Glória tem como missão de ressignificar a longevidadeReprodução

"Você não tem mais idade para isso" ou "você não parece ter essa idade" são frases comumente ditas, mas que refletem o etarismo, definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como os "estereótipos, preconceitos e discriminação direcionados às pessoas com base na idade que têm". Recentemente, o assunto repercutiu nas redes sociais após a apresentadora Sabrina Sato, de 43 anos, ser vítima de etarismo ao assumir publicamente o relacionamento com o ator Nicolas Prattes, de 26 anos - os dois têm uma diferença de 17 anos.
Rugas, cabelos brancos, linhas de expressão mais marcadas no rosto podem se transformar em uma preocupação que vai além da aparência. Segundo a professora Heloísa Gonçalves Ferreira, do Departamento de Cognição e Desenvolvimento da Uerj, as pessoas apresentam preconceitos em relação à idade e relacionam estereótipos negativos ao fato de envelhecer.
"A velhice ainda é associada à doença, incapacidade e perdas e, desta forma, ao evidenciar uma idade avançada, a pessoa sente que será julgada negativamente e, por isso, acaba por esconder ou disfarçar a idade. No entanto, atitudes como essa reforçam ainda mais o etarismo já existente. Desconsidera-se que envelhecer é um processo natural e extremamente heterogêneo e que, ao envelhecer, a pessoa passa por mudanças físicas, cognitivas e psicossociais que são esperadas, mas que não necessariamente limitam a vida da pessoa. Ao contrário, há muitas pessoas idosas que contribuem ativamente para suas famílias e para a sociedade, mantêm-se ativas e realizam projetos que não tiveram oportunidade de realizar quando eram mais jovens. Ou seja, a velhice traz a oportunidade de realizações e ressignificações para a vida da pessoa", explica a profissional.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas com 65 anos ou mais cresceu 57,4% entre 2010 e 2022. Atualmente, a cada 100 brasileiros, 11 já ultrapassaram a marca dos 65 anos e aproximadamente metade da população brasileira tem 35 anos ou mais.
'Fiquei chocada com as reações'
Os estereótipos associados à idade abrangem questões relacionadas à saúde, capacidade e empenho, fragilidade, entre outros aspectos, e persistem em diversos setores da sociedade, como no mercado de trabalho e nos relacionamentos, afetando negativamente a vida dos idosos.
Após trabalhar mais de 20 anos com negociação e vendas na aviação civil, a economista e coach com foco em transição de vida e carreira Glória Marra, de 55 anos, resolveu fazer uma transição de carreira aos 50 anos e se deparou com o preconceito.
"Quando me demiti e retornei para a França, quis me voltar para o marketing. Sempre gostei e, mais do que isso, precisava de novos projetos. Qual não foi minha surpresa quando começaram a me dizer que, na minha idade, não conseguiria me reinventar. Que já teria que dar graças a Deus se conseguisse me recolocar. No primeiro momento, fiquei chocada com as reações e realmente não entendia por que não poderia mudar e me reorientar, ainda mais levando em consideração o fato de ter que trabalhar pelo menos mais 15 anos antes de pensar em aposentadoria. Achei paradoxal ser considerada velha para trabalhar e nova para me aposentar", conta Glória.
A partir desse momento, ela entendeu que o problema era uma questão atual e que muitas outras mulheres deveriam estar passando pelas mesmas situações e sofrendo isoladas. Então, abandonou a ideia de seguir para o marketing e decidiu se dedicar a formações de coaching, PNL, comunicação não violenta e a acompanhar mulheres essencialmente, mas também homens, em suas reconversões profissionais e transições de vida.
Glória, que assumiu como missão ressignificar a longevidade, assumiu também os fios brancos. Ela pintava o cabelo desde os 22 anos e nunca imaginou tal mudança. "Tinha muito preconceito. Quando vi outras mulheres deixando, fiquei imaginando como seria. Afinal, já tinha passado pelo ruivo, chocolate, louro e por que não o branco? Até esse momento, era um objetivo sempre parecer mais jovem; isso era muito importante. Mas entendi que querer parecer mais nova seria uma fonte de infelicidade eterna, pois sempre, absolutamente sempre estaria buscando algo que já não tinha! E que a motivação a partir de agora para viver bem minha longevidade seria ficar bem na minha idade e assumindo cada ano que já passou com plenitude", destaca.
Para ela, é preciso tirar esse estigma negativo da maturidade. "Envelhecer é um privilégio! E eu quero viver ainda muitos anos com energia, saúde, autonomia, inspirando e acompanhando quem estiver disposto a vir comigo!", enfatiza.
'Envelhecer é um processo natural'
O preconceito pela idade está presente em diversos contextos, podendo se manifestar de forma mais ou menos velada. "Infelizmente, ainda se acredita que ser uma pessoa idosa é sinônimo de ser frágil, incapaz e doente, o que favorece a exclusão e isolamento dessas pessoas, que, por sua vez, deixam de ocupar diversos espaços. Ao deixar de ocupar esses espaços, essa população passa a ficar invisível e suas necessidades não são consideradas. De fato, a idade é um fator de risco para o desenvolvimento de doenças, mas o diagnóstico de doença não é atestado de incapacidade. Há muitas formas de adaptar e organizar os ambientes para que as pessoas idosas possam estar incluídas e integradas, quando este for o caso, mas pouco ainda é feito nesse sentido. Da mesma forma, nem toda pessoa idosa tem de lidar com algum diagnóstico, mas ainda assim, por conta de estereótipos negativos, essa pessoa pode acreditar que não pode ou não tem o direito de fazer alguma coisa que deseja ou de estar onde gostaria por medo de ser alvo de preconceito em função de sua idade", afirma a professora.
Ela ainda ressalta que as mulheres tendem a sofrer maior preconceito pela idade, por já estarem mais propensas a sofrerem pressões sobre padrões estéticos ao longo da vida toda. "Não é incomum que a mulher seja julgada negativamente quando exibe um corpo velho ou quando se relaciona com um parceiro mais novo. Envelhecer é um processo natural e não deveria ser visto como algo indesejável. O que precisa mudar são as atitudes violentas das pessoas frente às diversas formas de ser e de existir do ser humano, ao longo da vida toda, incluindo a velhice. Então, é um trabalho educativo complexo e amplo que precisa abranger as pessoas de todas as idades e em inúmeros contextos", salienta a pesquisadora.
Políticas públicas com ações educativas para toda a sociedade
Ainda de acordo com Heloísa, há muitas ações que podem favorecer a desconstrução de crenças e atitudes etaristas, como a educação para o envelhecimento. A promoção de relações intergeracionais também é essencial, pois ao conviver com pessoas de outras gerações, há aprendizados e diversas trocas que podem beneficiar todos. É importante ainda ter políticas para educação continuada e valorização do conhecimento adquirido pelos trabalhadores seniores, além de uma cultura organizacional que promova relações intergeracionais saudáveis e satisfatórias. Ela também destaca que é fundamental ter políticas públicas que considerem ações educativas para toda a sociedade.