Ministério Público Federal (MPF)Reprodução

Rio - Um pastor evangélico passou a ser alvo de uma ação civil pública, nesta segunda-feira (29), acusado de compartilhar discurso discriminatório contra religiões de matrizes afro-brasileiras e seus seguidores. Ajuizada no Ministério Público Federal (MPF) pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, o processo exige a indenização de R$ 100 mil em função das ofensas.
Os ataques do pastor foram feitos contra o evento 'Águas de Axé', que é realizado todos os anos na cidade de Mangaratiba, na Costa Verde. Segundo a procuradoria, o líder religioso fez uma espécie de convocação direcionada aos seus fiéis para o que seria uma "guerra espiritual", após o evento ter sido incluído no calendário oficial da cidade.
No texto, o MPF indica que o pastor falou associou as religiões de matrizes afro-brasileiras à desgraça e à degradação, uma vez que sugeriu que a 'Lama' da Praia de Sepetiba teria sido resultado da colocação de uma escultura de Iemanjá no local. 
O vídeo repercutiu negativamente nas redes e o autor apagou, mas isso, segundo a ação do MPF, não exime o responsável da indenização solicitada. É o que defende o procurador dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, Jaime Mitropoulos.

"Os fatos ensejaram o Registro de Ocorrência na Delegacia de Polícia Civil de Mangaratiba. A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão também determinou a remessa de cópia para apuração na área criminal, tendo em visto o artigo 20, parágrafo 2º, da Lei nº 7.716/89. Tal norma define como crime 'praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional', prevendo uma pena que pode chegar a cinco anos, caso o delito seja 'cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza'", explicou o procurador.

Racismo cultural e religioso
Na ação, a procuradoria destaca que o discurso constitui cristalina discriminação contra as manifestações culturais afro-brasileiras, à medida que desumaniza e associa a valores negativos por meio de estereótipos e estigmas discriminatórios. Mitropoulos afirmou no texto da ação que a fala presume colocar os praticantes das religiões atacadas em lugares socialmente atribuídos a elas  "por quem se imagina numa posição de superioridade social”.

Segundo a petição, comunidades tradicionais e minorias culturais têm o direito de praticar sua própria religião, de viver e se expressar de acordo com sua identidade cultural, além de manter e preservar seus direitos à consciência, identidade e memória. O texto também menciona que o Estado tem o dever de salvaguardar a diversidade das expressões culturais, nos termos dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal e da Convenção Para Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais.
O procurador responsável pela ação civil pública também explicou que o discurso feito durante culto e transmitido na internet discriminou, depreciou, humilhou, estigmatizou e demonizou as religiões afro-brasileiras. No texto, ele cita abordagens de estudiosos do tema, como Muniz Sodré e Frantz Fanon, que entendem o racismo religioso como vertente do racismo cultural.
Essa é a mesma linha entendida pela antropóloga Rosiane Rodrigues. Ela entende que os adeptos das tradições de matrizes africanas enfrentam discriminação não apenas por sua religião, mas também por sua identidade étnica e pelo conjunto cultural relacionado ao modo de viver dessas comunidades. Já a filosofa e também antropóloga Maria Lúcia Montes entendeu que o discurso é "etnocídio, na medida em que visa à eliminação que vai além das manifestações religiosas, objetivando solapar a identidade e o universo cultural de povos e comunidades tradicionais”.
Evento Águas de Axé
O "Águas de Axé" acontece todo dia 20 de janeiro e tem como objetivo promover a cultura afro-brasileira e incentivar a reflexão e a conscientização sobre a necessidade do enfrentamento ao racismo, discriminações e intolerâncias, bem como sobre a importância de se estimular a cultura do respeito pela diversidade.