Rio - Os advogados de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz argumentaram, durante julgamento nesta quinta-feira (31), que as condenações do ex-PMs não incluam as qualificadoras do homicídio por motivo torpe e de recurso que impossibilitou as defesas das vítimas, uma vez que já foram imputados por emboscada. As defesas pedem que os réus confessos sejam condenados pelas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, de acordo com as culpabilidades.
O advogado Saulo Carvalho, que representa Lessa, alegou que, diferente da denúncia do Ministério Público do Rio, de que o crime foi cometido por motivo torpe, por conta da atuação política da vereadora, especialmente na questão fundiária, Lessa assumiu que matou a parlamentar por questões financeiras, já que receberia dos mandantes lotes e terrenos para exploração.
"Fica evidente, se a gente discutir sobre a torpeza da conduta dele, que ele diz que ele cometeu o crime não foi por uma atuação política da vereadora, mas por uma questão de terrenos. Ele receberia lotes em troca do cometimento do crime, o que não condiz com a imputação de que seria em decorrência da atuação política da vereadora", afirmou.
Além disso, Carvalho reforçou que o ex-PM não pretendia assassinar Anderson Gomes e a assessora Fernanda Chaves, uma vez que não voltou ao local após o crime, para verificar se todos estariam mortos. Ele também pediu que a qualificadora de recurso que impossibilitou defesa da vítimas não seja considerada, porque os réus já foram imputados pelo crime de emboscada. A defesa explicou que no código penal, no artigo que trata de homicídios, ambos constam do mesmo inciso e, caso os dois fossem considerados, os réus seriam condenados duas vezes pelo mesmo crime.
Durante a argumentação, o advogado afirmou que a colaboração de Ronnie Lessa foi essencial para que as investigações chegassem ao ex-chefe de Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, e aos irmãos Brazão, apontados como mandantes do crime. "Seis anos e sete meses, então, se não fosse o Ronnie Lessa, nunca teriam chegado (aos mandantes)", disse Carvalho, após exibir o vídeo em que uma testemunha questiona aos investigadores se eles vão encontrar os mandantes.
A testemunha que aparece na oitiva exibida pela defesa é um homem em situação de rua, que teria presenciado o crime e apontado o atirador como um homem negro, usando camisa que parecia ser do Flamengo. Apesar disso, o advogado não contestou a autoria do crime, uma vez que Lessa é réu confesso.
Segundo a defesa, o ex-PM sempre teve vontade de delatar os mandantes, mas não confiava nas instituições fluminenses e por isso não fez um acordo antes. Ele só teria se sentido seguro após ser procurado pela Polícia Federal para a delação.
"Sem a sua confissão, sem a sua colaboração, hoje o trabalho poderia ser muito mais difícil, muito mais explorado, com certeza seria um júri de quatro, cinco dias, explorando todas essas provas (...) É uma balança, de um lado você tem o Estado concedendo benefícios e, por outro lado, o Ronnie entrega informações relevantíssimas para a elucidação desse caso. Ele já tinha essa vontade de falar, mas ele não confiava nas autoridades do Rio de Janeiro", afirmou.
A defesa ressaltou que a delação de Lessa foi crucial para o desfecho do caso, pedindo aos jurados, portanto, uma pena justa. "Eu peço a condenação de Ronnie Lessa, que ele seja condenado de forma justa, que eles responda na medida da sua culpabilidade, do que ele fez", afirmou.
'Não era criminoso contumaz', diz defesa de Élcio
Em sua fala, a advogada Ana Paula Cordeiro reconheceu a gravidade dos crimes praticados por Élcio de Queiroz, mas disse ao Júri que ele era morador do Engenho de Dentro, no subúrbio do Rio, filho de caminhoneiro, e que enfrentava dificuldades financeiras desde que foi expulso da Polícia Militar, e por isso recorreia a Lessa para conseguir trabalhos.
"A defesa reconhece a gravidade dos crimes que o Élcio praticou, mas o que a gente busca é que ele seja responsabilizado de acordo com a sua culpabilidade (...) Ele não planejou, não participava da guarda do veículo, ele não comprou o veículo", justificou.
A defesa relatou que no dia do crime, o acusado havia saído para trabalhar às 5h, até que recebeu uma mensagem do outro réu para o ajudar com o crime. Ao pedir a exclusão do motivo torpe das qualificadoras do crime, Cordeiro alegou que o ex-PM conheceu a vereadora pelo comparsa, naquele dia, e nunca tinha ouvido falar sobre ela antes.
"Ao dirigir, ele achava que o Lessa ia a matar só Marielle, porque era exímio atirador. Sim, ele auxiliou no crime, mas o crime não foi ligado à atuação política, Élcio não tinha motivos políticos, Élcio foi assessor de Lindberhg Farias (PT), quando foi prefeito de Nova Iguaçu, então não tinha motivo torpe", afirmou Cordeiro.
A defesa disse também que o réu não tinha vontade de matar o Anderson e que nem assumiu risco, já que Ronnie foi o atirador. Sobre a qualificadora de recurso que dificultou a defesa das vítimas, Ana Paula apresentou os mesmos argumentos do advogado de Lessa.
Cordeiro pede, ainda, que Queiroz não seja condenado pela receptação do veículo usado no crime, já que nunca se apropriou do carro e não participou do monitoramento de Marielle antes da morte, apenas dirigiu. Já com relação a tentativa de homicídio de Fernande Chaves, argumentou também pela absolvição, já que, segundo a delegada, a assessora da vereadora se salvou porque se projetou para frente, e não porque a parlamentar a protegeu com o próprio corpo. Ao jurados, ela pediu uma condenação justa, dizendo que o réu "não era um criminoso contumaz".
O julgamento dos assassinos confessos de Marielle Franco e Anderson Gomes foi retomado na manhã desta quinta-feira (31). A sessão havia sido interrompida na noite anterior, após quase 14 horas de audiência. O segundo dia de julgamento teve início às 9h30, com os promotores apresentando suas alegações. Eles tiveram 2h30 para argumentar, seguidos pelas defesas de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.
A promotoria argumentou que os réus tinham a intenção de matar todos os ocupantes do veículo, diferente do que alegaram em depoimento, onde afirmaram que o alvo seria apenas Marielle e que Élcio não teria intenção de matar ninguém. A promotoria apresentou elementos da investigação para corroborar essa tese, incluindo a trajetória das balas, a proximidade dos carros no momento do ataque e a experiência de Ronnie Lessa como atirador.
O promotor Fábio Vieira reforçou que os réus não demonstraram arrependimento e que apenas optaram pela delação premiada após as evidências apontarem diretamente para eles como os executores. Vieira classificou os réus como sociopatas, enfatizando a falta de arrependimento demonstrada.
O procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Luciano Mattos, esteve presente e acompanhou o segundo dia de julgamento. Em entrevista coletiva, Mattos enfatizou a prioridade dada ao caso desde o início de sua gestão. Ele destacou a importância de uma resposta firme da Justiça e afirmou esperar a aplicação de uma pena "adequada" aos crimes cometidos pelos réus.
O primeiro dia do júri popular de Ronnie e Élcio teve duração de 13h50min. Nesta quarta-feira (30), foram ouvidas oito testemunhas, sendo seis de acusação e duas de defesa. Após as oitivas, os réus foram chamados para prestar depoimento. Lessa falou por cerca de 2h, assim como Queiroz.
Entre as testemunhas de acusação, foram ouvidas: Marinete Silva, mãe de Marielle; Luyara Franco, filha da vereadora; Mônica Benício, viúva da parlamentar; Agatha Arnaus, viúva de Anderson, e Fernanda Chaves, assessora de Marielle.
Relembre o caso
Ronnie e Élcio foram presos em 12 de março de 2019, cerca de um ano após a execução da vereadora e do seu motorista. Na prisão, Ronnie já teria confessado ser o autor dos disparos que atingiram o carro da parlamentar. Enquanto Élcio era o responsável por dirigir Chevrolet Cobalt prata, usado na emboscada.
Desde que o caso aconteceu, as investigações sobre a morte de Marielle passaram por várias instâncias da segurança pública no Rio, com trocas de delegados responsáveis pela Delegacias de Homicídios (DH). Os últimos episódios desses mais de seis anos sem resposta foi a prisão dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados por Lessa como mandantes do assassinato da vereadora, em 24 de março deste ano.
O crime teria sido encomendado pelos irmãos, réus desde junho em processo que também apura a morte da vereadora e do motorista. Segundo investigação da Procuradoria Geral da República (PGR), a morte de Marielle seria uma maneira de frear os embates da parlamentar contra os loteamentos clandestinos de terras na Zona Oeste. A vereadora teria sido contra uma série de projetos de leio que favoreciam ao clã Brazão. Os dois possuíam interesse econômico direto na aprovação das normas legais que facilitassem a regularização, uso e ocupação do solo na Zona Oeste, que inclui áreas dominadas pela milícia.
A vereadora Marielle Franco foi assassinada na noite de 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, Região Central do Rio. A parlamentar, que estava acompanhada do motorista Anderson Gomes, de 39 anos, e da assessora Fernanda Chaves, de 43, voltavam de um evento de mulheres negras na Rua dos Inválidos, na Lapa.
O carro onde a vereadora estava passava pela Rua Joaquim Palhares, próximo a Praça da Bandeira, quando um carro, modelo Chevrolet Cobalt, na cor prata, emparelhou com o veículo. Em seguida, foram feitos nove disparos. Quatro deles atingiram Marielle, sendo três na cabeça e um no pescoço. Anderson foi atingido por três disparos nas costas, ambos morreram dentro do carro. A assessora ficou ferida por estilhaços.
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