Rio - O Ministério Público do Rio vai analisar a diferença entre as penas imputadas a Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Segundo o promotor Flávio Vieira, que atuou no caso, neste momento não é possível afirmar se a sentença lida pela juíza cabe ou não recurso, mas pontuou 'diferença discrepante'.
Lessa recebeu a pena de 78 anos de prisão e nove meses, e Élcio a de 59 anos e oito meses. Eles foram condenados pelos crimes: duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima); tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle; receptação do Cobalt prata, clonado, que foi usado no crime.
"Todos foram condenados em todos os crimes imputados. Agora, vamos olhar a sentença com calma e ver se é o caso de recorrer. Vimos uma diferença entre Élcio Queiroz e Ronnie Lessa de 20 anos, algo discrepante. Vamos analisar com calma e ver se vamos recorrer”, disse o promotor.
Ele reforçou ainda que essa quinta-feira (31) se tornou um dia histórico para o Brasil e para a justiça. "É um dia importante para a justiça do Rio de Janeiro e para o país, é um marco para o MPRJ", afirmou.
Questionado se a pena dos condenados será diminuída por causa da delação premiada, o promotor assegurou que eles vão cumpri, pelo menos, 30 anos da sentença. "Os acordos da delação premiada serão cumpridos. O que podemos assegurar é que eles vão cumprir 30 anos de pena, que é o máximo que prevê a Justiça. Qualquer réu, seja ele quem for, tem direito de defesa. É um direito deles recorrer ainda", disse.
Os ex-PMs firmaram um acordo de delação premiada, no qual ficou estabelecido que Ronnie Lessa cumprirá, no máximo, 18 anos em regime fechado e mais 2 anos em semiaberto, enquanto Élcio ficará, no máximo, 12 anos em regime fechado. Esse prazo começou a ser contado a partir da prisão de ambos, em 12 de março de 2019.
Como parte do acordo, ambos obtiveram o benefício de transferência dos presídios federais de segurança máxima para penitenciárias estaduais. No entanto, o acordo poderá ser anulado caso seja comprovado que algum dos dois mentiu durante o processo de delação.
A mãe de Marielle afirmou que a sentença atendeu ao que eles esperavam. "Atendeu ao que a gente esperava. Não só eu quando mãe, são 6 anos que estamos lutando e nunca paramos de acreditar."
Monica Benício, vereadora do Rio e viúva de Marielle, exaltou a sentença lida pela juíza: "O discurso da sentença fez jus à nossa luta. Marielle foi morta pelo que defendia. Não há justiça que traga eles, mas é o principal recado: que não tenham a sensação de impunidade. A gente segue na luta, em especial para derrotar o que assessorou eles: a violência política. Os assassinos achataram que o seu corpo era descartável. Marielle presente é levada a sua memória adiante para seguir na luta".
Agatha Arnaus, emocionada, disse que não viu verdade no pedido de perdão dos réus confessos durante o julgamento. "Eu vi um pedido de perdão por alguém que não tem nenhum sentimento. Quem tem que perdoar é Deus ou algo que ele acredita. Que eles eram assassinos a gente já sabia", disse. Agatha também se referiu aos irmãos Brazão, apontados como mandantes do crime. "A morte deles foi encomendada com o dinheiro da população, hoje tem parlamentares sendo investigados por isso", disse
A ministra da Igualdade Racial Anielle Franco, irmã de Marielle, relembrou seu discurso de 2018, quando afirmou que buscaria justiça pela vereadora após o assassinato. Ela reforçou a importância de honrar o legado de sua irmã e de todos aqueles que são vítimas da violência.
"Foram dias e noites vendo a dor. O maior legado que ela deixa para esse país é que mulheres, pessoas negras, quando chegam nos seus postos merecem estar vivas. A justiça começou a ser feita. A justiça melhor seria se não tivéssemos aqui hoje. A gente está aqui hoje dando uma resposta para o mundo inteiro. Aqui a gente responde com muita força: enquanto tiver sangue correndo sangue nas veias, vamos defender o legado de Marielle e Anderson. As pessoas precisam parar de normalizar isso, ver corpos tombados pela violência. Não vamos parar por aqui. Em 2018 eu disse que ia buscar justiça. Ainda tem muito caminho pela frente", afirmou.
Julgamento
O julgamento dos réus confessos começou na manhã de quarta-feira (30) e terminou somente às 18h30 desta quinta-feira (31). No primeiro dia foram ouvidas oito testemunhas, sendo seis de acusação e duas de defesa, além dos réus.
O ex-PM Lessa afirmou que objetivo não era atingir Anderson. Enquanto o réu falava, Luyara Franco, filha de Marielle, deixou a sala onde acontece a audiência. Já Ágatha Arnaus, viúva de Anderson, chorou quando Lessa mencionou a morte do marido.
O ex-militar ainda contou que Marielle deveria ter sido executada antes, mencionando que, em uma ocasião, ela chegou a visitar duas vezes um bar na Praça da Bandeira, próximo ao local de trabalho de Edmílson Oliveira da Silva, o 'Macalé'. No entanto, a ausência dele no local teria adiado o plano.
Já Élcio declarou que tentou impedir a execução de Marielle Franco, temendo que os disparos atingissem também a assessora da vereadora, Fernanda Chaves. Perguntado sobre o que teria feito para tentar impedir o caso, disse que torceu por “algo anormal”.
Já no segundo dia, foi a vez da promotoria e defesa dos acusados. Os promotores argumentaram que os réus tinham a intenção de matar todos os ocupantes do veículo, diferente do que alegaram em depoimento, onde afirmaram que o alvo seria apenas Marielle e que Élcio não teria intenção de matar ninguém.
Foram apresentados elementos da investigação para corroborar essa tese, incluindo a trajetória das balas, a proximidade dos carros no momento do ataque e a experiência de Ronnie Lessa como atirador. Segundo o promotor Eduardo Martins, Élcio sabia que o objetivo era eliminar todos, já que, como ex-policial militar, tinha pleno conhecimento do poder de destruição da arma utilizada no crime e pela maneira como posicionou o veículo para que Lessa disparasse contra as vítimas.
O promotor Fábio Vieira reforçou que os réus não demonstraram arrependimento e que apenas optaram pela delação premiada após as evidências apontarem diretamente para eles como os executores. Vieira classificou os dois como sociopatas, enfatizando a falta de arrependimento demonstrada.
O que alegou a defesa?
Os advogados de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz tentarem argumentar que não fossem incluídas nas condenações do ex-PMs as qualificadoras do homicídio por motivo torpe e de recurso que impossibilitou as defesas das vítimas, uma vez que já foram imputados por emboscada. As defesas solicitaram que os réus confessos fossem condenados pelas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, de acordo com suas culpabilidades.
O advogado Saulo Carvalho, que representa Ronnie Lessa, alegou que, diferente da denúncia do Ministério Público do Rio, de que o crime foi cometido por motivo torpe, por conta da atuação política da vereadora, especialmente na questão fundiária, Lessa assumiu que matou a parlamentar por questões financeiras, já que receberia dos mandantes lotes e terrenos para exploração.
Além disso, Carvalho reforçou que o ex-PM não pretendia assassinar Anderson Gomes e a assessora Fernanda Chaves, uma vez que não voltou ao local após o crime, para verificar se todos estariam mortos.
Em sua fala, a advogada Ana Paula Cordeiro reconheceu a gravidade dos crimes praticados por Élcio de Queiroz, mas disse ao Júri que ele era morador do Engenho de Dentro, no subúrbio do Rio, filho de caminhoneiro, e que enfrentava dificuldades financeiras desde que foi expulso da Polícia Militar, e por isso recorria a Lessa para conseguir trabalhos.
A defesa relatou que no dia do crime, o acusado havia saído para trabalhar às 5h, até que recebeu uma mensagem do outro réu para o ajudar com o crime. Ao pedir a exclusão do motivo torpe das qualificadoras do crime, Cordeiro alegou que o ex-PM conheceu a vereadora pelo comparsa, naquele dia, e nunca tinha ouvido falar sobre ela antes.
Relembre o caso
Ronnie e Élcio foram presos em 12 de março de 2019, cerca de um ano após a execução da vereadora e do seu motorista. Na prisão, Ronnie já teria confessado ser o autor dos disparos que atingiram o carro da parlamentar. Enquanto Élcio era o responsável por dirigir Chevrolet Cobalt prata, usado na emboscada.
Desde que o caso aconteceu, as investigações sobre a morte de Marielle passaram por várias instâncias da segurança pública no Rio, com trocas de delegados responsáveis pela Delegacias de Homicídios (DH). Os últimos episódios desses mais de seis anos sem resposta foi a prisão dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados por Lessa como mandantes do assassinato da vereadora, em 24 de março deste ano.
O crime teria sido encomendado pelos irmãos, réus desde junho em processo que também apura a morte da vereadora e do motorista. Segundo investigação da Procuradoria Geral da República (PGR), a morte de Marielle seria uma maneira de frear os embates da parlamentar contra os loteamentos clandestinos de terras na Zona Oeste. A vereadora teria sido contra uma série de projetos de leio que favoreciam ao clã Brazão. Os dois possuíam interesse econômico direto na aprovação das normas legais que facilitassem a regularização, uso e ocupação do solo na Zona Oeste, que inclui áreas dominadas pela milícia.
A vereadora Marielle Franco foi assassinada na noite de 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, Região Central do Rio. A parlamentar, que estava acompanhada do motorista Anderson Gomes, de 39 anos, e da assessora Fernanda Chaves, de 43, voltavam de um evento de mulheres negras na Rua dos Inválidos, na Lapa.
O carro onde a vereadora estava passava pela Rua Joaquim Palhares, próximo a Praça da Bandeira, quando um carro, modelo Chevrolet Cobalt, na cor prata, emparelhou com o veículo. Em seguida, foram feitos nove disparos. Quatro deles atingiram Marielle, sendo três na cabeça e um no pescoço. Anderson foi atingido por três disparos nas costas, ambos morreram dentro do carro. A assessora ficou ferida por estilhaços.
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