Prefeitura lança concurso internacional para arquitetos negros ajudarem na construção do Centro Cultural Rio-ÁfricaDivulgação/ Prefeitura Rio

Rio - A Zona Portuária do Rio de Janeiro vai ganhar um novo museu para valorizar a herança negra no Brasil. O Centro Cultural Rio-África será construído no lugar onde fica o antigo prédio da maternidade Pró-Matre, na região da Pequena África e próximo ao Cais do Valongo. A novidade foi compartilhada nesta quinta-feira (4), em cerimônia que também anunciou o concurso que vai selecionar projetos arquitetônicos para a construção do local. Ao todo, a prefeitura estima o valor de R$ 30 milhões para o desenvolvimento do projeto do museu.
A Companhia Carioca de Parcerias e Investimento (CCPAR) e a Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial da Casa Civil coordenam o projeto ao lado da Prefeitura do Rio e do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). "Vamos pegar essa maternidade e fazer um museu, o espaço da memória africana aqui no Rio de Janeiro. Aquele museu que tem em Washington, vamos fazer o daqui mais bonito, raiz, muito melhor. Isso aqui é Brasil", afirmou o prefeito Eduardo Paes ao anunciar o concurso que escolherá o projeto do novo museu.
Durante a cerimônia, Paes afirmou que essa é uma história que precisa ser contada, expondo todas as desigualdades e feridas do Brasil. "Essa cidade não vai melhorar, o Brasil não vai melhorar, enquanto a gente não entender que a nossa tragédia é essa desigualdade que bate principalmente no povo preto. Não é uma assinatura de convênio, não é um momento de celebração. Vai sair, sim, esse centro cultural, para que essas vísceras e essa história sejam expostas, para que o povo possa conhecer, e a gente possa, a partir disso, corrigir as injustiças", completou.

Entre as lideranças e representantes da comunidade negra no Rio presentes no lançamento do projeto, destaque para a linguista e escritora Maria da Conceição Evaristo, a socióloga e historiadora Maria Moura, e a atriz e poetisa Elisa Lucinda. O grupo Afoxé Filhos de Gandhi entoou canções e havia painéis destacando personalidades como o escritor Machado de Assis, João Cândido, Tia Ciata, Tia Dadá, Madame Satã e a própria Conceição Evaristo.
Além do prefeito, a cerimônia contou com a presença de representantes do poder municipal, como o coordenador de Promoção e Igualdade Racial, Yago Feitosa, o secretário da Casa Civil, Lucas Padilha, e o presidente da CCPar, Gustavo Guerrante.
Valorização da cultura
O espaço será um local para promover a arte e a cultura contemporânea afro-brasileira e também vai registrar a evolução urbana do território, onde há o maior conjunto de remanescentes da presença africana na cidade, com destaque para o Cais do Valongo.

"O Centro Cultural Rio-África é um equipamento de cultura, de arte contemporânea negra que é inédito na cidade. Ela não concorre com nenhum outro equipamento, uma vez que ela se propõe a valorizar a arte contemporânea negra e está centrada nos valores do afro-futurismo. Nós, jovens negros que herdamos os legados africanos, temos a responsabilidade de construir novos legados para as gerações futuras", explicou Yago Feitosa, secretário da Casa Civil.

Para Maria Conceição Evaristo, o novo espaço vai preservar, divulgar e guardar a memória negra do Rio de Janeiro. "Celebra-se a memória do passado, de modo que possa ser um espaço que em que se faça uma crítica do presente. E que possa pensar num Brasil mais justo, mais democrático em que todos nós tenhamos nossos lugares, nossos espaços de cultura", disse.

Ao seu lado, Elisa Lucinda considerou "genial e revolucionária" a ideia do novo centro cultural. E exaltou a opção por arquitetos negros para o desenvolvimento do projeto. "A gente está recuperando o nosso lugar, o Cais do Valongo, a Pequena África. Há uma grande ingratidão do mundo e está na hora de nos ressarcir", concluiu.
A iniciativa da prefeitura é parte de um conjunto de ações desenvolvidas para a promoção da igualdade racial. Até o momento, já foram criados a Cátedra da Pequena África e Território Inventivo, com o intuito de produzir conhecimentos e instrumentos de valorização desse território. A prefeitura mantém também, através da Secretaria Municipal de Cultura, o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), situado na Pequena África e que conta a história da região onde ocorreu o maior desembarque de africanos escravizados no mundo, de importantes marcos de afirmação negra no Brasil e do desenvolvimento da cultura afro-brasileira.
Sobre o concurso

Ao todo, serão distribuídos R$ 105 mil aos três primeiros colocados, e o grande vencedor será contratado para o desenvolvimento do projeto. O concurso está aberto a arquitetos negros brasileiros e africanos de língua oficial portuguesa com assento no Conselho Internacional de Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP). Fazem parte do CIALP, os arquitetos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Serão selecionados os três projetos com melhor solução técnica para a implementação do Centro Cultural Rio-África. O espaço tem por objetivo valorizar a cultura afro-brasileira, com ações que produzam e provoquem interpretações sobre a ancestralidade afrodiaspórica, o passado e o futuro da região portuária. Serão oferecidos conteúdos sobre a Pequena África, sua história, personagens e o desenvolvimento urbano desse território.
O concurso será dividido em quatro fases, iniciado em junho, com a pré-produção. De 5 julho a 30 agosto serão abertas as inscrições. O envio das propostas deverá ocorrer até 30 de setembro. "O concurso é a forma mais democrática de escolher os projetos e promoverá a conscientização da necessidade de construirmos uma sociedade mais justa, mais solidária, menos desigual e menos racista", afirmou a presidente do IAB, Marcela Ablas. Ela anunciou ainda a realização nesta sexta-feira (5), às 19h, de uma live, no canal oficial do IAB no Youtube, para apresentar mais detalhes do concurso.

Os participantes deverão levar em consideração algumas linhas de pesquisa de conteúdo e formação de acervo no circuito expositivo a ser proposto para o Centro Cultural Rio-África: Memória, História e Cultura daqueles que por ali passaram e ali viveram; Arte afro-brasileira; Presença cultural afro-brasileira nas manifestações culturais e Território, destacando as diversas transformações espaciais da zona portuária.
Pequena África
'Pequena África' é o apelido dado pelo sambista Heitor dos Prazeres (1898-1966) à área abrangida pelos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, na zona portuária do Rio. O local é ocupado por uma população majoritariamente negra e conta com bares charmosos e lugares fascinantes como o Cais do Valongo, o Cemitério dos Pretos Novos e a Pedra do Sal, cuja história está intimamente ligada ao tráfico transatlântico de escravizados, à diáspora africana e ao nascimento do samba. Também na região, estão o morro e a favela da Providência, a mais antiga do Rio de Janeiro.
A região é um território onde o visitante pode vivenciar a autêntica música, história, cultura e gastronomia afro-brasileira no Rio de Janeiro.