Casarões históricos no Rio ganham espaços para programação cultural
Iniciativa faz parte do programa Reviver Centro Cultural, promovido pela Prefeitura do Rio de Janeiro
Mais de 130 imóveis foram considerados aptos para fazerem parte da iniciativa no Centro do Rio de Janeiro. Reviver Centro Cultural - Ana Alexandrino/ Divulgação
Mais de 130 imóveis foram considerados aptos para fazerem parte da iniciativa no Centro do Rio de Janeiro. Reviver Centro Cultural Ana Alexandrino/ Divulgação
As ruas de paralelepípedos no Centro do Rio rodeadas de casarões com as tinturas descascadas e com construções que foram levantadas nos séculos passados carregam anos de história que passam despercebidos aos olhares desavisados. Tão características para os moradores, essas ruas estão voltando a ser frequentadas devido ao programa Reviver Centro Cultural, uma cooperação promovida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico e da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar) para revitalizar a região.
Lançado em julho do ano passado, o projeto busca fazer com que imóveis no quadrilátero formado pelas avenidas Presidente Vargas, Rio Branco e Primeiro de Março, pela Rua da Assembleia e por parte da Orla Conde sejam ocupados com projetos culturais, como livrarias, galerias de arte, escolas de dança e escolas de fotografia.
No total, dos 136 imóveis considerados aptos para fazer parte da iniciativa, 39 endereços foram inscritos para participar. O programa abrange espaços desocupados e voltados para a rua. Ainda foram incluídos 132 projetos culturais, dos quais 84 foram habilitados para ocupar os espaços. Ao fazerem o credenciamento, os donos dos projetos devem procurar os proprietários dos imóveis e corretores para realizar o aluguel do espaço pelo qual tiverem interesse. De todos os projetos inscritos, 26 já estão em desenvolvimento.
Para estimular os novos ocupantes, a prefeitura também fornece um auxílio para a reforma dos imóveis abandonados, além de repasses para despesas mensais, como aluguel, água e luz por no máximo quatro anos. Os auxílios para a reforma podem chegar a até 192 mil reais, calculados a 1 mil reais por metro quadrado. E as despesas fixas podem ser de até 14,4 mil reais, estabelecido em 75 reais por metro quadrado.
Um dos casarões abertos é a “QueeRIOca”, localizado na Rua da Travessa, número 16. O ambiente, idealizado pelo casal Laura Castro e Cristina Flores, foi pensado durante a pandemia para ser um espaço para criação e exposição de trabalhos de artistas LGBTQIA+. A casa atualmente se dedica à literatura, ao teatro e à música, com ênfase na produção artística queer.
Laura contou que foi amor à primeira vista ao encontrar o imóvel. “O corretor estava mostrando para a gente as casas, e eu olhei uma de portas vermelhas. A gente chegou perto e tinha um grafite com duas noivas. E eu disse para a Cristina: ‘É aqui mesmo, essa casa tá marcada’.”
No entanto, o espaço não estava preservado e precisou de uma grande reforma, que durou dois meses. “A fachada estava muito preservada, mas por dentro o teto estava com o gesso quebrado, as paredes estavam todas descascadas, o andar do subsolo estava meio inundado e a situação hidráulica e elétrica estava bem complicada”, relata.
Após fazer todos os ajustes, a casa foi inaugurada no final de abril deste ano. “As nossas visitas estão aumentando semanalmente. As pessoas ficam muito felizes de verem que o Arco do Teles está com eventos. Elas desacostumaram a fazer esse trajeto”, diz Laura, com entusiasmo.
O ator e atendente da QueeRIOca Áquilas Lourin explicou que a revitalização tem sido um fator atrativo para os novos visitantes que chegam. “Essa área está começando a ser revitalizada agora. Era um espaço que, desde a pandemia, estava todo fechado. Ninguém tinha interesse nem de passar por essa rua. Agora, a gente tá no processo de mostrar um pouco do Arco do Teles para quem aparece”, revela ele.
Na mesma região, outro casarão que foi aberto é a “Casa Tucum”, situada na Rua do Rosário, 30. O empreendimento foi desenvolvido pela mineira Amanda Santana há 10 anos, quando trabalhava como cabeleireira e maquiadora em um ateliê de beleza. Na época, ela divulgava e vendia artesanatos de povos originários para suas clientes, contando a história por trás desses produtos.
Ao se deparar com o edital, durante a pandemia, Amanda resolveu inscrever o seu projeto, que além de uma loja conceito, também conta com uma galeria de arte, oficinas, palestras e rodas de conversa.
“A gente já sente uma grande mudança na região. A cada dia um novo parceiro abrindo seu espaço. Eu percebo que a cidade vai ganhar muito. O Centro do Rio sempre foi um lugar de referência cultural para o Brasil”, afirma Amanda, sócia do empreendimento.
A artista Eliza Lacerda conta que conhecia o espaço e resolveu visitá-lo. “Eu acho que o projeto é uma maneira de reocupar esses casarões e ressignificar esses lugares. Nesse caso aqui, por meio da história dos nossos ancestrais.”
* Reportagem da estagiária Luana Pilatti, com supervisão de Ana Carla Gomes
Patrimônio histórico
Vizinhos do Arco do Teles, da Candelária e da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, onde foi proposto o Dia do Fico, os casarões históricos reabertos remontam a história do Rio de Janeiro entre os séculos XVII e XX.
Embora sejam de grande importância histórica, as fachadas desgastadas revelam que estes espaços não foram preservados ao longo de sua história. Um exemplo recente é o imóvel de número 19 na mesma rua da QueeRIOca, que desabou em outubro do ano passado.
Para o historiador e advogado Bruno Cerqueira, a falta de reconhecimento e preservação dos casarões impede que os visitantes conheçam a história por trás deles. “Às vezes, num casarão morou um grande escritor ou um titular do Império. Não há uma preocupação com o registro disso. Quando você anda nas ruas do Rio, não fica sabendo quem morou em qual lugar”, avalia. “A história do Rio de Janeiro é uma história de destruição do patrimônio histórico”, completa.
O motivo desse abandono ocorre, segundo Cerqueira, devido ao esvaziamento das residências nos Centro, que são substituídas pelo surgimento de centros comerciais. “Tudo que havia no século 17, 18 e 19, que era morada e comércio, deixa de existir, e fica sendo só comércio. Depois, o próprio comércio vai à falência.”
O secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico, Chicão Bulhões, comentou a importância da iniciativa para a cidade e destacou que ajudará a manter vivo o patrimônio do Rio de Janeiro. “É essa a nossa expectativa com o Reviver Cultural: levar pessoas que não frequentavam mais a região, atrair outros cariocas que não tinham o costume de curtir o Centro e, em paralelo, reaquecer o comércio daquela área, dando nova vida a imóveis e ao bairro histórico”, ressalta.
Para os projetos que quiserem participar do programa, devem cumprir alguns critérios, como incluir horário de funcionamento noturno, disponibilidade para dirigir o espaço por, no mínimo, 30 meses e exercer algumas das atividades comerciais, artísticas ou culturais listadas no edital.
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