Galinha Amélia foi eternizada em mural no bairro de LaranjeirasReprodução/Odylo Falcão

Rio - A Rua Cardoso Júnior, no bairro das Laranjeiras, na Zona Sul, vai inaugurar um mural para sua mascoste não oficial. O Cantinho da Amélia será lançado nesta sexta-feira (17) e vai homenagear a galinha que fez a alegria de moradores e frequentadores da região. O animal, que se tornou de estimação, vivia no local há cerca de três anos, até que foi roubado em fevereiro, e nunca mais visto pelos amigos do bairro. 
Era madrugada de 11 de abril de 2021, quando uma galinha caipira de raça apareceu em cima do muro de uma casa na Rua Cardoso Júnior. A aposentada Irene Coelho, de 70 anos, conta que o animal se mexia muito e, inicialmente, acreditou se tratar de um bebê abandonado. Até que ela começou a cantar alto e não deixava a entrada da casa de seu irmão mais velho, que havia morrido em janeiro daquele ano. "A gente até brincou: 'será que nosso irmão veio disfarçado de galinha?", relatou.
Irene lembra que de início, relutou em adotar a galinha, por acreditar que não havia um lugar adequado para que ela vivesse e chegou a procurar por um possível dono, mas ninguém foi encontrado. A aposentada então adaptou espaços em sua casa e o animal foi batizado por sua sobrinha como Amélia Carolina, mas somente Amélia para os íntimos. Começava ali uma história de quase três anos de amizade, não só da família, mas de todo o bairro.
"Eu nunca imaginei que fosse acontecer tanta coisa por causa dessa galinha. Eu falo que muitas vezes Jesus manda anjos disfarçados de animais, porque ninguém aqui se falava, todo mundo sempre correndo e, quando ela apareceu aqui, as pessoas começaram a parar, a conversar umas com as outras, interagir umas com as outras, as crianças a brincar com ela. Era uma galinha muito inteligente, as pessoas mexiam e ela fazia "cococó", como se tivesse entendendo alguma coisa. Nos deu muita alegria", afirmou Irene.
A rotina de Amélia era ficar na rua das 5h às 18h, interagindo com as pessoas que passavam pelo local. "Eu tinha certeza que ela ia morrer atropelada, porque ela não saía da rua, mas as pessoas respeitavam e chamavam: "Amélia, sai da rua", disse Irene. Além disso, a galinha também fazia a segurança da região, já que cacarejava alto em qualquer movimentação diferente. Ela ainda presenteava os moradores com seus ovos que tinham coloração azul. 
"Eu nunca quis ter bicho porque eu sei o sofrimento que é, porque você se acostuma, depois não tem mais, quando viajar, como vai ser? Quando fui para Portugal, ficaram três famílias tomando conta", afirmou a aposentada. "De vez em quando, eu fico olhando as fotos, os vídeos dela. Uma vez fui cantar parabéns para um amigo e falei: Amélia, vamos cantar parabéns?" e ela ficou "cococó". Com o tempo, a gente começa a entender a linguagem dos bichos", brincou. 
Se os adultos se encantaram com Amélia, as crianças eram suas melhores amigas. Segundo Irene, uma menina de 5 anos ficou muito apegada e chegou a chorar e se recusar a comer um frango assado feito pela avó, acreditando que o bichinho havia sido morto. Uma outra relatou à aposentada que no dia do desaparecimento, um passarinho parecido com a galinha pousou em sua janela e ficou durante toda a noite na tela de proteção. 
Irene conta que no dia do desaparecimento, um homem apareceu durante a madrugada e a perseguiu. A galinha tentou fugir, mas acabou sendo capturada pelo pescoço e colocada em uma mochila. O roubo foi registrado pelas câmeras de segurança da casa da aposentada, que procurou por imagens após não encontrar o animal pela manhã. Para algumas crianças, os moradores contaram que um avião a buscou e a mãe de uma delas decidiu, então, eternizar a memória da amiga da vizinhança em um mural na rua. 
"Quando eu recebi a proposta para fazer essa arte, eu imediatamente aceitei, porque achei tão inusitado. Eu sou de Laranjeiras, fiz muitas artes ali e perguntei para as pessoas como era a história da galinha, porque aquela rua eu nunca subia, então não conhecia. Surgiu de uma proposta inusitada e foi ótimo, porque tem tudo a ver com a questão ambiental e de preservação da natureza, de cuidar dos animais. Acaba que vai ficar ali para educar as pessoas, também", contou o artista visual Odylo Falcão, conhecido por sua arte pelo bairro. 
Em dois sábados, Odylo e a artista plástica Clara Vaz pintaram o mural de seis metros de altura e cerca de 20 de comprimento, que passaram a chamar carinhosamente de Cantinho da Amélia. Ele conta que o espaço onde a arte foi pintada era pouco valorizado e cuidado, com lixo e fezes de animais. "Mesmo sem ter muitos atrativos, merecia o respeito das pessoas. Vamos ver se agora se fortalece essa questão de olhar para o local e cuidar. Está todo mundo no mesmo barco e no mesmo planeta, não tem porque todo mundo não ajudar", declarou. 
O Cantinho da Amélia fica próximo ao número 31 da Rua Cardoso Júnior e será inaugurado às 15h desta sexta-feira, com música ao vivo e a presença dos artistas Odylo e Clara e dos moradores para a homenagem. Mesmo sendo considerada a cuidadora de Amélia, Irene diz que a galinha era de todos os amigos do bairro e que apesar das saudades, acredita que ela cumpriu uma missão de unir as pessoas. 
"Para mim, ela teve uma missão e não dá para tentar descobrir. Do jeito que ela apareceu, ela foi levada. Um dia, um senhor passou aqui na porta e falou: "minha senhora, olha bem essa galinha, porque ela vai ser uma coisa muito boa aqui na rua, muito positiva". Hoje eu passo na rua e as pessoas me chamam, mas me conhecem por causa da galinha. E ela não é minha, é nossa, era responsabilidade de todos. O homem que vendia banana dava para ela, o pessoal da academia brincava com ela. Ela foi uma coisa muito positiva para o mundo, principalmente para o nosso bairro. A mensagem que ela deixou é de mais união entre as pessoas", declarou.