Igreja teve relíquia com fragmento de ossos de São Benedito furtadaReginaldo Pimenta
Relíquia de São Benedito é furtada de igreja no Centro do Rio
Além do relicário, que tem fragmento do osso do santo, bandidos também levaram mesa de som, ventilador e objetos religiosos
Rio - Uma relíquia de São Benedito, com fragmento de osso, foi furtada da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, no Centro do Rio. A suspeita é de que criminosos tenham entrado no local durante uma festa realizada no fim de semana, em homenagem ao santo. Os membros do santuário só perceberam que a peça havia sido levada nesta segunda-feira (7).
Apesar do furto, a igreja, que fica na Rua Uruguaiana, não apresentava sinais de arrombamento. O padre Álvaro Inácio, responsável pela administração, relata que na manhã de segunda-feira, ao chegar para trabalhar, um dos funcionários percebeu que uma das portas estava aberta e que haviam objetos revirados. O pároco contou que, inicialmente, notaram que itens da loja de lembrança tinham sido levados, como fitas de São Benedito, medalhinhas, imagens de santos e moedas.
Entre os objetos com valor financeiro, os criminosos roubaram uma mesa de som, um ventilador e um carregador de celular. "A gente não achou nenhum lugar aberto, nenhuma vidraça quebrada. A impressão é de que alguém se escondeu na igreja, fez o que tinha que fazer, e saiu depois com as coisas, pela porta da frente, que se abre por dentro", afirmou o padre.
O pároco disse também que estavam aliviados por terem sofrido poucos prejuízos, até que, durante a tarde, quando era celebrado o Dia de Nossa Senhora do Rosário, perceberam que o relicário de São Benedito, com fragmento de osso do santo, não estava no local. "O mais doloroso, não é nem o valor material. A relíquia é um pedaço do corpo de um santo e é para o povo de Deus um instrumento de graça. É uma violêcia contra aquilo que é sagrado, é isso que deixa a comunidade mais triste".
Ainda de acordo com o padre Álvaro, chamou atenção os objetos alvos do furto. "Digamos que fosse um dependente químico, ele ia procurar metal, coisas para vender. Um 'ladrão profissional' ia procurar obras de arte, coisas mais antigas. Não faz sentido roubar fitas de São Benedito, é muito estranho", apontou. A Polícia Militar não foi acionada e o caso foi registrado na 1ª DP (Praça Mauá), que investiga a autoria do crime. Na tarde desta terça-feira (8), agentes da distrital estiveram no santuário. O pároco fez um apelo para que a população ajude a igreja a recuperar a peça.
"A igreja é muito querida no Centro da cidade, as pessoas estão sempre lá e têm uma devoção grande por Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Essa relíquia, que a gente dava a benção para as pessoas, agora não está mais lá. Quem puder, nos ajude a encontrar, porque faz uma falta grande para o nosso povo. É um sinal triste que não se respeite aquilo que é sagrado. Quem tiver boa vontade, nos ajude a recuperar a relíquia e as outras coisas que roubaram, porque a igreja tem muita dificuldade, é uma igreja pobre, mas bonita. Toda ajuda é muito bem-vinda".
Fiéis lamentam crime
Mesmo com o furto, a igreja no Centro do Rio continua celebrando missas e, na tarde desta terça-feira, recebeu dezenas de pessoas. No local, os fiéis descreveram o caso como lamentável e desrespeitoso com a religião. Para Marco Antônio da Silva, de 50 anos, que frequenta o santuário há cinco anos, o episódio também gera insegurança. "É uma tristeza, porque o valor não é material, é espiritual", afirmou.
Josilma Freire Soares conta que está presente nas missas todas as terças-feiras para receber a unção dos enfermos, mas o sentimento ao entrar na igreja para a benção foi diferente dessa vez. "Eu acho que quem fez isso é uma falta de respeito com a igreja, com o padre e com Jesus. Fazer isso com uma igreja, o que a pessoa pensa? Isso não pode acontecer. Eu acho que está precisando de mais segurança", desabafou.
Apesar de visitar a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos poucas vezes, Maria Luiza Leal também se indignou com o furto. "É muito triste que nem o sagrado para muito pessoas esteja sendo respeitado nos dias de hoje, o que era o mínimo que a gente esperava. Qualquer objeto de devoção, seja qual for a religião, tem que ser respeitado".
Reitor da igreja desde novembro do ano passado, o padre Robson Oliveira também lamentou e destacou que a relíquia é importante para a igreja e para os católicos porque representa uma testemunha da vida dos santos. O pároco relatou ainda que não foi a primeira vez que o santuário sofreu com a ação de bandidos.
"Infelizmente, não é o primeiro sinistro que temos. Já tivemos outras vezes, foi levado o telefone de uma funcionária antiga, o violão do rapaz que toca e, agora, nessa semana. É um sentimento de vazio, porque a gente vive em uma cidade onde a violência acontece mas, ao mesmo tempo, de gratidão a Deus, porque não aconteceu nada com ninguém (...) Quando acontece uma coisa dessas, eu peço que Deus tenha misericórdia daqueles que fizeram isso. A gente pede a Deus que nos dê paz e tenha misericórdia".
Igreja sofreu incêndio em março
Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos foi atingida por um incêndio, em 13 de março deste ano. Na ocasião, as chamas tiveram início no velário e o fogo foi controlado, inicialmente, por agentes do Grupamento de Operações Especiais (GOE) da Guarda Municipal, que faziam um patrulhamento na região. O Corpo de Bombeiros também foi acionado e não houve feridos.
Em 2021, a igreja ficou fechada por alguns meses para obras de conservação. O santuário precisou de intervenções emergenciais que envolveram revisão das instalações elétricas, serviços de limpeza e equipamentos de combate a incêndio, entre outros, devido ao seu estado de abandono. Atualmente, o espaço é administrado pela Arquidiocese do Rio.
No ano de 1967, o interior do santuário, em estilo barroco, ficou totalmente destruído, também por conta de um incêndio. Todos os elementos decorativos, como retábulos, altares e púlpitos se perderam. O local foi reaberto ao público somente em 1969, depois de um período de obras de reconstrução projetadas pelos arquitetos Lúcio Costa e Sérgio Porto.
Antiga Catedral do Rio
De acordo com o Iphan, a antiga Igreja de São Sebastião, no Morro do Castelo, já abrigava em suas dependências as confrarias de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, quando ocorreu a unificação das duas instituições, em 1667, que resultou na denominação Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos.
Em 1684, a Igreja de São Sebastião foi designada Catedral da cidade, o que provocou desavenças com a Irmandade, que resolveu abandonar as dependências do templo, mesmo que não tivesse igreja. Em 1708, a partir da doação feita por uma devota, ganhou um terreno, na então Rua da Vala, atual Rua Uruguaiana. As obras foram uma iniciativa de escravizados católicos e o santuário foi o primeiro visitado por Dom João VI e a Corte Portuguesa, na chegada ao Rio.
Em 1737 e até 1808, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos sediou a Catedral do Rio, por conta da ruína da Igreja de São Sebastião. Naquele período, foi realizado o batizado do Padre José Maurício. No local, também ocorreram diversas seções do Senado e da Câmara e, às vésperas da Independência, foi redigida a representação popular que levou ao "Dia do Fico". No templo, ainda estão os restos mortais do Mestre Valentim.
*Colaborou Reginaldo Pimenta
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