A UFRRJ aprovou a medida nesta terça-feira (24)Rede Social

Rio - A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) aprovou nesta terça-feira (24) a reserva de vagas para pessoas trans na graduação. A medida já tinha sido aprovada também pela Universidade Federal Fluminense (UFF) no último dia 19 de setembro, que foi a pioneira na implementação dessa política no estado do Rio. Para membros do movimento LGBTQIAPN+, a decisão simboliza uma reparação histórica a toda violência sofrida pela comunidade.
Na UFRRJ, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) aprovou a implementação de 3% de cotas trans nos cursos de graduação, criando vagas supranumerárias específicas (que não disputam com outras vagas ou cotas).
Segundo a pró-reitora adjunta de Assuntos Estudantis, professora Joyce Alves, a medida vai começar a valer a partir de 2025 através do próximo processo seletivo.
"Importante dizer que a Rural foi a primeira universidade a aprovar política de cotas para pessoas trans no estado do Rio de janeiro. Em setembro de 2023, a UFRRJ aprovou a regulamentação das cotas para pessoas trans na pós-graduação. Foi a primeira política regulamentada para pessoas trans do Rio. E ontem, dia 24, aprovamos as cotas na graduação. A UFF foi a primeira a aprovar as cotas na graduação. Que foi 5 dias antes da gente", reforçou.
Joyce é a primeira pessoa trans a ocupar o cargo de pró-reitora na UFRRJ. Ao DIA, ela explicou o motivo da implementação de nova medida.
"Nós partimos do princípio que a população trans e travestis é uma das mais invisibilizada e marginalizada no Brasil. Para se ter uma ideia, os dados da ANDIFES de 2018 e os dados da Antra, que é a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, de 2023, apontam que só 0,02% dos estudantes universitários e em universidades públicas são pessoas trans ou travestis. Então é uma população muito estigmatizada, uma população que não tem acesso e não tem acesso por quê? Porque não tem acesso à saúde, nem à educação, tem uma vida extremamente marginalizada", disse.
A professora reforçou ainda a dura realidade da comunidade e o objetivo da reserva de vagas. "A maioria das pessoas trans quando se quando se assumem são expulsas de casa e 90% da população trans de mulheres trans e travesti ainda está na prostituição e não é por opção, mas sim porque é única é a única forma de sobrevivência porque o mercado de trabalho não abraça ainda essas pessoas, sem contar que essas pessoas também tem dificuldade na sua escolarização. É um ciclo de exclusão. Então as cotas elas podem tentar de alguma forma não resolver a situação, mas quebrar um pouco esse ciclo de vulnerabilização dessa população tendo em vista a empregabilidade", relatou.
Em relação ao sistema, a pró-reitora contou que a implementação prevê vagas em todos cursos, desde os cursos mais concorridos aos mesmos concorridos. "Então pode entrar a pessoa no curso de medicina-veterinária que é o nosso curso mais concorrido, em agronomia, zootecnia, direito, psicologia, ou seja, em todos os cursos. É uma vitória e a gente está falando de uma universidade que fica numa região muito pobre que é a Baixada Fluminense, além de muito violenta".
Apesar da vitória, a medida também gerou uma onda de comentários negativos nas redes sociais. Para a professora, as pessoas que criticam não entendem a importância do movimento.
"Essa é uma pauta que causa muita comoção, a palavra comoção que eu estou falando não é só no sentido positivo não. É no sentido negativo mesmo. A maioria dos comentários são de pessoas que são contra qualquer tipo de cotas. São pessoas que acham que quem deve entrar na universidade é só pela meritocracia. E tem um outro tipo de comentário que são comentários ignorantes. E no geral essa galera fica só na internet, eles não aparecem nos debates presenciais", reforçou.
Implementação na UFF
Em reunião extraordinária realizada no dia 19 de setembro, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPEx) da UFF foi o primeiro no estado a aprovar a reserva de vagas para ingresso de pessoas trans nos cursos de graduação e pós-graduação, também a partir de 2025.
De acordo com a decisão, serão reservadas 2% das vagas para estudantes trans nos processos de ingresso na graduação, assim como já ocorre nas demais políticas afirmativas vigentes na UFF, além de uma vaga extra para cada curso de pós-graduação.
"A aprovação dessa política, e sua implementação imediata já em 2025, mostra que a universidade está comprometida com ações afirmativas com critérios identitários que visam contribuir para a redução das formas de discriminação, exclusão e violência. Esta política de ingresso para pessoas trans é fruto do protagonismo do movimento de estudantes trans em diálogo com a gestão universitária que, em conjunto, formularam a proposta final revisada e aprovada nesta quinta-feira", disse a reitoria em nota.
A expectativa, de acordo com a universidade, é de que a medida amplie o acesso ao ensino superior e favoreça um ambiente acadêmico cada vez mais democrático, diverso e plural, alinhado à missão institucional da UFF em promover a equidade e a justiça social. A estimativa é que cerca de 360 pessoas possam ser contempladas com essa política.
Depois da implementação da medida, o movimento Redes Trans UFF comemorou a decisão e ressaltou os anos de luta para que a medida fosse aceita.
"A nossa luta não começa hoje e não se findará nessa política. Nossa luta é para que possamos ingressar, permanecer e concluir a universidade. Somos pesquisadoras, cientistas, e não vamos parar até que consigamos finalmente derrubar os muros da Universidade, e que possamos finalmente sonhar futuros e colher os frutos dessa política. Comemoramos essa vitória, mas não iremos parar por aqui! Toda universidade nesse país vai ter cota trans, vamos ‘transicionar’ as formas de fazer desse território. As universidades brasileiras também serão território trans e travesti", disseram.
Ainda nas redes sociais, a diretora do movimento, Zuri Moura, comentou sobre seu processo na faculdade. "Desde o início da minha graduação eu senti o peso da solidão de ser uma travesti negra disputando a ciência ao lado de pessoas cisnormativas e brancas. Em 2022, eu idealizei e cofundei o coletivo Rede Transvesti UFFiana para reivindicar a resistência de estudantes trans/travestis da graduação e pós-graduação. Meu sonho tomou corpo e forma, nesse mesmo ano nós conquistamos uma cadeira específica sobre a temática transvesti, dentro do Diretório Central dos Estudantes Fernando Santa Cruz (DCE/UFF)", disse.
De acordo com Zuri, pensar sobre ação afirmativa para essa população é reconhecer que historicamente tiveram diminuídos seus direitos sociais,
"A cota tran não é privilégio ou vantagem social, isso é política pública de reparação histórica a toda violência racista e transfóbica que a nossa comunidade resiste a todo processo de formação social da sociedade brasileira. A UFF se tornou pioneira ao adotar esta política dentro do estado do Rio de Janeiro, a Rede Trans UFF sonha em construir um Brasil onde todas as pessoas tenham acesso aos mesmos lugares de poder", relatou.
Em nota, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, rede de organização política de pessoas trans, explicou que a materialização da luta em políticas de reparação, como as cotas, é uma conquista fundamental.
"A ANTRA reafirma que as cotas para pessoas trans são medidas essenciais de reparação histórica e continuará atuando nesta luta. Cotas trans em todas as universidades já".