Maio Laranja: mês é dedicado à campanha para combater o abuso sexual contra crianças e adolescentes
Denunciar episódios de violência sexual pode salvar crianças e adolescentes; suspeitas de casos também podem ser denunciadas
Rio - Dia 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil, e a campanha de conscientização ‘Maio Laranja’ visa dar visibilidade ao assunto pouco tratado, mas vivido por muitos.
Segundo pesquisas do Ministério da Saúde, entre 2015 e 2021, foram registrados mais de 200 mil casos de violência sexual infantil. Deles, 83 mil foram contra crianças e mais de 119 mil contra adolescentes. Ainda de acordo com documento do órgão, a casa da vítima é o local de maior ocorrência, com 70,9% dos casos de violência sexual contra crianças de 0 a 9 anos e 63,4% contra pessoas de 10 a 19. Além disso, 64,3% dos casos contra crianças de 0 a 9 anos são cometidos por familiares e conhecidos das vítimas.
Em 2000, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescente foi estipulada pela Lei Federal 9.970 em memória à pequena Araceli Cabrera Crespo, abusada e morta com apenas 8 anos em 1973, em Vitória (ES). Já o Maio Laranja foi instituído em 2022, pela também Lei Federal 14.432, e estabelece a promoção de campanhas em prol da conscientização popular para ampliar e fortalecer a proteção integral de crianças e adolescentes.
A psicóloga infantil Cláudia Melo, ex-conselheira tutelar de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, esclarece as diferenças entre violência e abuso sexual infantil. Enquanto a violência é abusar ou explorar o corpo e a sexualidade de crianças e adolescentes, o abuso sexual envolve atitudes que não violam o corpo, mas extrapolam os limites do psicológico e da inocência infantis:
"Na maioria dos casos, não há sexo em si. Mas o abuso acontece na forma que o adulto se coloca para a criança ou o adolescente, como palavras e vídeo inadequados e obscenos, e toques. Tudo o que gera desconforto para a criança é abuso".
Cláudia cita exemplos de forma mais simples: "A pedofilia não é só sobre toque, quando a pessoa está perto. Pode ser conversa erótica (quando um adulto está conversando com termos sexuais pode ser penalizado, é crime, mesmo sem ter mídias), vídeo ou revista".
Todo ato de natureza erótica, com ou sem contato físico, com ou sem uso de força, dentro do ambiente doméstico ou fora dele, entre um adulto ou adolescente mais velho e uma criança ou adolescente é abuso sexual.
O envolvimento da criança ou do adolescente em atividades sexuais, tais como palavras e telefonemas obscenos, exposição dos genitais ou de material pornográfico equivalem a abuso sexual. A vítima vive uma experiência sexualizada que está além de sua capacidade de consentir ou entender, calcada no abuso de confiança e poder do abusador.
Uma cartilha do Governo Federal publicada na internet explica que "o fenômeno [do abuso sexual] consiste numa relação adultocêntrica, sendo marcado pela relação desigual de poder, o agressor (pais, responsáveis legais, pessoas conhecidas ou desconhecidas) domina a criança e/ou adolescente, se apropriando e anulando suas vontades, tratando-os, não como sujeitos de direitos, mas sim como objetos que dão prazer e alívio sexual".
Cláudia alerta para alguns sinais que crianças podem emitir se tiverem sido abusadas ou estiverem em uma situação de abuso:
"Crianças muito pequenas sentem desconforto com contatos como carinho, abraço, pegar no colo. Elas se mostram incomodadas e se retraem, confusas com o toque, sem saber como reagir", diz.
Familiares e educadores também têm que ficar de olho em crianças que desenvolvem toque de higiene excessiva, que queiram tomar banho com mais frequência do que o normal, por exemplo. Segundo Cláudia, crianças abusadas costumam se sentir sujas. O comportamento contrário, mostrar resistência a banho, também pode ser um aviso. Muitos pequenos julgam que, ao estarem sujos, o abusador não se aproximará deles. Ganhar peso para não ter o corpo visado pelo abusador é outra fuga inconsciente dos menores.
Nesta toada, somam-se ainda irritação, insônia, pesadelos e dormir muito agasalhados, com o argumento de que está com frio, quando, na verdade, a intenção é se proteger. Negar-se a ir à casa de algum parente ou pessoa próxima da família pode também ser um indício de que aquela figura está cometendo abusos contra a criança.
Os traumas vão além do físico das crianças e dos adolescentes abusados e atingem o psicológico e emocional. Duas falas bem comuns dos abusadores são que eles não estão fazendo algo errado e que aquilo que está acontecendo é culpa da criança. Quando este menor é tratado com ríspida culpabilidade dentro de casa ou na escola, ele de fato se considera o culpado dos abusos cometidos contra ele. O aviso é de Diana Quintella, psicóloga com especialização em psicopedagogia: "Muitos pais e responsáveis culpam as suas crianças sem motivos ou sem buscar entender melhor a situação. Se no cotidiano, a criança leva a culpa de acontecimentos alheios a ela, se ela está sempre sendo culpabilizada por tudo em casa, na escola e em outros lugares que frequenta, se chamam a atenção dela por tudo e qualquer coisa, ela vai achar mesmo que é culpada dos abusos que sofre, o que é muito cruel", afirma.
Cláudia e Diana falam sobre prevenções que podem ser tomadas para proteger as crianças:
A principal recomendação de Cláudia é que os pais fiquem atentos e próximos dos cuidados com os filhos, uma vez que o abusador entra onde há fragilidade: “Os pais precisam aprender a estar mais perto e presente. Os abusadores entram nas brechas, então os cuidados básicos, como dar banho, colocar fralda e dar colo para dar comida não podem ser terceirizados. Essas atividades acabam facilitando portas para o agressor entrar”.
Os pais explicitarem, na presença de adultos que têm contato com os seus filhos, que estão atentos aos pequenos e que denunciarão qualquer caso de abuso e violência, é outra estratégica indicada por Claudia para prevenção de agressões. Nesta hora, perceber a reação dos ouvintes é um ponto de atenção importante que deve ser levada em conta pelos pais e responsáveis dos pequenos: "Os abusos acontecem na família porque ela confia em alguém que está faz parte do ciclo familiar ou está bem perto. O abusador estuda a família, observa a rotina e se insere no grupo familiar para praticar o crime de pedofilia".
Já na seara dos pequenos, a maior prevenção está em ensinar as crianças, desde muito pequenos, sobre o respeito ao seu corpo e ao corpo do próximo. O fortalecimento do corpo da criança como algo que merece respeito a faz estranhar como um abuso acontece e saber que não é o certo: "A criança que vem muito pequena com esse olhar de respeito ao corpo dificilmente sofrerá abuso em silêncio, mesmo sem saber que o que aconteceu foi um abuso. Ela foi ensinada que não é assim que podem tocá-la, e o que podem e não podem fazer com ela", esclarece Diana.
Para atingir este nível de consciência, a família deve se dedicar a uma educação sexual desde os primeiros anos de vida dos pequenos. Calma, que vamos explicar: é recomendável conversar com as crianças desde os primeiros meses de vida. Ao contrário do que muitos pensam, as crianças conseguem entender e absorver perfeitamente as informações. Então, dialogar com os pequenos durante o banho, com frases como "Com licença, eu vou tirar a sua roupa", "Eu vou tocar o seu corpo agora para lavá-lo” e também "Com licença, eu vou tirar sua roupa para trocar a sua fralda" e "É assim que eu limpo você e essa é a maneira certa” traz para a criança um olhar de respeito pelo próprio corpo dela.
As explicações de como cada etapa é realizada ainda esclarecem para as crianças a maneira correta de executar aquela tarefa:
"Quando é ensinado para a criança que ela tem um corpo que é dela e que merece ser respeitado, ela se conscientiza de que ninguém pode tocá-la de forma que ela não goste. Os abusadores atuam porque colocam a criança no lugar de submissão. Se desde pequena ela for fortalecida para saber que um adulto não pode fazer o que quiser com ela, a criança sabe que um abuso não é culpa dela e que pode contar sem nenhuma vergonha o que quiser para os pais".
Além de promover uma autoestima saudável, ensinar para as crianças o respeito ao corpo estabelece limites pessoais. Usando a tática de orientar os comportamentos com explicação na escola infantil em que é diretora, Diana conta que os pequenos reclamam quando o comportamento de algum amiguinho vai além: "Eles usam bem claro a frase ‘respeita meu corpo, você não pode me empurrar’. A mesma coisa com sacudidas. Já sabem que aquilo não é normal, não pode acontecer e verbalizam".
"A culpa que crianças sentem ao sofrerem abusos acontece porque não foi ensinado a elas que o corpo delas merece respeito como qualquer outro corpo”, complementa Diana.
Ouvir e observar as crianças
Os adultos têm que ouvir o filho e acolhê-lo para dar a ele ferramentas para se proteger. "Não pode falar com a criança que ela tem abertura dentro de casa para falar o que quiser se ela não for levada a sério quando se expõe. O discurso tem que estar alinhado com o dia a dia", pondera Diana.
Cláudia orienta que todas as falas da criança têm que ser acolhidas pelas famílias como verdades e, em seguida, investigadas. Não questionar a veracidade é um passo importante.
Crianças muito pequenas ainda não têm arsenal de oralidade, então deve ser dito para elas falarem apenas o que se lembram. Assim, se sentirão confortáveis e contarão o que conseguem expressar.
Os sinais de abusos diferem de acordo com a faixa etária, por isso é essencial que as crianças sejam observadas com atenção. As mais velhas, entre sete e nove, costumam reagir se afastando dos amigos e expressam o comportamento com falas do tipo "Não quero brincar com você".
As mais pequenas, como ainda não têm a parte oral bem desenvolvida, adotam uma postura corporal fechada. Elas também tendem a desenhar, à maneira delas, o episódio de abuso.
As crianças mais velhas, na faixa etária dos 10 anos, costumam não contar o ocorrido porque o abusador pediu segredo e elas sentem vergonha.
Quando há mudanças bruscas de comportamento, o indicado é perguntar à criança o que está acontecendo. Uma boa forma de se aproximar é contar que lembra dela em uma situação diferente e elogiar como era antes. "Você gostava tanto de tomar banho, por que você não gosta agora? Era bom quando você gostava de tomar banho" é um exemplo. O importante é abrir o diálogo com a criança para ela se sentir segura. Quando ela for falar sobre a situação, é necessário ouvi-la com atenção e sem apressar a fala dela.
Como denunciar
Quando um adulto faz uma denúncia ele não protege apenas a sua criança ou adolescente, ele protege várias. Denunciar salva vidas. Casos de suspeitas de abusos também podem ser denunciados.
As denúncias podem ser realizadas por meio do canal Disque 100, de qualquer telefone no território nacional, ou diretamente ao Ministério Público Estadual, ao Conselho Tutelar ou à uma Delegacia de Polícia. A denúncia é anônima e é garantido o sigilo da identidade do denunciante.
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