Jovanna Baby fala da importância de se educar o povo brasileiroArquivo Pessoal

A cada 34 horas, um gay, uma lésbica, uma transexual, uma travesti ou um bissexual pode estar sendo assassinado em qualquer lugar do país, inclusive enquanto você lê essa matéria. O motivo: preconceito, a não aceitação pela diversidade e até a negação de alguns homens que cometem o crime para não revelar os seus fetiches. O Brasil é o país que mais mata a população LGBTQIAPN+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais e não-bináries).
De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), presidido pelo antropólogo,pesquisador, historiador, e ativista Luiz Mott, de 78 anos, no ano passado foram assassinados 257 pessoas da comunidade LGBTQIAPN+."O Brasil é o campeão em números de assassinatos, além das transexuais e travestis,  dos gays, das lésbicas e bissexuais. De modo que não podemos separar o assassinato de trans e ignorar o que ocorre com outros LGBTs", diz o ativista.
De acordo com Mott, o Grupo Gay da Bahia, fundado em 1980, divulga há 44 anos a lista dos LGBTs que tem mortes violentas. ‘’Antes na tv, rádio, jornal. Agora por internet. Também consideramos o suicídio. Quando um LGBT se mata de forma violenta, tomando veneno ou se jogando de algum viaduto foi porque não aguentou o sofrimento da opressão, da lesbofobia, da transfobia’’. Ele conta que além do GGB, a Associação Nacional de Travestis (Antra) e um grupo internacional, Transgender Europa, todos chegam a essas estimativas das mortes violentas.
"Metade desses assassinatos acontece no Brasil, seguido de México, e dos Estados Unidos Aqui sempre ultrapassa 100 o número de transexuais assassinadas, de 200 os LGBTs assassinados. Nesses outros países chega a 30 pessoas. O último levantamento do GGB em 2023 foram 257 LGBTs que tiveram morte violenta, o que dá uma média de uma morte a cada 34 horas".
Mott não consegue entender por que apesar de muitas vitórias do movimento LGBT, como o direito ao casamento, a equiparação da homofobia ao racismo e o acesso ao SUS (Sistema Único de Saúde) pelas transsexuais e travestis, o número de assassinatos não diminui. "Infelizmente tenho constatado que, apesar dos progressos na legislação protetora dos LGBT, a presença desses aparelhos de luta pela cidadania não tem levado a diminuição das mortes violentas. Acontecem às vezes assassinatos após a Parada Gay. Neste ano estão previstas 71 paradas pelos bairros de Salvador, impulsionados pelos candidatos a vereadores que aproveitam para fazer campanha eleitoral antecipada".

Uma luz no fim do túnel
Para Luiz Mott, a situação só vai mudar quando houver uma educação de forma que se respeite toda a comunidade LGBTQIAPN+. E para isso é necessário que haja educação sexual nas escolas. "A erradicação da Lgbtfobia tem solução, porque é uma peste, uma epidemia de ódio. A primeira educação sexual, científica e obrigatória em todos os níveis escolares, desde crianças e adolescentes e depois no nível superior. Jovens aprenderem a verdade sobre o sexo é um direito humano fundamental. A livre orientação sexual e a identidade de gênero das pessoas não é pecado, não é crime. Não é doença ser gay, travesti, lésbica ou bissexual".
Ele vai além e fala sobre o assédio. "É preciso ensinar as crianças e os jovens a evitarem as doenças sexualmente transmissíveis e as crianças a denunciarem quando assediadas ou vítimas de qualquer pedofilia. De modo que a educação sexual é vital para acabar com esses crimes’". Da mesma opinião compartilha Jovanna Baby, de 62 anos, presidente do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros. Contra o Racismo e a Transfobia. (FONASTRAN), criado por ela em 2010.
"Nossa sociedade precisa ser educada de forma sexual. É preciso haver uma diferenciação de fetiche e identidade de gênero. Somos o país em que mais se mata transexuais. Normalmente os homens que usam o serviço das transexuais são os que matam. Eles acham que serão considerados homossexuais. Muitos matam para que os seus fetiches e desejos não sejam revelados. É um povo mal educado que precisa de educação sexual’.
Ela acrescenta que o Brasil só perde em consumo de produtos eróticos trans para a Argentina. "Nós precisamos educar a nossa população. O machismo, herança do patriacardo, é que traz a transfobia e a misoginia. Nenhuma criança nasce preconceituosa. Na Europa e nos EUA quando as pessoas veem um trans no metrô ninguém comenta nada. No Brasil, as pessoas riem".
'A Constituição não discute pecado'
 Para Jovanna, as transexuais precisam ter uma vida inclusiva."A educação pode ter diversas caras. É preciso que a preocupação seja das gestões, e a de inserir políticas públicas para essas pessoas. O Governo Federal precisa implementar essas políticas. Também acho errado o homem legislar sobre o corpo da mulher. Um absurdo. É preciso dissociar a religião da administração pública. A Constituição não discute pecado".
Assim como Luiz Mott, Jovanna também vê melhoria em alguns lugares como Niterói, Rio, e João Pessoa, entre outros, que fazem um trabalho visando à diversidade. "No Recife já existe ambulatórios específicos para trans". Luiz Mott acredita que somente uma grande discussão englobando várias pessoas da sociedade possa melhorar muito a situação. "É fundamental que a universidade, o governo, os ministério da educação e cultura se unam para fazer uma grande discussão interdisciplinar de sociologia, criminologia, psicologia, antropologia com o movimento organizado LGBT para encontrar, entender e discutir e aprofundar quais as causas de tanta violência no Brasil e como enfrentá-la, qual é a melhor atividade prática para que as políticas públicas consigam diminuir a mortandade.

Desafio e superação

Se existem muitas histórias da comunidade LGBTQIAPN+ com fim trágico, é bom saber que outras tiveram final feliz. Este é o caso de Jordhan Lessa, primeiro guarda municipal trans do Rio de Janeiro que conduziu a Tocha Olímpica em 2016. "Hoje relembro a minha trajetória marcada por muitos desafios e superações. Encontrei força e resiliência para reconstruir minha vida e relembro do período de ter conduzido a Tocha Olímpica como um momento que foi um divisor de águas, simbolizei na chama não só os Jogos Olímpicos, mas também da inclusão e da diversidade". Em entrevista ao jornal O DIA, Jordhan Lessa fala sobre a violência e conta um pouco mais da sua história.

O DIA: A que você atribui esse número de transexuais assassinados no país?
JORDHAN LESSA: Penso que são muitos os fatores, mas o principal, no meu ponto de vista, é que o Brasil traz desde a sua invasão tudo o que de pior pode fazer parte da construção da cultura de uma nação. Aqui habitavam os povos originários e sabemos que suas mulheres foram violentadas dando início a tão falada miscigenação. Na sequência as mulheres sequestradas e escravizadas que foram trazidas de outros continentes eram violentadas por seus "donos" que as compravam após avaliar seus corpos que seriam usados para muito mais do que os trabalhos na lavoura ou nas cozinhas das casas grandes. Essa mentalidade de poder e uso sobre os corpos femininos perpetuou através dos séculos que os machos têm esse "direito". Junto com tudo isso a questão da religiosidade que nas suas escrituras relaciona mulher como objeto de posse e submissa 100% do tempo e em tudo ao seu senhor "ao pai, ao irmão e por fim ao marido" na falta de um sequencialmente sendo substituído pelo outro e quem não os tinha caía em desgraça, sendo jogada às margens da sociedade.
Esses homens que ocupam esse lugar de macho alfa, dono e senhor de tudo e todos que ainda existem aos montes e em todas as camadas sociais, não admitem o feminino neles e muito menos em alguém que quebre essa corrente de poder machista. Essa masculinidade tóxica se sente afrontada quando as travestis, as mulheres trans, que são as maiores vítimas dos assassinatos, assumem suas identidades femininas e o extermínio é uma forma de apagar esses corpos. Já com os homens trans/transmasculinos os corpos passam a ser fetiche e a morte quando não é física, é social. Ser morto socialmente é o que leva ao número crescente de suicídios. Somos suicidados por uma sociedade que teima em nos colocar em um lugar em que não cabemos.
O Brasil passou por períodos horrorosos entre os anos 1964 até 1988 e o cenário político era favorável para a tentativa de institucionalizar esse extermínio que foi o que aconteceu em SP com a operação Tarântula. Essa época não passou para todas as pessoas, entramos em uma democracia, porém para as pessoas transgênero muito pouco ou quase nada mudou e continuamos a bater recordes todos os anos de assassinatos cruéis e com requintes de torturas.
Para além de todo esse contexto a hipocrisia, talvez, seja um fator importante, pois o Brasil também é recordista no consumo de pornografia trans, ou seja, nossos corpos (digo nossos porque homens trans também completam as estatísticas ainda que em menor número) servem para o prazer, para satisfazer os desejos em segredo daqueles que socialmente sentem orgulho de serem nossos algozes.

O DIA: Como você acredita que esse cenário possa ser modificado?
JORDHAN LESSA: Eu acredito muito na nova geração de pessoas mais conscientes sobre os direitos individuais, pessoas que são seguras com as suas identidades, homens que já entenderam que não precisam temer o feminino que faz parte de todos nós, que viver e deixar viver é lindo e os faz humanos de verdade.
Acredito que hoje nós colhemos os frutos das sementes que nossas transcestralidades semearam e nós plantamos novas sementes para que os que estão por vir não precisem passar pelo o que passamos, que possam ter uma vida com menos lutas, menos inseguranças e que não precisem ter que legitimar suas existências como hoje, mesmo com os avanços que temos, ainda precisamos fazer quase diariamente.
A modificação vem acontecendo, mas não é um processo rápido, afinal estamos transformando a maneira como a humanidade, em suas diferentes culturas, estava acostumada com o padrão cis/branco/hetero normativo, minha geração (tenho 57 anos) não verá essa mudança, talvez nem a próxima, mas continuar fazendo o que meus transcestrais nos ensinaram é que vai mudar o futuro.

O DIA: Você passou por muitas mazelas durante a sua infância e adolescência. Como conseguiu virar a página?

JORDHAN LESSA: Ressignificando minhas dores em degraus para ser o Jordhan que sou hoje. Depois de ter vencido os piores desafios que um ser humano pode enfrentar: internações compulsórias em dois manicômios e uma unidade para menores infratores nos anos 1980 sem nunca ter cometido infração alguma, vivência em situação de rua e todas as violências físicas e psicológicas que você puder imaginar, só me restavam duas alternativas: desistir ou resistir, optei pela resistência e aos poucos fui percebendo que estar vivo é a maior delas.
Hoje tenho como missão de vida contar para o mundo a minha história de superação palestrando em empresas e escrevendo livros para colaborar na transformação de outras vidas, dizer para outras pessoas que desistir não deve ser nunca a nossa escolha, seja qual for o momento que estejam passando, porque é isso que esperam de nós, manter-se vivo é que é a surpresa que eles não esperam!

O DIA: Como foi sua transição? Como você se sentiu quando pegou o documento com o nome que queria?
JORDHAN LESSA: Minha transição começou em 2013, aos 46 anos, quando conheci pessoalmente João W. Nery, levei dois anos pesquisando, conhecendo outros homens trans e me reconhecendo, em 2015 decidi pela cirurgia de tórax masculino e depois dei continuidade aos outros procedimentos. Quando resolvi fazer a retificação de prenome e gênero ainda era pela via judicial e demorou três anos para a sentença que saiu em 2017 e a primeira coisa que fiz quando a recebi no Fórum de Maricá foi dar um mergulho no mar para agradecer à Iemanjá o meu renascimento.
Depois foi dar início a via-crúcis de refazer todos os documentos, o que aliás ainda hoje faço quando aparece meus dados antigos em algum lugar. Quando peguei meu RG, me reconheci. Tirei até passaporte, que nunca tive, só pelo prazer de ter todos os documentos que outras pessoas conhecidas minhas tinham e eu não para evitar constrangimentos. Olhar, se ver e se reconhecer no espelho não só de casa, mas no espelho do mundo é maravilhoso! Talvez uma pessoa cisgênero jamais consiga imaginar o que isso significa para uma pessoa transgênero.

O DIA: Você acha que as políticas públicas do Brasil têm cuidado com a população LGBTQIAPN+?
JORDHAN LESSA: O Brasil é bastante avançado na proteção de nossos direitos, graças ao STF, e em políticas públicas em alguns municípios e estados, porém enquanto não tivermos profissionais que deixem de lado suas opiniões pessoais e suas crenças para nos atender lembrando que pagamos impostos como qualquer outra pessoa e não pedimos privilégios, mas sim o exercício de cidadania plena, não tem lei, decreto ou política pública que dê jeito.

O DIA: Qual sua opinião sobre a educação sexual nas escolas públicas e particulares. Você acredita que com mais informação haveria menos preconceito?
JORDHAN LESSA: Acho fundamental, nossas crianças precisam saber o que os titios, vovôs, papais, amiguinhos e outros não podem fazer, onde não podem tocar. Precisam saber que não devem sentar no colo do tio, para ele contar histórias e principalmente a quem devem contar quando algo assim acontecer. Mas "eles" não querem, porque se as crianças souberem como se defender e a quem denunciar muitos "homens de bem" ficarão em maus lençóis. Por isso são contra a educação sexual e usam a pauta LGBTQIAPN+ como desculpa, eles sabem que ninguém ensina ninguém a ser nada.

O DIA: O que você falaria para uma pessoa que não está satisfeita com o seu corpo, quer fazer a transição, mas tem medo por algum motivo?]
JORDHAN LESSA:Diria que o medo faz parte de cada decisão importante que tomamos na vida. Eu também tive muitos medos, pensei na minha saúde, na família, no meu filho, nos amigos, no trabalho, enfim pensei em tanta gente e em como receberiam a minha mudança, até que um dia percebi que não estava pensando em mim. Mudei de lado e comecei a pensar se essas pessoas todas deixariam de fazer algo caso a minha opinião fosse contrária?
Será que se meu filho tivesse que ir morar em outro país com uma proposta de trabalho muito boa, ele deixaria de ir caso eu não concordasse? Assim fui eliminando as barreiras que me separavam de quem eu sou verdadeiramente. Algumas pessoas que julgava serem amigas, se afastaram, no início foi um choque, porque não esperava, mas depois entendi que se fossem amigas de verdade teriam ficado e vibrado comigo em cada conquista. Ninguém vai viver a sua vida e ela é uma só!

Programa Rio Sem LGBTIfobia
Pioneiro na garantia de direitos da população LGBTI+ no Brasil, o Programa Rio Sem LGBTIfobia atua no combate à discriminação e à violência contra essas pessoas, por meio dos 20 Centros de Cidadania LGBTI distribuídos no estado. Uma das principais portas de entrada, o programa conta também com o Disque Cidadania & Direitos Humanos 0800 0 234567, que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Todos os centros têm uma equipe interdisciplinar, formado por um assistente social, um psicólogo e um advogado.
Peça ajuda nos Centros de Cidadania LGBTI
Agulhas Negras
Av. Euclides Alves Guimarães Cotia, 78 - Centro, Quatis
24 99829-4877 cclgbti.an.quatis@gmail.com
Baixada I
Rua Frei Fidélis, S/N - Centro, Duque de Caxias
21 2775-9030|21 2775-9049|21 2775-9087|21 97899-7444
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Estrada Ary Schiavo, S/N (ao lado do DETRAN) - Centro, Japeri
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Baixada III
Rua Terezinha Pinto, 297 - Centro, Nova Iguaçu
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Baixada IV
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