O dentista Elias vibra com o filho Felipe no cangote durante um jogoArquivo pessoal

"Ser mãe é padecer no paraíso" reza um antigo ditado. Mas e ser pai, tem alguma diferença? Filho é sempre uma bênção e faz parte da vida do casal das mais variadas formas. Hoje é comemorado o Dia dos Pais: idosos, jovens, casuais, modernos, antiquados, charmosos, com qualidades e defeitos de qualquer ser humano. Têm ainda aqueles pais bem especiais, que aprendem a cada dia com os seus filhos com Síndrome de Dows, TEA (Transtorno do Espectro Autista), Deficiência Intelectual e outras. Dados da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados, estimam que no Brasil são 45 milhões de pessoas com deficiência, o que corresponde a 24% da população.
Se no passado, as pessoas acabavam por esconder seus filhos com deficiência, hoje tudo mudou e os pais estão cada vez mais empenhados em colaborar com a educação e o desenvolvimento para que suas crias cresçam saudáveis e se tornem homens e mulheres de bem. Parodiando o livro da Lucinha Araújo, Só as mães são felizes, os homens também estão sintonizados e têm um amor incondicional pelos seus filhos. O dentista Elias Nemi, de 46 anos, descobriu que seu filho Felipe havia nascido com Síndrome de Down na sala de parto minutos após o nascimento dele, há 14 anos. "Foi tudo muito novo. Não tinha muita experiência e nem muito entendimento sobre as terapias de inclusão e de desenvolvimento". Elias conta que não quis perder tempo e passou a correr atrás de tudo que poderia melhorar a vida de seu filho.
"Agendei geneticista e comecei a ler sobre o assunto. Quando ele fez um mês de vida estava iniciando a fisioterapia! Como sou autônomo resolvi diminuir dois turnos de trabalho. Acredito ter conseguido ajudar bastante, já que a minha esposa (a mãe ) não conseguiria pois trabalha em banco". Para Elias, ser pai é uma dádiva. "Eu me apaixonei a primeira vez que vi o meu moleque. A minha vida mudou depois que o Felipe nasceu". Hoje, ele e os dois filhos (a Beatriz) estarão andando de skate, bicicleta e dando uma corridinha para depois ter o tradicional almoço em família.
Pai de Bernardo, com Síndrome de Down, de 12 anos, e Francisco, de 10, o jornalista Fernando Paiva, de 46 anos, demora a definir o que é ser pai. "É uma responsabilidade muito grande, mas uma fonte de felicidade enorme. Eu sou muito feliz com os meus dois filhos. Aprendi muito. Eles me fazem uma pessoa melhor. A gente está focando hoje no Bernardo, mas claro, o Chico também. E acho que é uma edição... É uma fonte de felicidade, de amor. É um amor diferente. Eu me vejo capaz de dar minha vida por eles, tipo: está vindo um carro, vai atropelar, tem que empurrar  o carro. Vou trocar a minha vida pela deles. Eu me vejo fazendo isso instintivamente. E acho que vem desse amor que a gente sente". Hoje, o jornalista estará com os filhos, será uma programação normal com almoço na casa dos avós e muito chamego. “Quero passar o domingo grudado neles, brincando".
O empresário Luís Fernando Amorim, de 51 anos, pai do Luís Eduardo Lacet Amorim, de 18, acha que é de suma importância a figura paterna, da autoridade masculina porque doutrina e disciplina. "Para mim ser pai é dar um norte na vida, dar um conselho, dar o amor. O meu filho é completamente alucinado comigo. O olho do meu filho brilha. Para mim ser pai de verdade é quando teu filho olha no teu olho e o olho dele está brilhando, está babando de amor, ele está ansioso por aquele abraço, aquela figura que dá segurança, aquele colo, a segurança que o filho necessita". Hoje o empresário estará ao lado dele e fazendo o que os dois gostam. "Tem que ser uma relação de prazer para ambos".

Toda ajuda é bem-vinda

Diversos institutos, ONGs, e escolas especializadas ajudam no desenvolvimento de pessoas com deficiência. Este é o caso do Projeto Desenvolver, criado pelo fonoaudiólogo Moacyr Daemon, que atende a 13 crianças com Síndrome de Down. "Em 2016, eu consegui iniciar o projeto numa Clínica da Barra da Tijuca. Uma vez na semana os pacientes ficam aqui, das 13h às 17h. Eles esquentam seu almoço, lavam a louça para que consigam autonomia e fiquem independentes". Moacyr conta que as atividades não se resumem a ficar na clínica. Os pacientes também saem e aprendem a pagar contas. "Vamos ao cinema, teatro e eles também fazem jogos de matemática e de português".
Os pais de Felipe, Luís Eduardo e Bernardo comentam a respeito desse projeto e outros. De acordo com Elias Nemi, deveria haver mais no Rio de Janeiro e em todo o país. "O Desenvolver é genial, fantástico. O Felipe e as crianças que fazem parte desse projeto são privilegiadas. Estamos conseguindo deixá-lo com um grau de independência bem maior, cada um vai no seu limite. O Felipe está conversando mais, inclusive sobre dinheiro, faz contas e o café da casa", comemora.
Já o jornalista Fernando Paiva fala da importância das Ongs, associações e afins que tenham o trabalho voltado para as pessoas com deficiência, mas faz uma ressalva. "A gente tem que tomar cuidado para não gerar uma nova exclusão. Foi uma luta muito grande nas últimas décadas para incluir as crianças com deficiência nas escolas regulares. A gente tem uma lei hoje no Brasil sancionada pela então presidenta Dilma Roussef (Lei Federal nº 13.146, de 06 de julho de 2015) que obriga as escolas regulares a aceitarem pessoas com deficiência. Na escola especial, a criança tudo bem, é acolhida, tem profissionais especializados, só que ela só convive com outras crianças com deficiência".
Para o jornalista, o problema desse modelo é que ele é exclusivo. Dentro da escola especial a criança está acolhida, mas não tem um convívio diário, a parte da socialização com a diversidade, com as outras crianças neurotípicas (padrão neurocognitivo considerado típico ou convencional em uma sociedade). "Você tem uma escola especial, mas não tem um shopping especial, uma farmácia especial, um cinema especial, uma quadra de futebol especial. Você tem que conviver com essas pessoas. Isso é muito importante, essa mistura, esse convívio das crianças neurotípicas e das crianças com deficiência nos mesmos espaços, na mesma escola. Então, eu acho que o trabalho das ONGs, sim, é importante, mas você não pode, acho muito perigoso que as crianças com deficiência só fiquem com outras crianças com deficiência. Tem que misturar. Acho que o trabalho das ONGs pode ser uma coisa complementar".
O empresário Luís Fernando Amorim acredita num trabalho híbrido. "Em relação aos projetos, eles são fundamentais para o desenvolvimento das crianças, jovens e adultos. A escola inclusiva é fundamental para que sejam puxadas pelos amigos. Mas eu acho que eles também precisam estar com as mesmas pessoas que tem a visão de vida e as limitações. Acho que tem que ser um híbrido: amigos comuns que puxam, que ajudam a desenvolver, mas estar dentro da comunidade deles. Eu vi isso com o passar do tempo".

Preconceito ainda existe?

A sociedade se transformou e hoje o preconceito, apesar de ainda existir, é muito menor. Como os pais lidam com essa questão. Veja os depoimentos:

'Tem muito a melhorar'

Elias Demi: "Acho que tem muito a melhorar, mas já teve uma evolução muito grande. Eu não lembro de ter estudado com nenhuma criança com necessidades especiais. Hoje o Felipe estuda numa escola normal. A inclusão começa aí, mas tem muito a melhorar principalmente no mercado de trabalho.Ainda existe o preconceito com as pessoas com deficiência. Existe o preconceito velado no sentido de achar que a pessoa por ter deficiência é incapaz de fazer algo e você não dá oportunidade de ela fazer algo, esse é o maior preconceito que vejo. E o tratamento de infantilizar as pessoas com deficiência. Ah o Lipinho, ah o Lipinho. Não deixa evoluir para adolescência e a fase adulta. Isso é um tipo de preconceito velado. Acho que para mudar tem que mostrar mais. Quanto mais pessoas com deficiência aparecerem no nosso cotidiano mais vai diminuir esse preconceito. Acho que não tem outra forma. Tem que ser ao vivo e a cores".

‘Vejo uma evolução’
Fernando Paiva:  "Acho que a gente está evoluindo positivamente nessa questão. Tenho 46 anos. Na minha infância era muito pior o preconceito com crianças, pessoas com autismo ou com Síndrome de Down. Está havendo um processo de conscientização coletiva. Eu vejo na escola dos meus filhos. Bernardo é super acolhido na escola, cheio de amigos, é super popular,  das crianças mais populares da escola, todo mundo brinca com ele, muito legal. Meu outro filho, Francisco, na turma dele tem uma criança com autismo, também super acolhida. Na minha época, quando eu era criança, não tinha nenhuma criança com deficiência. O desconhecimento muitas vezes gera o preconceito. Então acho que é mais um exemplo da importância da inclusão nas escolas. Quando eu era criança, era normal as pessoas usarem como xingamento a palavra mongol, se referindo a pessoas com síndrome de Down. Mas eu acho que diminuiu muito, muito, muito, muito. A gente quase não ouve mais. Eu acho que está bem melhor, mas ainda, claro, pode, sempre pode melhorar.
‘Pessoas mais preparadas’

Luís Fernando Amorim- "Eu acho que o preconceito diminuiu demais. Meu filho tem 18 anos e nesse tempo eu praticamente não vi nenhum ato na rua de preconceito. Têm pessoas que são mais preparadas espiritual e socialmente, convivem melhor. Não é por sentimento de preconceito, nojo, mas de fraqueza. As pessoas olham uma pessoa com deficiência na rua e elas dizem que não saberiam como agir se fosse um ente querido. Quando acontece na vida da gente aprendemos a agir, a gente ama até mais por conta de cuidados. O preconceito vai sempre existir, mas hoje é bem diferente".

Desafios, aceitação e conquistas

Em entrevista ao jornal O Dia, o psicólogo Ricardo Santos fala respeito dos pais que têm filhos com deficiência.

O DIA: Como o pai de um filho com deficiência consegue aceitar e amar esse filho?
RICARDO SANTOS: Nem sempre os pais conseguem aceitar e amar esse filho. Normalmente o índice maior de não aceitação é do homem. A mulher consegue trabalhar isso mais rápido até porque ela convive com essa criança desde o início. Tem o choque inicial. Eu atendi alguns casais com essa questão e passava pela cabeça a ideia de abortar, de interromper a gestação, justificando que o filho iria ter problemas, que iria sofrer, que a sociedade discrimina. Num segundo momento, normalmente, a mãe diz que não, que vai amar de qualquer forma, que não será tão difícil assim. Dependendo da relação desse casal, o pai passa a aceitar também. Em muitos casos o aprendizado com essa criança é muito grande. A valorização de várias coisas que não eram valorizadas antes é muito grande, no caso de andar ouvir, enxergar e se locomover. Trabalhei um tempo na Andef (Associação Niteroiense dos Deficientes Físicos) e os pais tinham essa dificuldade no início. Depois, passa a fazer parte do dia a dia e você valoriza outras conquistas. A aceitação inicia-se com a mãe e dependendo da relação do casal, se dá com o pai também.

O DIA: Dizem que o amor supera tudo, mas será que é possível compreender as dificuldades que um filho com deficiência pode trazer?
RICARDO SANTOS: Sem o amor é muito difícil. Na relação, se um dos dois não estiver totalmente voltado para essa criança. Às vezes um dos pais tem que abrir mão de sua carreira porque você dedica o tempo toda a essa criança, principalmente nos primeiros anos. O amor é essencial para isso. Depende muito da relação do casal. Se tem uma cumplicidade grande, o que não quer dizer que um deles não possa criar essa criança sozinha. Acontece e muitas vezes de forma positiva. Extremamente importante quando esse casal tem amigos do mesmo nível e dependendo da faixa etária os avós entram para ajudar. Percebo que os avós têm uma aceitação mais rápida do que os próprios pais, principalmente no início. Outra questão é valorizar o que essa criança pode fazer e não o contrário. Por exemplo ele não corre, mas lê bem, desenha bem.

O DIA: Estatísticas comprovam que pais de filhos com deficiência não mantêm o casamento. A que você atribui este dado?
RICARDO SANTOS: Isso é uma realidade. Um dos fatores é que você necessita de dar mais atenção aquela criança e desvia a atenção ao parceiro. Com maior frequencia o pai não suporta mais. A mãe abre mão de tudo em função do filho. Acompanha na escola, na natação, na fono. Abre mão de tudo para o desenvolvimento dessa criança e o pai fica com a função de trazer mais segurança para que essa mãe possa fazer isso. Assim, o pai fica provedor e se distancia dessa relação. Quanto mais você está próximo dessa relação mais você vai amando essa criança vendo e participando do progresso. São simples:  Uma criança começar a andar é uma vitória fantástica, mas para quem está longe porque ficou trabalhando não tem tanta importância porque ele viu a criança  na rua  correndo. Uma vitória importante é comer sozinha, mas o outro já está falando. O pai, normalmente e infelizmente, acaba tendo uma outra relação. Isso não é uma regra.
O DIA: Qual a importância do pai no convívio com os filhos?
RICARDO SANTOS: Acompanhei pais que estão mais empenhados do que as mães. Procuram mais alternativas. Por isso que é bom quando o casal consegue se entender. Se o casal estiver envolvido e fica mais fácil. Quando existe a cumplicidade e o amor que um tem pelo outro e os dois tem pelo filho, em alguns momento que o outro acaba fraquejando, se sentindo triste ou se sentindo culpado, o parceiro é fundamental para trazer essa força. Quem vive sabe o quanto é difícil. Quando o pai participa, divide e acompanha. A mãe tem muito medo de a criança se machucar, se entristecer, se magoar. O pai entra nesse lugar, ele vê que é importante também que a criança passe pela situação para se fortalecer, importante que ela erre para poder acertar. A mãe evita para que a criança não sofra. O pai valoriza e incentiva. Vamos buscar outras alternativas. Vejo isso mais no pai do que na mãe. Ela evita determinadas situações.
O DIA: Você acredita que os pais de filhos com deficiência possam desenvolver depressão e outras doenças?
RICARDO SANTOS: Isso pode acontecer. Muito comum, não necessariamente só com crianças especiais que a mãe tenha depressão pós parto até por um desequilíbrio hormonal. Nesse momento cria-se uma dificuldade de vínculo com o bebê e essa dificuldade se estende, no caso de criança especial se estende ao pai também. É possível que por meio de tratamento, principalmente terapia que você comece a entender a realidade e essas dificuldades podem ser amenizadas.
Curiosidade
O Dia dos Pais é celebrado em diferentes datas ao redor do mundo. No Brasil, surgiu em 14 de agosto de 1953, quando o publicitário Sylvio Bherinh promoveu um concurso para homenagear três tipos de pais: o com o maior número de filhos, o mais jovem e o mais velho. Foram premiados um pai com 31 filhos, um jovem de 16 anos e um pai de 98 anos. Como resultado do evento, foi instituído o segundo domingo de agosto como Dia dos Pais.