Walcir Choque é apaixonado pela dança desde a infância Pedro Vieira

Ao som da batida do funk, quebrando de ladinho e 'rabiscando' o chão, o Passinho, a marca registrada das favelas cariocas, conquistou o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio. O Governo do Rio sancionou a lei na última sexta-feira (15), projeto de autoria da deputada estadual Verônica Lima (PT).

A dança urbana teve início nos bailes funk nos anos 2000. Inicialmente, os dançarinos exibiam suas habilidades em rodas, competindo em duelos e batalhas. Um jovem realizava seus movimentos, outro observava e repetia os movimentos para aprimorar, dando início a uma cultura de competição e superação que impulsionou a popularização do estilo. Já em 2008, a dança começou a ser disseminada na internet através de vídeos de dançarinos que se espalharam rapidamente e começaram a inspirar mais jovens a rabiscar o chão e criar novos passos.

Desde 2018, a expressão artística já era reconhecida como patrimônio cultural da cidade do Rio, através da sanção do projeto de lei da vereadora Verônica Costa.
Cenário de grandes potências

A partir de uma exposição fotográfica sobre o passinho e em seguida algumas apresentações de dança, nasceu a companhia de dança Passinho Carioca, que promove eventos, oficinas e espetáculos para os jovens.

O projeto artístico já esteve no palco do Theatro Municipal do Rio, no Rock In Rio e em diversas escolas da cidade promovendo a cultura através do passinho e revelando jovens potências do mundo da dança como Walcir Choque, Daniel Ritmado e Naira Costa.

O coreógrafo Walcir Choque despertou o fascínio pela dança desde a infância assistindo a DVDs do Michael Jackson e começou a reproduzir os movimentos do artista e desde então não parou de dançar. Até que, aos 14 anos, conheceu o passinho pela internet e posteriormente começou a participar de projetos artísticos e tornou-se professor do ritmo no "Passinho Carioca".

"O que mais me contagia é ver que o passinho é uma dança para todas as idades e ver a alegria das crianças e dos adultos dançando conosco nas oficinas, é muito bom".

Walcir conta que uma das memórias e oportunidades que a dança lhe proporcionou foi fazer parte do Ballet da artista Gabz, junto com o grupo Passinho Carioca, no Rock in Rio 2019, e descreveu: "foi inesquecível, sem dúvida". Além de ensinar os movimentos, atualmente o profissional faz parte do Ballet do Kevin o Chris.

O dançarino Daniel Rocha, conhecido como Daniel Ritmado, de 21 anos, apaixonou-se pelo passinho ao chegar em uma quadra e se deparar com os movimentos, o ritmo e a alegria durante uma batalha na comunidade de Parada de Lucas, na Zona Norte do Rio.

"Coloquei em minha cabeça que era aquilo que queria para minha vida", contou o jovem.

Ritmado conheceu mais do mundo da dança na Companhia Passinho Carioca, aprendeu a se portar como dançarino, as técnicas e aprimorou os movimentos. Em 2016, ele dançou nas aberturas das Olimpíadas.

"A dança para mim representa tudo que habita em mim, meus sentimentos, meus pensamentos, minha paz e foi onde eu me encontrei e me tornei uma pessoa melhor e mais focada. Meu maior sonho é poder me sustentar dançando passinho, isso é o que mais almejo, e sei que se eu correr atrás, vou conquistar", disse motivado.

Foi nas batalhas e nos duelos realizados no entorno do shopping de Guadalupe e Madureira que a jovem Naira Costa, 23 anos, conheceu a dança em 2015. "Era uma febre. Todo mundo queria conhecer e queria estar junto", lembrou.

Para ela, a dança e o funk representam potência, a favela e a cultura de onde ela vem. "A dança e o funk para mim têm uma responsabilidade e um significado muito grande na minha vida, onde a dança e o funk me salvaram. A dança hoje traz o meu alimento para minha casa, eu vivo da dança, eu vivo do funk", contou a dançarina.

Para o diretor e idealizador da companhia, a dança tem sido um instrumento transformador na vida de muitos jovens: "até aqueles que nem gostavam de dançar e hoje estão alcançando lugares que mudam sua visão de vida. O funk é o início de tudo, isso faz parte de nossas vidas, temos no funk fonte de renda, conhecimento, entretenimento e muito mais. Funk é resistência", disse o diretor e idealizador do coletivo, Thiago de Paula.

"Ter o reconhecimento e a lei faz diferença e nos dá acesso a lugares onde não pensávamos em ocupar. A favela é um cenário de grandes potências, e são essas histórias que precisamos contar, para que outros jovens tenham referências nessa construção do mundo em que vivemos", acrescentou o diretor da Companhia.
Estilo e movimentos
O movimento mistura elementos de break e funk com ritmos como o samba, frevo e capoeira. Uma das principais características é que os dançarinos podem improvisar conforme a música e também colocar uma marca pessoal, criando e reinventando.
Para Tamiris Coutinho, pesquisadora do Trap no Rio vinculada ao Laboratório de Pesquisa em Culturas Urbanas e Tecnologias (Labcult) da UFF e escritora do livro "Cai de Boca", o passinho tem uma representatividade que abarca o estilo de vida do carioca.
"É na rua que as coisas acontecem e começam a se desenvolver a partir das festas, a partir dos bailes. Então, a dança que ela representa, e aqui a gente falando de passinho, ele representa muito isso, de como o movimento funk acontece na rua e pelas pessoas. Quando a gente vai falar de passinho, o próprio estilo da dança que mistura diversos aspectos de outros tipos de dança, como frevo, aspectos do hip-hop, aspectos da dança contemporânea, urbana, vamos dizer assim, como um todo. Então, é uma representatividade que vai abarcar o estilo de vida mesmo do carioca. Principalmente quando a gente vai falar do funkeiro carioca, que é essa questão que envolve também o funk, que é essa questão da ousadia, da descontração, da liberdade. E, sobretudo, quando a gente vai falar de muitos dançarinos do passinho, por exemplo, que gostam de dançar descalços, de sentir o pé no chão, de sentir a energia da terra, uma coisa que tem também a ver com o quesito de ancestralidade, a questão de dançar em roda. Então, eu acho que tudo isso acaba caminhando para essa representatividade do Rio de Janeiro.
"O passinho está sempre se reinventando e puxando coisas do dia a dia, coisas de outros gêneros musicais, e ainda que ele tenha uma estrutura bem sólida. Mas também o que é intrínseco ali do passinho é essa mobilidade, a liberdade de poder usar os braços, usar as pernas. Aqui no Rio de Janeiro a gente tem visto muito agora esse sapateado de cria, com a galera dançando e fazendo aquele barulho bem específico do seu lado da sandália batendo no asfalto e tal, então isso é uma outra movimentação que tem influenciado ali o cenário do funk", comentou Tamiris.
Valorização e reconhecimento
De acordo com a deputada estadual Verônica Lima, a motivação para a autoria do PL surgiu a partir da percepção de que essa manifestação cultural periférica vem crescendo no Estado. Para ela, a aprovação abre espaço para a valorização: "Nossa vontade não é institucionalizar, mas sim valorizar e reconhecer uma prática, uma manifestação cultural popular da periferia, que é muito importante. A partir disso, colocamos na agenda cultural do Estado, a dança do passinho. Então, esse reconhecimento e essa valorização, certamente, são muito importantes para nossa juventude, para aqueles e para aquelas que gostam do funk e da manifestação cultural da dança do passinho", explicou a autora do PL.

Além disso, a parlamentar apresentou ao legislativo outros projetos vinculados à dança do passinho, como um projeto de lei para marcar no calendário do estado do Rio a data comemorativa e uma iniciativa de fomento.

"A gente compreende que todas as manifestações culturais precisam, de alguma maneira, ser valorizadas e reconhecidas pelo estado. Então, diferentemente de outras oportunidades, agora, sobretudo por conta da Lei Paulo Gustavo e da Lei Aldir Blanc, a gente tem mais recursos. Assim como também o fato de ter sido votada a Lei Federal que institui o Sistema Nacional de Cultura. Então, tudo isso valoriza e vai exigindo de nós, legisladores, que a gente produza legislação de fomento para garantir essas políticas públicas como política de estado", enfatizou a parlamentar.

"É uma forma que a gente tem, um instrumento que a gente tem de ganhar a nossa juventude para coisas boas, para coisas positivas, e a cultura certamente é uma delas. E que bom que a gente está vendo jovens saudáveis, né, que gostam da cultura, que gostam de dançar e que veem na dança do passinho, às vezes até uma oportunidade", acrescentou.