Cacique fala aos participantesPedro Teixeira/ Agência O Dia

Rio - A Aldeia Maracanã foi palco, neste domingo (16), de uma assembleia pública para discutir soluções para a comunidade. A reunião começou com uma roda de canto e contou com a presença de cerca de 200 pessoas, incluindo indígenas, apoiadores da causa e estudiosos. O ato foi uma resposta à recente ordem de despejo, emitida na quarta-feira (12) pela Justiça, e que deve ser cumprida no prazo de 30 dias. 
Segundo o advogado Arão da Providência Araújo Filho, que representa os habitantes da aldeia, o processo é de 2013 e estaria cheio de "nulidades". "A ação é da época do (ex-governador Sérgio) Cabral, e está no STJ para discutir a questão de representação ainda. Entrei com diversos recursos no tribunal. Por exemplo, tenho clientes com procuração e sequer foram cadastrados no sistema. Alguns deles estão sendo condenados a pagar custas de honorários advocatícios sem nunca serem citados, o que é uma prerrogativa do cidadão", explicou.
Outro ponto apontado por Arão seria a sentença concedida pela Justiça. O advogado explicou que a liminar condicionava a emissão de posse se o Estado garantisse as prerrogativas dos indígenas. No entanto, o governo teria acionado um "cumprimento provisório de sentença", que permitiria a medida, mas foi negado pelo tribunal.
O cacique Urutau Guajajara, líder da Aldeia Maracanã, destacou a importância do ato para a manutenção do espaço. "A sociedade estar aqui mostra que está entendendo a importância desse patrimônio dos povos originários. Nós somos chamados de indígenas em contexto urbano. Nós somos, nesse momento, o único aldeamento em contexto urbano", falou.
Cacique Guajajara fala durante sessão - Pedro Teixeira/ Agência O Dia
Cacique Guajajara fala durante sessãoPedro Teixeira/ Agência O Dia
Para Guajajara, o local poderia ser utilizado para a criação de uma universidade. "Fizemos uma pesquisa nos países latino-americanos. Todos tem universidades indígenas, menos o Brasil. Eu vi uma pesquisadora que foi para o México, e deu conta que o país tem 12 instituições. Nove delas assinaram em favor da Universidade Aldeia Maracanã, reconhecendo esse patrimônio aqui no epicentro do centro do Rio de Janeiro como espaço indígena, uma universidade e um campo de pesquisa", destacou.
Segundo o cacique, a ordem de despejo tem motivação financeira. "Aqui é uma área de um interesse especulativo muito grande. O capital especulativo está de olho aqui. Por isso eles querem nos tirar. Querem nos tirar para fazer qualquer coisa aqui. Fazer um shopping, estacionamento, menos destinar para as populações originárias". Ele lembrou dos atos de 2013 e não descarta uma volta às ruas. "Dependendo, nós vamos para as ruas, voltamos", concluiu.
Uma outra habitante da aldeia propôs uma marcha indígena pela cidade. "O Rio precisa perceber que há indígenas na cidade, pois são invisibilizados. Aqui é território indígena, o Brasil é território indígena", afirmou.
Habitante da aldeia pediu 'marcha indígena' - Anna Clara Sancho / Agência O Dia
Habitante da aldeia pediu 'marcha indígena'Anna Clara Sancho / Agência O Dia
A ex-senadora e pré-candidata a vereadora do Rio, Heloísa Helena (Rede) também participou da reunião. "Tem uma coisa que eles precisam saber, vão ter que passar por cima de todos nós que estamos aqui, e eles não são tão grandes", falou.
A ex-senadora Heloísa Helena (REDE) e a pré-candidata a vereadora Mônica Francisco (PT) - Anna Clara Sancho / Agência O Dia
A ex-senadora Heloísa Helena (REDE) e a pré-candidata a vereadora Mônica Francisco (PT)Anna Clara Sancho / Agência O Dia
Mônica Francisco, ex-deputada estadual e também pré-candidata ao Palácio Pedro Ernesto pelo PT, ressaltou que a terra é "indígena". "Sabemos, a aldeia também é terra indígena. Seguimos em luta. Eles são poderosos, mas eles não conhecem a nossa força", disse. 
Sexta tentativa

Esta nova decisão é a sexta tentativa da Justiça Federal de desalojar os moradores do local. O mandado  tramita em segredo de justiça no 2° Tribunal Regional Federal (TRF-2) e foi movido pelo Governo do Rio de Janeiro contra os integrantes da comunidade.

A Aldeia Maracanã, conhecida como Tejo Haw Maraka’nã, está localizada na Avenida de mesmo nome e abriga um importante prédio histórico. Este local serviu como sede do Serviço de Proteção Indígena (SPI) do Marechal Rondon e do Museu do Índio até os anos 1970. Desde 2006, o imóvel foi ocupado pelos indígenas após décadas de abandono.

Em 2013, a Aldeia Maracanã enfrentou uma reintegração de posse violenta. Parte dos ocupantes aceitou a realocação para apartamentos do Programa Minha Casa, Minha Vida após passarem mais de um ano morando em contêineres na Colônia Curupaiti, na Zona Oeste do Rio. Após a desocupação, o governo prometeu restaurar o prédio e transformá-lo em um Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas, mas até agora nada foi feito.

Naquarta-feira (12), dois oficiais de justiça, acompanhados por seguranças da Justiça Federal, estiveram no local e ordenaram a retirada das estruturas e dos moradores. O momento foi filmado e publicado nas redes sociais da Aldeia Maracanã, gerando grande repercussão e mobilização.

Nas imagens, um oficial de justiça menciona um decreto estadual que reconhece a importância do local e a intenção de transformá-lo em um Centro de Referência. No entanto, uma mulher da comunidade rebateu: "A gente não quer Centro de Referência, a gente está na luta há 30 anos. A gente quer universidade indígena, escuta da comunidade."
DIA tenta contato com o Governo do Rio, mas ainda não obteve uma resposta referente ao assunto. O espaço segue aberto para qualquer manifestação.