Márcio Santos acredita que a criatividade na locução vem com a experiência Cleber Mendes/Agência O Dia

Uma das principais dúvidas dos profissionais da atualidade diante da rápida evolução tecnológica, que, paradoxalmente, facilita tarefas, é o medo de perder o emprego para a Inteligência Artificial (IA) e os impactos que a tecnologia pode ter nas atividades profissionais. Apesar dessa inquietação, algumas profissões permanecem resilientes diante da revolução tecnológica, resguardadas por habilidades e competências intrínsecas que ainda escapam à reprodução por máquinas, como a criatividade, a empatia e a adaptação a contextos sociais e resolução de problemas.
O locutor de mercado, Márcio Santos, apaixonado pela profissão e já com 28 anos de experiência, admitiu já ter tido medo que as inovações tecnológicas pudessem impactar seu trabalho. No entanto, para ele, o carisma e a interação com o público são essenciais no atendimento ao público, e a criatividade vem com a experiência.
“Ao longo dos anos, tenho me aprimorado, sou uma pessoa muito observadora e, sempre que possível, acompanho o trabalho de outras pessoas fora do mercado de locução e absorvo algumas técnicas que coloco em prática no mercado. Quando estou trabalhando, já aviso em casa para não me ligarem, não contarem problemas. É um trabalho sério; quando estou na locução, não posso ficar pensando em morte, atropelamento, conta para pagar. É uma higiene mental muito grande. Tenho que estar com a mente limpa, senão as ideias não fluem para fazer a locução e anunciar os produtos”, contou Márcio.
Ele, além de atrair a curiosidade dos clientes ao anunciar as ofertas, preços e promoções, também tira dúvidas relacionadas às carnes suína ou bovina, sobre quantidade e peso das carnes, ajuda os clientes a pesar na balança se for preciso e está sempre atento às necessidades de cada um.
Márcio acredita que, mesmo com o avanço tecnológico, o contato presencial e ter a confiança dos clientes é o que faz o trabalho acontecer: “A tecnologia está avançando cada vez mais, a gente pode observar; a tecnologia tem influenciado principalmente também no mercado de trabalho. A pessoa pode fazer suas compras através do telefone ou por aplicativo, e elas têm toda a sua mercadoria em casa. Quando isso surgiu, tivemos até uma cisma de que seria possível apresentar os preços dos produtos sem estar dentro da loja, mas na minha concepção o presencial é fundamental, estar de frente com o cliente, aquele ‘cara e crachá’, porque o cliente ele se sente mais seguro dentro do mercado e até sentem falta quando o locutor não está. Eu já tive medo, confesso, mas mediante a experiência que a gente já tem no mercado há bastante tempo, a gente sabe que é fundamental a importância de um locutor dentro da loja para poder fazer esse trabalho”, comentou Márcio.
A gastrônoma Isabela Alves usa da criatividade para diversificar as criações culinárias, como a pizza de brownie e lasanha de brownie na confeitaria "Isabela Alves Chefe de Patisserie" Ela decidiu testar as habilidades na cozinha após voltar de uma viagem à Argentina e a partir disso começou a vender cupcakes, palha italiana e docinhos diariamente na escola. Desde então, seguiu criando receitas próprias, se especializando e os negócios na confeitaria foram ganhando rumo. Para a confeiteira, a dica em meio às mudanças e até as novas tecnologias, como a IA, está em se reinventar e se arriscar.
“A tecnologia está longe de ser uma ameaça; tornou-se uma aliada, simplificando tarefas sem substituir a essência do meu trabalho artesanal. Tem os equipamentos que acabam agregando, como por exemplo uma panela mexedora de brigadeiro que pode até substituir meu trabalho de fazer o brigadeiro, mas pra ela fazer eu preciso botar o leite condensado ali, o creme de leite, então acaba virando mais uma aliada minha do que me substituindo”, disse.
“Além disso, eu acho que o atendimento humanizado, ter esse contato direto com a pessoa, se comunicar com a pessoa e não falar com uma máquina, eu acho que isso é o que mais une, cria um elo com o cliente. Também o carinho que põe no preparo das coisas também são características que a tecnologia não tem como nós, como seres humanos, que temos sentimentos, o carinho, o afeto, depositado no produto, na preparação daquilo, no atendimento. Além disso, eu sinto que o meu trabalho soma em uma data especial e em fazer da comemoração de um dia especial das pessoas seja com um bolo, com um docinho, assim, com uma sobremesa no Natal, Páscoa, aniversários, confraternizações, alguma conquista, de repente”, acrescentou a confeiteira.
Já a neuropsicóloga Amanda Bastos, sempre se interessou pela psicologia desde a infância e seguiu na profissão após enfrentar diversos desafios durante o tempo de formação com longas jornadas de trem para chegar à faculdade, cansaço e esforço emocional. Segundo ela, a psicologia é crucial devido à capacidade de proporcionar um olhar livre de julgamentos para o outro, baseado em acolhimento e compreensão das diferenças individuais. Em tempos difíceis, com aumento de transtornos de humor e isolamento, a psicologia desempenha um papel fundamental, promovendo a conexão entre as almas durante os atendimentos.
“A tecnologia é uma aliada no processo terapêutico. Embora a inteligência artificial evolua, ainda não possui a capacidade de compreender plenamente a teoria da mente, empatia e compaixão, essenciais para profissionais de saúde mental. A psicologia é vista como uma profissão do futuro, necessária para entender as mudanças sociais e preservar a humanidade no mundo moderno”, pontuou a psicóloga.
De acordo com a professora de Mercado de Trabalho e Recrutamento da pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Karen Mascarenhas, enfatiza que a IA, ao ser vista como uma ferramenta, complementa as atividades humanas.
“Assim como a internet quando entrou no mercado também afetou de forma significativa a forma de se fazer negócios e as pessoas pensavam que o mundo ia mudar completamente, a inteligência artificial é um passo além, e realmente ela impacta o mercado de trabalho, principalmente funções mais operacionais, como manufatura ou serviços de atendimento a cliente”, exemplificou a professora.
Segundo a especialista, a automação proporcionada pela Inteligência Artificial já alterou significativamente tarefas cotidianas, como parte dos atendimentos e ligações telefônicas. No entanto, ela destaca a resistência humana a ser atendida por máquinas, especialmente em situações mais complexas.
“Não dá pra gente dizer que substitui plenamente. Na verdade, a inteligência artificial como uma ferramenta complementa muito as atividades humanas, porque eles otimizam em termos que poder trazer rapidamente informações disponíveis sobre um tema específico e que são públicos, tem uma alta capacidade de síntese e uma velocidade muito grande em produzir essas informações, o que leva alguém a ser muito produtivo no seu trabalho, contribui com os relatórios, funções também como a tradução, que é algo que ser feita rapidamente e facilmente, mas você não pode deixar de revisar e ver se aquilo da forma como está traduzido e com sentido. Então a gente tem que continuar com o nosso olhar humano nesse sentido”, enfatizou Mascarenhas.
Para ela, o desafio está em tornar-se dependente dessa tecnologia para poder fazer as coisas e na regulamentação abrangendo questões como propriedade intelectual, respeito e enfrentamento das fake news para garantir um mercado de trabalho equilibrado e ético. A professora salienta que é importante que o profissional aprenda a usá-las como uma complementação sem deixar de usar o seu raciocínio e a sua capacidade para entender quais são os dados mais significativos, as informações que vão fazer mais sentido e ter a inteligência artificial como uma complementação e não como uma forma específica de apostar de que todo o conhecimento venha por ali”, pontuou.