Ato reuniu políticos e movimentos sociais no Centro do RioRenan Areias / Agência O Dia

Rio - Um ato na Rua da Relação, no Centro do Rio, nesta segunda-feira (1), marcou os 60 anos do golpe militar no Brasil e serviu para resgatar a memória das vítimas da ditadura, defendendo o regime democrático no país. O evento contou com a participação de diversos movimentos sociais e políticos e também fez referências à Marielle Franco. 
O ato começou por volta das 15h e, após discursos de vários políticos e líderes de movimentos sociais, o grupo caminhou até o prédio da Faculdade Nacional de Direito (FND), onde ocorreu a cerimônia de entrega das medalhas Chico Mendes de Resistência, oferecidas pelo Grupo Tortura Nunca Mais.
Ao DIA, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), que esteve presente no evento, falou sobre a importância de recordar os momentos vividos durante o período ditatorial com objetivo de reforçar a democracia.
"Quando a gente recupera a memória depois de 60 anos, muitas gerações foram entorpecidas nesse processo, que a escola não fala da história oficial, o currículo não fala da história oficial, ninguém fala, então algumas gerações não conheceram os detalhes do que aconteceu. Essa visão de intervenção militar, uma nova ditadura, ainda tem base na sociedade, mesmo com todas as barbaridades que foram cometidas contra o povo e contra o país. Todo país que passou por isso busca recuperar o histórico e os dados para que as pessoas tomem consciência de que isso não pode mais acontecer. Ter um museu é para que as pessoas conheçam a história e incorporem o sentimento democrático de liberdade", explicou.
Perguntada sobre a expectativa por um maior apoio do presidente Lula (PT) ao ato, a parlamentar afirmou que prefere julgar o petista pelo seu histórico e não apenas por um dia isolado. Além disso, ressaltou a atuação do presidente em prol da democracia.
"Como Lula é um democrata, as pessoas esperavam que ele demarcasse esse momento com força. Ele resolveu tirar o governo disso, nesta data apenas, mas não desautorizou a fazer tudo que ia fazer: desapropriar a Casa da Morte, fazer o museu em São Paulo… A gente não pode julgar uma pessoa por uma atitude, temos que julgar pela história dela. Lula tem uma história em defesa da democracia, inclusive agora no dia 8. Ele foi um preso político", comentou.
A deputada estadual Dani Balbi (PCdoB), que não esteve no evento, ressaltou a importância de se criar um museu no prédio que abrigou o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) nos anos de chumbo. O espaço passaria a ser chamado de Museu Estadual da Memória e da Verdade. O projeto tramita na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) desde o ano passado. "Todo ano nós 'descomemoramos' a ditadura militar. É um ato importante para que nunca esqueçamos tudo o que aconteceu. Mas ter o Museu Estadual da Memória e da Verdade seria um marco para a história do país", explicou.
O economista Carlos Henrique Tibiriçá, militante histórico do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), marcou presença no ato e contou sobre quando foi preso. “A assembleia de estudantes no Rio estava denunciando a ditadura em manifestações seguidamente. Com o assassinato de Edson Luiz Lima Souto, dia 28 de março de 1968, me lembro que a missa de sétimo dia foi duramente reprimida. Depois disso, teve uma quarta-feira em junho de confronto intenso e, no dia seguinte, nós fomos cercados o dia inteiro. Pela noite, metade da assembleia conseguiu fugir e a outra metade foi presa. Eu fui um desses que foi preso e vim parar no prédio do antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)”, relatou.
Rafael Maul, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, destacou que a memória também cumpre o papel de estancar problemas da sociedade atual que carregam traços da ditadura militar.
"O ato de hoje é fundamental para pensar a memória do país, mas principalmente que a gente pense numa memória ativa, uma memória que de fato possa produzir transformações significativas, que não fique só numa questão de passado. Não há memória que não deva ser levantada, muito pelo contrário. Qualquer memória apagada só contribui para a gente manter as piores coisas que temos na nossa sociedade. Nossa memória ainda é muito parcializada, não olha para vários grupos sociais que foram atingidos pela ditadura e por outros processos de violência do Estado no Brasil. Uma memória mais ampliada vai contribuir para que as coisas que acontecessem hoje possam deixar de acontecer. A tortura existe hoje, a violência de Estado existe hoje, a segregação, o racismo", ressaltou Maul.
Por fim, a liderança indígena Ana Kariri criticou o comitê de organização do ato por não ter sido previamente convidada para falar até pedir um espaço. Em seu discurso, ela relembrou que o "Rio de Janeiro é terra indígena".
Na FND, os homenageados foram a campanha Boycott, Divestment, Sanctions & Stop the Wall; Gonzaguinha (in memoriam); Histórias Desobedientes (Argentina); Leonel Moura Brizola (in memoriam); Maria Criseide da Silva e Wellington Marcelino Romana; Norberto Nehring (in memoriam); Pastor Mozart Noronha; Quilombolas do Sapê do Norte (ES); e Ranúsia Alves Rodrigues (in memoriam).
*Reportagem da estagiária Giovanna Machado, sob supervisão de Thiago Antunes