O saudoso Silvio Santos dizia em seu programa de auditório: "Quem quer dinheiro?". Claro que a resposta certa é: todos e todas. Mas será que vale a pena arriscar seu patrimônio ou o pouco que se tem para tentar duplicar, triplicar ou quadriplicar sua renda? Às vezes, o tiro pode sair pela culatra como reza o antigo ditado e a pessoa, além de se endividar, pode ter sua saúde mental completamente abalada mesmo quando pensa que está no controle de tudo. Esse é o caso de muitas pessoas aficcionadas pelas Bets (jogo de apostas que virou uma febre no Brasil) e nem pensam sobre o vício. A cuidadora de idosos Nilda Silva, de 48 anos, é daquelas que pensam ter o total controle de quanto pode apostar e não se considerada uma viciada em jogos.
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"Eu jogo tem uns dois anos. Jogo na loura, no Lobo 88 e em várias plataformas Sempre procuro a que está pagando mais. Gosto mais da plataforma Lobo. Eu já perdi muito dinheiro, mas também ganhei e o que eu ganhei compensa o a perda. Você tem que ter um controle porque senão bota tudo a perder. Eu tenho muita cabeça para jogar. Quando eu vejo que a plataforma não está pagando eu saio e jogo outra hora. Como eu trabalho de dia, só jogo à noite".
Nilda afirma que gosta da brincadeira’ e que as plataformas são boa fonte de renda. "Eu gosto de jogar. Só que quando eu vejo que a plataforma não está pagando eu saio e não jogo muito dinheiro. Eu acho assim: a plataforma paga muito dinheiro? Paga e a maior quantia que eu já ganhei foi R$ 8 mil de uma vez só. Eu coloquei R$ 50 e ganhei esse valor. Já aconteceu de eu apostar R$ 30 e ganhar R$ 5 mil. Também apostei R$ 100 e não ganhei nada"
Nilda afirma que ela tem limites. "Se eu botar R$ 25 igual eu coloquei hoje e ganhar R$ 400 para mim está ótimo, pois é uma diária minha. Agora tem gente que ganha R$ 400 e joga esse valor, mas perde tudo. Eu não gosto assim. Quem é que com 25 reais vai ganhar R$ 400? É muito difícil. Nem você aplicando, você não ganha esse dinheiro todo. Então eu joguei R$ 25, ganhei meus 400 reais, já saquei. O dinheiro que eu pego em joguinho compro coisas para mim e minha família", afirma.
Com o dinheiro das apostas, Nilda realizou um sonho: "O casamento da minha filha eu fiz todinho com o dinheiro do jogo. Os R$ 7 mil que eu ganhei, gastei todo no casamento da minha filha. Então, assim, o joguinho é muito bom. Vicia, ele vicia. Se a pessoa tiver uma mente fraca, vicia. Se a pessoa não tiver um controle, se a pessoa for descontrolada. Mas eu sou muito controlada, graças a Deus".
Profissionais falam sobre os jogos
O controle citado por Nilma é bem relativo. De um simples gosto por jogar para o vício pode ser um pulo. É de conhecimento de todos que muitos jogadores natos perderam dinheiro, carros e até apartamentos em jogos de azar, seja em cassinos ou em outros tipos de bets. Em entrevista ao jornal O DIA, o neuropsicólogo Rodrigo Maciel e o psiquiatra Leonardo Lessa, diretor médico do Hospital Casa Menssana, no Grajaú, comentam sobre as Bets.
O DIA: O vício em apostas em Bets e no Tigrinho está aumentando cada vez mais. A que o senhor atribui essa febre?
Rodrigo Maciel: O aumento do vício em apostas, especialmente nas plataformas online como Bets e no jogo do Tigrinho, está associado a vários fatores, não podemos categorizar apenas de forma isolada. Porém, a facilidade de acesso por meio dos dispositivos eletrônicos móveis tem contribuído para a frequência e o aumento dos casos, uma vez que a aposta pode ser realizada a qualquer hora e lugar. Além da possibilidade de ganhos rápidos e a adrenalina reforçam esses comportamentos disfuncionais.
Leonardo Lessa: No Brasil, houve recente popularização de jogos oferecidos em plataformas eletrônicas, representados pelo Jogo do Tigrinho e seus análogos, que funcionam como uma espécie de cassino online que promete altos ganhos.
O DIA: Por que algumas pessoas se viciam em jogos e outras não, mesmo quando gostam de jogar?
Rodrigo Maciel: É importante entender que o vício/dependência em jogos é uma psicopatologia, está classificado dentro do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) como transtorno do jogo, que é influenciado por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, e uma vez que geram prejuízos, é necessário o acompanhamento profissional. Algumas pessoas têm uma predisposição genética para comportamentos compulsivos, enquanto outras podem estar passando por situações emocionais difíceis, como estresse ou depressão, e veem no jogo uma forma de escape. É preciso avaliar a particularidade de cada um e compreender quais são os fatores motivadores e mantenedores desse comportamento.
Leonardo Lessa: O jogo patológico é classificado pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) como um transtorno de hábitos e impulsos e o diagnóstico é realizado através de entrevistas com o paciente e familiares, podendo acometer indivíduos desde a época da infância e da adolescência.
O DIA: Por lei, algumas Bets são aprovadas e outras não. Também foi proibido o Bingo no Brasil. O senhor acredita que o governo ficou preocupado de alguma forma com a saúde mental do cidadão? Ou trata-se apenas de algo comercial?
Rodrigo Maciel: A proibição do Bingo e a regulação de algumas plataformas de apostas são alternativas que podem auxiliar a reduzir o acesso e proteger a saúde mental dos cidadãos, mas ainda assim não o suficiente. O transtorno do jogo pode gerar problemas sérios que afetam tanto os indivíduos quanto suas famílias, então é um problema danoso que gera repercussão negativa não somente em termos de saúde mental, mas também econômico e social.
Leonardo Lessa: O governo tem preocupações que estão ligadas não apenas à saúde mental, mas também à regulação e tributação das atividades que envolvem as Bets no país.
O DIA: Sabemos que crianças não podem jogar, mas, infelizmente, acontece e muito. Quais atitudes os pais devem tomar para evitar que seus filhos se viciem em jogos?
Rodrigo Maciel: A prevenção começa com a educação, e a educação dentro do lar, não terceirizar a orientação a escola ou afins, os pais e/ou responsáveis precisam conversar abertamente com seus filhos sobre os riscos do jogo, os prejuízos gerados, assim como também é de suma importância estabelecer limites claros para o uso de tecnologia e supervisionar o acesso a sites e aplicativos de apostas. É necessário um monitoramento para evitar o contato com essas atividades, e procurar ser exemplo para os filhos, evitando fazer uso desse tipo de comportamento.
Leonardo Lessa: Crianças e adolescentes não devem ter acesso a jogos de azar, assim como acontece com outras atividades que possam cursar com dependência, assim como o uso de tabaco e bebidas alcoólicas.
O DIA: E os que já estão viciados, o que eles devem fazer para parar com essa atividade?
Rodrigo Maciel: O primeiro passo é reconhecer que há um problema e a necessidade de intervenção profissional, pois muitos jogadores são resistentes em identificar o quanto tem sido prejudicados, há também questões relacionadas ao sistema de recompensa do cérebro: algumas pessoas são mais sensíveis à liberação de dopamina que o jogo proporciona, o que pode levá-las a repetir o comportamento em busca dessa sensação de prazer, tornando esse processo ainda mais difícil. A terapia cognitivo comportamental (TCC) que é a abordagem em que atuo na clínica no formato online ou presencial, reúne evidências científicas que demonstram a eficácia no tratamento, através da identificação dos padrões de pensamento que a levam a apostar e a desenvolver estratégias para resistir à tentação. Grupos de apoio, como os Jogadores Anônimos, também são muito úteis.
Leonardo Lessa: Os que estão dependentes podem contar com diferentes modelos de tratamento, grupos de auto-ajuda e acompanhamento multiprofissional, como o grupo de Jogadores Anônimos. É recomendável que esses indivíduos e seus familiares passem por avaliação de profissional da saúde mental.
O DIA: Como a pessoa deve fazer para procurar ajuda?
Rodrigo Maciel: O ideal é buscar um psicólogo ou psiquiatra especializado preferencialmente com expertise na área, e após a avaliação com o paciente, será estruturado um plano de tratamento conforme a demanda e o contexto do paciente, que pode incluir terapia individual ou em grupo, além de outras intervenções médicas, se necessário. O formato dos atendimentos online também tem favorecido e facilitado o acesso a um tratamento de qualidade adequado para o formato online, hoje atendo pacientes de todo o Brasil e brasileiros fora do país, e temos obtidos excelentes resultados. Existem também linhas de apoio e organizações não governamentais que oferecem suporte para jogadores compulsivos e suas famílias.
Leonardo Lessa: O tratamento para o jogo patológico vai depender do caso, mas pode conter consultas frequentes com psicólogo e psiquiatra, sessões de psicoterapia, participação em grupos de autoajuda e até mesmo o uso de medicamentos. O tratamento é focado na melhora da condição de adicto ao jogo para que possa viver uma vida com mais qualidade.
O DIA: O que essas pessoas perdem quando passam grande parte do tempo de suas vidas apostando?
Rodrigo Maciel: Podem ser prejudicadas não somente no que competem aos prejuízos financeiros, mas também conflitos nos relacionamentos, no trabalho, perda de credibilidade, e até mesmo questões emocionais com a autoestima, vergonha, culpa, isolamento social, perder oportunidades. E a saúde mental também é prejudicada, com o tempo pode desencadear um transtorno ansioso e/ou depressivo associado a essa dificuldade já existente.
Leonardo Lessa: Perda de relacionamentos, emprego ou oportunidades educacionais ou profissionais devido ao jogo.
O DIA: A compulsão pelo jogo seria a mesma que se tem pela droga, comida, bebida e cigarro?
Rodrigo Maciel: A compulsão pelo jogo é considerada semelhante a outros vícios, como drogas, álcool ou comida, todas essas dependências envolvem o sistema de recompensa do cérebro, em que a pessoa busca constantemente o prazer ou o alívio de sensações desagradáveis. Assim como na dependência por uso de substâncias, o jogador compulsivo sente uma necessidade crescente de apostar para obter a mesma sensação de euforia, e as consequências são tão graves quanto outros tipos de dependência.
Leonardo Lessa: Sim, a compulsão pelo jogo está relacionada à ativação dos mesmos circuitos de recompensa cerebral relacionados ao consumo de outras substâncias de abuso, o que acarreta nos indivíduos descontrole dos impulsos e alterações da autorregulação.
O DIA: Existe cura para esse tipo de vício?
Rodrigo Maciel: Em saúde mental, falamos em controle, remissão de sintomas, então existe tratamento para o controle, através do suporte profissional especializado, seja através de terapia, medicamentos ou grupos de apoio, a recuperação é possível, mas exige um compromisso contínuo com o tratamento e uma rede de suporte sólida.
Leonardo Lessa: Existe tratamento, tendo em vista que se trata de problema complexo e envolvendo múltiplos fatores. É necessário avaliar comorbidades, como transtornos de humor e de ansiedade. A informação é sempre uma importante ferramenta e considerando a prevalência do transtorno estruturamos um curso de especialização direcionado às dependências digitais. Para maiores informações basta acessar: nonahub.com.br
Orientações para que o jogador não se sinta lesado
O advogado Daniel Blanck, especialista em direito do consumidor, explica que a legislação em relação a jogos de azar ainda se encontra em fase de implementação e não existe um controle efetivo do poder público no cumprimento do que foi determinado pelo Ministério da Fazenda. "No site do Ministério da Fazenda é possível verificar quais sites estão autorizados a operar no Brasil. Na lista nacional, há agora 93 empresas com respectivamente 205 bets. Já as listas dos estados têm 18 empresas. O primeiro passo é o consumidor realizar a verificação se a plataforma escolhida está autorizada a funcionar, caso negativo, corre o risco de perder os valores depositados, uma vez que a Anatel já iniciou um procedimento de tirar do ar aqueles sem autorização para funcionamento".
Muitos jogadores se sentem lesados quando apostam e, às vezes, não recebem. O profissional dá algumas orientações para que os consumidores não sejam prejudicados. "O resultado do jogo online deve ser determinado pelo desfecho de um evento futuro aleatório, ou seja, a partir de um gerador randômico de números, símbolos, figuras ou objetos; O fator de multiplicação que define quanto o apostador receberá caso seja premiado deve ser indicado no momento da aposta. É necessário que a tabela de pagamento que indica todas as possibilidades de ganhos do apostador seja oferecida antes da aposta; Deve-se considerar que o jogador abandonou o jogo caso ele inativo por 30 minutos.
Blank elenca os cuidados que o jogador deve ter e até o que fazer em caso de denúncia
- A tabela de pagamentos e as regras do jogo devem ser claras e justas, para que o apostador não seja enganado; - As informações sobre ganhos com apostas mínimas, máximas e outras apostas devem ser claras; - A tabela de pagamentos deve ser exibida antes das apostas; - Quando instruções de multiplicadores são exibidas na arte gráfica, deve estar claro a quais situações o multiplicador será aplicado; - A tela de ajuda sempre deve estar disponível ao usuário, sem que seja necessário fazer depósito ou aposta para que ela seja acessada; - As possibilidades de ganho não podem ser alteradas após a aposta; - As plataformas não podem prometer ganhos futuros como pagamento triplo em breve. - O canal para denúncias junto ao Ministério da Fazenda deverá se dar junto a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) pelo canal da Ouvidoria. Em caso de fraudes, poderá ainda buscar autoridade policial ou mesmo o Ministério Público.
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