Rio - Um estudo inédito revelou que pessoas negras e pardas são as mais afetadas pelas ondas de calor em áreas urbanas brasileiras. Desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz e da Universidade de Lisboa, a pesquisa destacou como as mudanças climáticas intensificam desigualdades sociais e raciais já existentes no país.
Publicado no início deste ano na revista PLoS ONE, o estudo “Twenty-first-century demographic and social inequalities of heat-related deaths in Brazilian urban areas (Desigualdades demográficas e sociais das mortes relacionadas ao calor em áreas urbanas brasileiras no século 21, em tradução livre) analisou dados entre 2000 e 2018. Os resultados apontam que o aumento da mortalidade decorrente do calor foi maior entre pessoas negras e pardas do que entre brancas em todas as 14 Regiões Metropolitanas investigadas, abrangendo cerca de 35% da população brasileira.
Nas regiões de Belém, Recife, Brasília e São Paulo, os índices de mortalidade relacionados ao calor para pessoas negras e pardas com 65 anos ou mais variaram de 1,33 a 2,30, superando os números para pessoas brancas, que ficaram entre 1,16 e 1,44. Além do recorte racial, o estudo também identificou maior vulnerabilidade entre mulheres, idosos e pessoas com menor nível educacional.
Racismo ambiental e vulnerabilidade social
Renata Gracie, coordenadora do Observatório de Clima e Saúde e uma das colaboradoras do estudo, reforça a relevância dos dados: “Embora ainda existam questionamentos sobre o racismo ambiental, já temos evidências claras de que as populações mais vulneráveis são as mais impactadas pelas mudanças climáticas.”
As ondas de calor, fenômenos climáticos relacionados ao aquecimento global, são difíceis de monitorar no Brasil e em outros países da América Latina, devido à falta de tradição em estudos sobre o tema. Contudo, eventos como os registrados em 2003 na Europa e no Japão, que resultaram em milhares de mortes, reforçaram a necessidade de atenção ao problema. No Brasil, a pesquisa delimitou pela primeira vez os períodos de ondas de calor em regiões metropolitanas, preenchendo essa lacuna no conhecimento científico.
De acordo com Renata, a combinação de racismo ambiental e vulnerabilidade social tem um impacto profundo nas comunidades mais afetadas. Populações negras e pardas, que muitas vezes vivem em situações de maior fragilidade social, enfrentam desafios adicionais, como a falta de acesso a serviços essenciais, como saneamento básico, moradia adequada e cuidados de saúde. Esses fatores, quando combinados com os efeitos das mudanças climáticas, como as ondas de calor, criam uma interseção perigosa entre injustiça social e riscos ambientais.
Renata explicou ainda que pessoas com menor nível de instrução também morrem mais nesses períodos. Muitas dessas populações possuem renda mais baixa e, no Brasil, são predominantemente negras e pardas, frequentemente sem acesso a educação, saúde ou empregos de maior qualidade, o que as leva a viver em áreas com infraestrutura urbana precária. “Essas condições aumentam o risco de doenças crônicas não diagnosticadas, que, em períodos de onda de calor, podem se tornar graves”, finalizou.
Diante do aumento das ondas de calor, os pesquisadores enfatizam a importância de fortalecer a atenção primária à saúde e de combater desigualdades raciais, de gênero e socioeconômicas para reduzir os índices de mortalidade. Somente com ações integradas será possível minimizar os efeitos devastadores das mudanças climáticas sobre as populações mais vulneráveis do Brasil.
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