A fachada da Casa Ronal McDonald e o transporte que leva os pacientes para os tratamentos Divulgação

Rio - Transformar a dor em amor nem sempre é possível, mas quem consegue prova que fazer bem ao próximo é muito gratificante. Este é o caso de Francisco e Sonia Neves, que perderam o filho Marquinhos aos 8 anos para a leucemia e fundaram a Casa Ronald McDonald do Rio de Janeiro, no Maracanã, com o intuito de ajudar outras crianças e adolescente com os mais variados tipos de câncer. Na quinta-feira (24) foram comemorados os 30 anos da instituição na Mansão Carioca, no Alto da Boa Vista. Na ocasião, houve o leilão de uma obra da artista Rafa Mon com o objetivo de conseguir verbas para a instituição. 
Nesses 30 anos foram atendidas 4.412 crianças acompanhadas de seus pais. Para conseguir manter tudo com perfeição, a entidade conta com a maior parte da verba de  patrocínio do Mc Donald´s  e com doações de pessoas jurídicas e físicas. "Com a verba proveniente do evento McDia Feliz, conseguimos manter 45% do nosso custeio. O resto, nós corremos atrás como qualquer outra instituição filantrópica, fazendo bazar, cadastrando pessoas para serem membros contribuintes e com eventos de captação. Também aceitamos doações de pessoas físicas para que façam contribuições mensais porque nem tudo podemos pagar com alimentos. Só a conta de luz gira em torno de R$ 22 mil reais", explica Sonia Neves.
Ao saber da vida de quem esteve na casa e superou a doença, a presidente se sente gratificada. "Quando vejo pessoas que foram da casa e conseguiram vencer, eu me emociono muito.O amor que eu dedicava a meu filho, agora eu dou a outras pessoas, e isso me faz feliz e me fortalece também, sabendo que, apesar da perda, ele está ali em cima torcendo por nós e nos ajudando até nos momentos difíceis pois às vezes o dinheiro não é pleno para você atender todas as necessidades. São pessoas mais humildes, com questões de dificuldades financeiras e de moradia".
Além de prover a questão a habitação, o objetivo é que crianças e adolescentes não interrompam o tratamento. "Assim aumentam as chances de cura, mas também abraçamos a família, porque o pai e a mãe sofrem, às vezes eles não têm condições financeiras, então a gente também ajuda oferecendo uma bolsa de alimentos. Muitas vezes  moram num espaço não adequado para uma criança  em quimioterapia, com a diferença de espaço, a gente faz algumas intervenções nas casas dessas pessoas, às vezes são mobiliários que elas precisam, não tem uma geladeira para conservar a medicação, um móvel, um berço adequado para a criança, às vezes a criança dorme junto com as mães. Temos assistente social que também vê essas outras demandas, para dar tranquilidade a essa mãe durante esse período. Muitos deixam de trabalhar, às vezes o pai já está desempregado, a mãe era a fonte de renda e também precisa parar para acompanhar a criança".

Importância do voluntariado

De acordo com dona Sonia Neves, os cerca de 300 voluntários são muito comprometidos. Eles fazem de tudo na casa. "Ajudam a servir a refeição, abastecer os quartos com o necessário, a ver o que falta. São eles que mostram para as mães a instituição, onde ficam as coisas, porque a casa é grande". Se alguém tiver interesse de ser voluntário deve saber de algumas regras como não passar receitas caseiras para os pacientes nem tentar incutir crenças religiosas. Quando o voluntário chega é realizada uma entrevista para ver se ele tem estrutura emocional porque às vezes a criança ou adolescente não resiste e é feito um treinamento para mostrar como a casa surgiu e como é o funcionamento no dia a dia.
Desde 2017, a professora Aida Sun, de 79 anos, é uma das voluntárias da casa no projeto Costurando o Futuro, no qual ensinam as mães a costurar. Todas as segundas-feiras, durante três horas, Aida está no local. "O trabalho consiste em apresentar a máquina para as mães das crianças com neoplasia, ensinar os primeiros passos e logo fazer peças como lençol, fronhas, bolsas, necesseries, Algumas conseguem uma renda extra costurando em casa. Nós, voluntárias, também fazemos peças para o bazar para prover renda", diz Aida.

'Sementinha para construir'
Para superar a dor da perda de um filho, o casal contou com a ajuda de todos. "Tive muito apoio da minha família, até do meu filho mais velho, dos amigos que acompanharam toda essa trajetória e de uma grande amiga que me fortaleceu espiritualmente e me fez ver que tudo tem um propósito. Num primeiro momento, a gente briga com Deus. Nossa, por que meu filho? Dois anos, não fez maldade a ninguém e tantas pessoas ruins aí no mundo. Por que meu filho? Mas depois eu entendi. Tanto é que hoje a gente diz que ele foi a sementinha para a gente construir essa casa, que o amor construiu, como eu costumo falar, porque foi feito realmente com muita paixão com muito envolvimento de amigos que acreditaram e acompanharam a minha história".

Histórias de superação

Quem vê Eduardo Francisco Silveira Passos, de 19 anos, com uma vida normal não imagina o que ele passou. Aos seis anos ficou sem andar e perdeu o movimento do braço direito. Foi diagnosticada uma leucemia e Dudu, como é carinhosamente chamado, teve que fazer três anos e meio de quimioterapia, transfusão de sangue e ficou nove meses, acompanhado da mãe, a neuropiscopedagoga Erika Passos, de 49 anos, na Casa Ronald McDonald.
"Somos do Rio mas morávamos no interior do Paraná e sempre vínhamos aqui de férias. Numa dessas, meu filho passou a apresentar muita piora e foi internado no Hospital do Fundão, na Ilha do Governador. Na época minha sogra morava em São Gonçalo, mas a médica disse que não poderíamos ficar lá nem em Maricá (casa de praia da família) porque Dudu poderia morrer no caminho. A assistente social do Fundão me indicou a casa e ficamos lá durante todo o tratamento, quase nove meses. Meu filho ia ao hospital e o transporte da instituição levava e trazia de volta. Se eu tiver que descrever a Casa Ronald Macdonalds é isso: A vida do meu filho", afirma Erika que perdeu a mãe com câncer de mama em 2022. "Infelizmente não tem uma casa dessas para senhoras, só para crianças e adolescentes. Tinha dias que eu não sabia quem levar para o tratamento, minha mãe ou o Dudu".
Para ela, o filho é um sobrevivente. "Você vê uma pessoa com câncer curável e outros não e vê que seu filho não morre, não é só medicamento, é Deus, a cura, e a Casa Ronald McDonald", diz ela, acrescentando que Dudu teve alta no ano passado e não ficou com sequelas. "Ele poderá ter filhos", vibra Erika.

Do Nordeste para a cura no Rio de Janeiro
Em 2005, Edvania Toledo, especialista na amplitude dos cuidados, descobriu que o filho Carlos Gabriel Toledo, de apenas quatro, estava com um tumor cerebral na base do crânio, desconhecido para a ciência da época. Eles moravam em Recife, não tinham quase recursos financeiros, e tiveram que viajar para o Rio com as passagens doadas por um amigo e R$ 800 e uma campanha no Hospital Oswaldo Cruz, na capital de Pernambuco para tentar salvar o filho.
"Nos hospitais me disseram que Gabriel só teria três meses de vida, mas eu não acreditei. Eu teria que levar o meu filho para o Inca, no Rio. Para nós que somos do interior era como se fôssemos para o Japão". Ao chegar no INCA alguns profissionais disseram que não tinham o que fazer e Edvania afirmou que teria sim. "Eles disseram que abririam a cabeça do meu filho e que serviria para estudo. Foram 14 horas de cirurgia e hoje, passados 21 anos está tudo bem. Ele acabou de se formar em jornalismo”, orgulha-se Edvania.
Na época, foi indicado que Edvania procurasse a Casa Ronald McDonald e assim foi feito. "Fomos acolhidos pela casa muito bem. Gabriel ficou encantado porque as instalações eram bem modernas. É muito amor envolvido. Você não paga nada e tínhamos suíte, cinco refeições diárias. Transporte e ainda vários cursos para fazermos. Nós ficamos três anos lá e, quando eu consegui um emprego, aluguei uma casa para que a vaga fosse para outra pessoa".
Depois de tanta ajuda, Edvania e o filho só querem mesmo retribuir. Atualmente, ela e Carlos Gabriel são voluntários na Casa Ronald McDonald: Edvania faz uma roda de conversa com as mães que estão passando pelo mesmo problema e ele participa de palestras. "Acolho as mães dos filhos com câncer. É uma troca. Temos que ter muita fé. Lutar sempre, desistir nunca".
'A logística é muito boa'
Apesar de não morar fora do Rio de Janeiro, a hoje nutricionista Mylena Teixeira, de 25 anos, lembra com carinho os oito dias que passou na entidade após o diagnóstico de leucemia linfóide aguda. "A casa é super agradável. Tem uma logística muito boa, as refeições são ótimas, eles sempre fazem festinha, e levam as crianças para passear. Eu tinha 13 anos e fiquei pouco tempo porque eu morava em Bento Ribeiro e o Inca era na cidade, mas como eu teria que fazer radioterapia todo dia fiquei lá. E quando eu não dormia, fazia o tratamento e almoçava na casa".
Mylena afirma que a instituição dá todo o suporte para os pacientes. "Eles nos levam para o Inca e trazem. Na época, se não houvesse o ônibus pagavam o táxi para levar e trazer. Lembro que o quarto era com ar-condicionado e extremamente limpo", conta ela acrescentando que os voluntários fazer o melhor.
"Só tenho pontos positivos para relatar. Eles sempre levantam o astral não só das crianças, mas dos pais e das mães. Geralmente são as mães que ficam por lá muito tempo. Então, eles criam aulas de artesanato, levam palhaços. Tudo para interagir um pouco mais".

Projeto com chancela da rede de fast food

Em 1992, no Rio de Janeiro, nascia a Associação de Apoio à Criança com Neoplasia, com reconhecimento do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Em 1994, após Francisco participar como voluntário do McDia Feliz – ação que ocorre anualmente nas lanchonetes McDonald’s, com o propósito de levantar recursos financeiros para apoiar o tratamento de pessoas com câncer – e ter a oportunidade de contar a sua história para um dos responsáveis da marca McDonald's no Brasil, o projeto recebeu a chancela da maior rede de fast-food do mundo. Assim, surgiu a Casa Ronald carioca, a primeira da América Latina e a 162ª do mundo, situada na Rua Pedro Guedes, 44, no Maracanã.