Segundo dia de julgamento dos assassinos confessos de Marielle e Anderson Brunno Dantas / TJRJ

Rio - O julgamento dos assassinos confessos de Marielle Franco e Anderson Gomes foi retomado na manhã desta quinta-feira (31). A sessão havia sido interrompida na noite anterior, após quase 14 horas de audiência. Os últimos depoimentos foram dos réus Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.


O segundo dia de julgamento teve início às 9h30, com os promotores apresentando suas alegações. Eles tiveram 2h30 para argumentar, seguidos pelas defesas de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, que terão o mesmo tempo de fala.
A promotoria defende a condenação dos acusados, destacando a força-tarefa organizada pelo Ministério Público para o caso, com provas e anexos detalhados. Ao júri, os promotores expuseram consultas realizadas por Ronnie Lessa, incluindo buscas de endereços, informações de pessoas e documentos próximas à Marielle Franco.

O promotor Fábio Vieira reforçou que os réus não demonstraram arrependimento e que apenas optaram pela delação premiada após as evidências apontarem diretamente para eles como os executores. "Para eles não importou a vida, eu estou contratado pra matar Marielle por dinheiro, se eu tiver que matar dois, três, não importa, se eu tiver que usar uma arma de alta potencia lesiva, não importa, porque eu quero isso no final das contas", disse.
Vieira classificou os réus como sociopatas, enfatizando a falta de arrependimento demonstrada. “Eles não estão arrependidos, e sim tristes de terem sido pegos. Em nenhum momento procuraram a Delegacia de Homicídios para confessar. isso só aconteceu quando as provas chegaram à conclusão de que os executores eram eles e não havia outra opção. Confessaram porque isso vai beneficiá-los de alguma forma. Isso é característica de um sociopata: ele não tem sentimento, não tem empatia. Eles não ligam para o que é o certo e o errado, mas têm medo de serem punidos depois que são pegos e foi o que aconteceu. Ter vantagem no final é o que os move", afirmou.
O promotor Eduardo Moraes Martins explicou ao júri que o acordo de delação prevê uma pena de 30 anos de prisão para os réus, destacando que este é um dos acordos mais rígidos que já viu. Segundo ele, quando decidiram pela delação, Lessa e Queiroz já estavam encurralados. O MP reforçou que, embora o acordo tenha ajudado a esclarecer informações, os réus seriam condenados de qualquer forma.
"Talvez seja um dos acordos mais rígidos feitos no Brasil. Não vamos reduzir a pena. Não vão sair daqui para cumprir 10, 20 anos; se, faltando um mês para o fim da pena, cometerem uma infração mínima, terão que cumprir a pena toda," afirmou.
Ele ainda detalhou que, para manter os benefícios do acordo, os réus não podem cometer faltas graves, como fugir do presídio ou agredir agentes da SEAP, sob pena de retornar à sentença original de 30 anos. "Temos certeza absoluta, com os elementos da denúncia, de que eles quiseram consumar dois homicídios e uma tentativa, e cada qualificadora está demonstrada", explicou.
A promotoria argumentou que os réus tinham a intenção de matar todos os ocupantes do veículo, diferente do que alegaram em depoimento, onde afirmaram que o alvo seria apenas Marielle e que Élcio não teria intenção de matar ninguém. A promotoria apresentou elementos da investigação para corroborar essa tese, incluindo a trajetória das balas, a proximidade dos carros no momento do ataque e a experiência de Ronnie Lessa como atirador. Segundo Eduardo Martins, Élcio sabia que o objetivo era eliminar todos, já que, como ex-policial militar, tinha pleno conhecimento do poder de destruição da arma utilizada no crime e pela maneira como posicionou o veículo para que Lessa disparasse contra as vítimas.

"Foram 14 tiros, pelo menos, que atingiram o carro. Ronnie testou a arma antes, deu uma rajada curta, de quatro a cinco disparos. Se eu quero matar apenas Marielle, porque sou bom atirador, por que não posiciono o carro atrás e aponto só para Marielle? Por que ele não atira apenas para trás? Por que escolhe varrer o carro de um lado ao outro? Porque ele quer matar todo mundo; sabe que, parando aqui (ao lado do carro), vai atingir todos, de surpresa, pelas costas. Se os senhores (jurados) quiserem acreditar em ‘acertei sem querer’. Se tivesse parado do lado e feito, no máximo, três disparos, usando outra arma, e se um tiro atingisse Anderson ou Fernanda por acaso, poderíamos até falar que ele não queria”, declarou.
Durante a sessão, o promotor detalhou as qualificadoras do crime. A primeira qualificadora, segundo ele, é o motivo torpe: o assassinato de Marielle Franco foi motivado pelo fato de ela ser vereadora, cuja atuação política em defesa do solo urbano impactava negativamente as atividades ilícitas dos réus. "Élcio disse que Ronnie não contou tudo, mas ele sabia que era uma vereadora, sabia que estava dirigindo o carro para matar alguém por esse motivo. Além de saber, ele entra no carro com alguém portando uma metralhadora em modo rajada, e achava que ela seria morta por quê, além de ser vereadora?" questionou o promotor, reforçando que o cargo e a atuação de Marielle foram decisivos para o ato criminoso. 
O promotor apresentou a segunda qualificadora: o uso de um recurso que dificultou a defesa das vítimas. Segundo ele, as mortes de Anderson e Fernanda também faziam parte de uma estratégia de "queima de arquivo" para eliminar possíveis testemunhas do crime. “A defesa não pode dizer que [Marielle, Anderson e Fernanda] não foram emboscados. Eles foram pegos pelas costas; Fernanda mal entendeu o que havia acontecido. O crime foi cometido mediante emboscada, um recurso que dificultou a defesa das vítimas,” afirmou.
Além dos promotores, a assistente de acusação, defensora pública Daniele Silva, defendeu que o debate sobre o crime também deve ser racializado, considerando que Marielle Franco era uma mulher negra, criada em comunidade e LGBTQIA+, e que seu mandato atuava, entre outras pautas, na defesa desses grupos. Ao concluir sua argumentação, Daniele pediu a condenação máxima dos ex-policiais militares. 
O defensor público Fábio Amado, atuando como assistente de acusação, destacou em seu depoimento a frieza e crueldade dos réus envolvidos no crime. Ele ressaltou que, após a execução, os acusados demonstraram uma atitude desumana. "Eles ficaram bebendo por horas, celebrando com festas, na sequência com viagens ao exterior, com champagne em Angra dos Reis, enquanto a família chorava e sangrava, e chora até hoje. Essa decisão que os senhores vão dar hoje ela é importante para o Brasil todo, é fundamental para todos os familiares, amigos, organizações, independente de orientação, independente de viés, todos valorizamos a vida e todos vemos quão cruel e desumano foi essa postura, por ganância, por ódio. Quem dá quatro tiros na cabeça tem muito ódio", disse.
O defensor afirmou que os réus Lessa e Élcio estavam plenamente cientes de suas ações, com o objetivo de matar todas as pessoas dentro do carro. Ele também enfatizou o papel crucial de Élcio, afirmando que ele não foi apenas um motorista, mas alguém envolvido diretamente na execução. "Imaginem, eu sou motorista de um carro, a pessoa que estava ao meu lado passa para trás e pega uma submetralhadora, coloca uma balaclava, uma touca ninja, apetrechos para abafar o som, aguardam por aproximadamente duas horas em um carro trancafiado para executar essas pessoas e ele não sabia o que ia fazer?", questiona.

Finalizando sua fala, Amado expressou a expectativa de uma condenação justa e proporcional à crueldade do crime, enfatizando que o momento era de dar uma resposta firme a uma ação tão brutal e meticulosamente planejada. "Hoje é o dia da resposta firme de um mal que merece ser reprimido, de uma mal que merece uma sentença adequada à crueldade e a frieza que exibiram, não só no dia, com esses requintes profissionais e bárbaros de carros clonados, armas específicas, aguardar, fazer campana", complementou.
Relembre o caso

Ronnie e Élcio foram presos em 12 de março de 2019, cerca de um ano após a execução da vereadora e do seu motorista. Na prisão, Ronnie já teria confessado ser o autor dos disparos que atingiram o carro da parlamentar. Enquanto Élcio era o responsável por dirigir Chevrolet Cobalt prata, usado na emboscada.

Desde que o caso aconteceu, as investigações sobre a morte de Marielle passaram por várias instâncias da segurança pública no Rio, com trocas de delegados responsáveis pela Delegacias de Homicídios (DH). Os últimos episódios desses mais de seis anos sem resposta foi a prisão dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados por Lessa como mandantes do assassinato da vereadora, em 24 de março deste ano.

O crime teria sido encomendado pelos irmãos, réus desde junho em processo que também apura a morte da vereadora e do motorista. Segundo investigação da Procuradoria Geral da República (PGR), a morte de Marielle seria uma maneira de frear os embates da parlamentar contra os loteamentos clandestinos de terras na Zona Oeste. A vereadora teria sido contra uma série de projetos de leio que favoreciam ao clã Brazão. Os dois possuíam interesse econômico direto na aprovação das normas legais que facilitassem a regularização, uso e ocupação do solo na Zona Oeste, que inclui áreas dominadas pela milícia.
A vereadora Marielle Franco foi assassinada na noite de 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, Região Central do Rio. A parlamentar, que estava acompanhada do motorista Anderson Gomes, de 39 anos, e da assessora Fernanda Chaves, de 43, voltavam de um evento de mulheres negras na Rua dos Inválidos, na Lapa.

O carro onde a vereadora estava passava pela Rua Joaquim Palhares, próximo a Praça da Bandeira, quando um carro, modelo Chevrolet Cobalt, na cor prata, emparelhou com o veículo. Em seguida, foram feitos nove disparos. Quatro deles atingiram Marielle, sendo três na cabeça e um no pescoço. Anderson foi atingido por três disparos nas costas, ambos morreram dentro do carro. A assessora ficou ferida por estilhaços.