pilares.

Muitos relatos circundam a história da construção, principalmente sobre a morte dos operários que trabalhavam nas obras. "Morreram 40 funcionários. Em um único acidente, envolvendo uma plataforma flutuante, tiveram 8 óbitos, sendo três engenheiros. Foi muito triste", relembra Siqueira.

Além dos desafios técnicos, a obra enfrentou dificuldades financeiras e chegou a ficar paralisada durante seis meses. Sob críticas de viabilidade econômica e social, as construções continuaram e a Ponte Rio-Niterói se tornou um símbolo estrutural e marco na história brasileira. Considerada uma das mais imponentes do Brasil, a ponte possui a maior estrutura protendida (técnica utilizada para aumentar a resistência do concreto) das Américas, com mais de 2.150 mil quilômetros de cabos no seu interior.

Em 2009, após estudos de segurança viária, a ponte teve um reordenamento de faixa, passando de três para quatro e aumentando a capacidade operacional da via. Em 2016, já sob administração da Ecoponte, a praça de pedágio foi ampliada e foram realizadas melhorias, como a instalação da iluminação de LED e das lamelas antiofuscantes, sistema para eliminar o ofuscamento durante a noite causado pelos faróis de carros.

Para Siqueira, a Ponte Rio-Niterói simboliza um marco na sua carreira profissional. "[A ponte] representa o que há de mais sublime e importante na minha carreira. Ao longo desses 52 anos que trabalho nela, realizei diversas consultorias, inclusive internacionais. A Ponte Rio-Niterói faz parte da minha vida para sempre. Jamais imaginaria que pudesse estar nela até hoje. Tenho quatro filhos homens e a ponte é a filha que não tive. Uma obra que engrandece a engenharia brasileira", completa.

"Naquela época, não havia a cultura de vistoria de ponte no Brasil. Então, eu pensava: 'quando acabar a construção, eu vou embora'. Mas não foi o que aconteceu. Ela é referência mundial. Quando dou palestra no exterior, todos ficam admirados. Temos problemas, mas sabemos monitorá-los e repará-los nos momentos certos. Temos o controle da obra na nossa mão. No Brasil, a ponte é incomparável. No mundo, somos conhecidos pelo nível de qualidade para manter nossas estruturas. Ela ainda vai durar mais 100, 150, 200 anos", finaliza Carlos Henrique.
*Reportagem do estagiário Leonardo Marchetti, sob supervisão de Thiago Antunes