Mais de 7 mil prisões por feminicídio ou violência doméstica foram registrados em agostoDivulgação

Em 1960, um caso aterrorizava todo o mundo, especialmente as mulheres. A mando o ditador da República Dominicana, Rafael Trujillo, foram torturadas e assassinadas as irmãs Patria, Maria Teresa e Minerva Maribal. Para que a data não fosse esquecida, a Organização das Nações Unidas, instituiu, em 1999 o 25 de novembro como o Dia Internacional Pela Eliminação da Violência Contra a Mulher. Além disso, neste mês, no Brasil, começou, dia 20, os 21 dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher, movimento criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa sensibilizar a sociedade para o tema.A campanha representa para o CNJ um marco no aprofundamento das políticas de combate à violência de gênero, feminicídio e outras formas de agressões no âmbito do Judiciário. A campanha, bem como outras ações, desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Justiça, estão em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) previstos na Agenda 2030, elaborados pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Com o objetivo de marcar a data, a Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher do Senado Federal promoveu uma audiência pública na semana passada para conscientizar a população sobre os diferentes tipos de agressão contra meninas e mulheres. A campanha contempla pautas de equidade e direitos com  atividades como rodas de conversa e debates que ocorrem até 10 de dezembro, quando é comemorado o Dia dos Direitos Humanos.

Para a professora, advogada e feminista da União Brasileira de Mulheres (UBM), Helena Piragibe, a mulher ainda sofre por uma questão enraizada nas sociedades. "A cultura da violência contra a mulher é um fenômeno mundial marcados por estereótipos que banalizam seus corpos , julgam sua conduta, invisibilizam e silenciam sua voz, a luta e resistência. O machismo, a misoginia, o racismo, herança histórica do patriarcado, que resiste! e torna o Brasil o 5° pais que mais mata mulheres , que em sua maioria são negras, vítimas de todas as formas de violências, como estupros , em especial das vulneráveis, conforme indicadores divulgados por agências de pesquisas".
Para Piragibe, essas ações são sempre válidas, mas há de se avançar mais. "É mister e urgente que a sociedade tome para si a responsabilidade de combater essas iniquidades, unindo-se, em defesa de uma educação não sexista, debatendo as masculinidades nos espaços institucionais e sociais , com a participação dos homens, onde haja respeito e garantia aos Direitos Humanos das mulheres, avançando na política dos Cuidados e na aplicação das leis", finaliza ela.
A opinião também é compartilhada por Priscila Fevrier, diretora da biblioteca do Instituto Pretos Novos, na Gamboa. "A violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos que afeta milhões em todo o mundo, seja em forma física, psicológica, sexual ou econômica. É um problema estrutural que transcende culturas e classes sociais, exigindo esforços coletivos para promover a igualdade de gênero, o respeito e a proteção das mulheres. Mais do que um dia de conscientização, esta data (25 de novembro) é um chamado à ação".
Priscila afirma que é necessário avançar juntos, na construção de um espaço onde as mulheres possam viver sem temer por sua segurança e de seus familiares e que possa viver com dignidade. A luta pela eliminação da violência de gênero é urgente, necessária e inadiável. E precisa ser contínua. Mas, principalmente deve se ter um olhar atento para as mulheres negras que mais sofrem com a violência obstétrica, sexual, e com as indígenas e trans".
Em entrevista ao jornal O DIA, a advogada Danielle Marçal, sócia fundadora do escritório especialista em atendimento à violência de gênero DLM ADVOGADAS, conselheira do CODIM (Conselho Municipal de Direitos das Mulheres) e COEM (Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar) – Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (PJERJ), fala a respeito da data.

O DIA: Qual a importância do dia 25 de novembro?
Dra Danielle Marçal: Em 25 de novembro, também conhecido como o Dia Laranja, comemoramos o dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. Essa data foi escolhida para lembrar as irmãs Mirabal (Pátria, Minerva e Maria Teresa), assassinadas pela ditadura de Leônidas Trujillo na República Dominicana. A importancia de data é para chamar a atenção da sociedade e ampliar os debates, propondos medidas de preveção e combate a violência de genêro, sendo certo que o numero de violência contra mulheres pelo simples fato de ser mulher so aumenta.
Mundialmente, a partir do dia 25, se dá o inicio aos 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, que vai até 10 de dezembro, data da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
No Brasil é diferente, temos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, que começa em 20 de novembro, dia da Consciência Negra e termina em 10 de dezembro. A data escolhida para seu início considera a dupla vulnerabilidade da mulher negra na sociedade brasileira.
O Relatório Anual Socioeconômico da Mulher apresentado Ministério das Mulheres, publicado em 24 de abril do corrente ano, aponta, para uma maioria de pretas e pardas em quase todos os índices de violência contra mulher. O relatório constatou que, em 2022, mulheres pretas e pardas corresponderam a cerca de 59,8% dos registros de mulheres adultas vítimas de violência doméstica, sexual e outras formas de violência. A informação foi baseada nas ocorrências registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
O DIA: Infelizmente por mais que a sociedade tenha tentado instituir leis como mais pena no caso de feminicídio, os homens continuam batendo e matando as mulheres, a que você credita tanta violência?
Dra Danielle Marçal: Apesar de estarmos no século XXI, ainda vivemos em uma sociedade patriarcal onde mulheres são educadas para servir e homens para comandar. Desde cedo, meninos crescem acreditando que serão donos de suas esposas ou companheiras, perpetuando uma ideia de posse que se reflete na expressão minha mulher.  Nesse contexto, muitos agressores enxergam as mulheres como objetos sem vontade própria, e qualquer atitude que contrarie seus interesses resulta em punições, que vão desde agressões físicas até o extremo do feminicídio.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi criada para combater essa realidade, classificando cinco formas de violência doméstica: a violência física, que envolve agressões ao corpo, como espancamentos, empurrões ou queimaduras; a violência sexual, que inclui forçar relações ou atos sexuais sem consentimento; a violência psicológica, caracterizada por manipulação, humilhação e controle emocional; a violência patrimonial, que ocorre quando o agressor destrói bens ou retira recursos financeiros da mulher; e a violência moral, que consiste em ofensas, difamações e acusações falsas que ferem a reputação da vítima.
Infelizmente, tipos de violência que não deixam marcas visíveis, como a moral e a psicológica, ainda são negligenciados pelo sistema judiciário. Todos os dias, mulheres chegam ao meu escritório carregando cicatrizes emocionais profundas, mas enfrentam resistência ao tentar registrar ocorrências, mesmo em delegacias especializadas. Sem o acompanhamento de um advogado, muitas têm seus pedidos de proteção ignorados, pois há uma falta de preparo para compreender que agressões emocionais e morais podem causar danos irreparáveis, muitas vezes mais graves do que a violência física. Essa realidade precisa mudar, e cabe a todos nós, como sociedade, reconhecer e combater todas as formas de violência contra as mulheres.
O DIA: Você acha que o aumento da pena para 40 anos pode, realmente, frear os agressores?
Dra Danielle Marçal: A lei 14994/24 que aumenta a pena de feminicídio para 40 anos e o torna um crime autônomo no Código Penal, pois até então, ele era considerado uma circunstância agravante (qualificadora) do homicídio doloso pode sim reduzir o números de agressores. Mas realmente acredito que para reduzir os números assustadores da violência no estado se faz necessário conscientizar ainda mais as mulheres sobre violências ainda veladas, que são o primeiro indício de relação tóxica além de uma rede no estado que seja devidamente estruturada para essa mulher, capacitar os profissionais que acolhem a mulher vítima de violência nas delegacias, evitando a revitimização e que ela se sinta preparada para sair dessa situação.
Quanto ao agressor se faz necessário a imputação do caráter multidisciplinar da lei, obrigando o indivíduo a frequentar centro de educação e reabilitação e passar por tratamento psicossocial.
O DIA : Como conselheira, qual orientação você daria para mulheres que estão sendo agredidas e sempre acham que os companheiros vão mudar?
Dra Danielle Marçal: Eu aconselho procurar uma rede de apoio, a começar por terapia. Aprender a ser amar, ter auto conhecimento é essencial para se libertar de relacionamento toxicos.O Rio de Janeiro tem vários instrumentos para combater a violência contra a mulher, incluindo números de telefone, delegacias e um painel interativo:
•Central de Atendimento à Mulher (180)
Serviço gratuito e 24 horas que acolhe e orienta mulheres em situação de violência
•Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAM)
Delegacias especializadas e que funcionam 24 horas
•Central 1746
Serviço da Prefeitura do Rio que recebe notificações de casos de assédio e agressões
•Lei Ordinária 9201/2021
Lei que institui um Programa de Cooperação e o Código Sinal Vermelho, que visa promover o acesso das mulheres e da sociedade civil aos protocolos e medidas de proteção
•ISPMulher
Painel interativo que disponibiliza dados sobre violência contra a mulher e endereços da Rede de Atendimento à Mulher Vítima
•Casa da Mulher Carioca

A Casa da Mulher Carioca que é um espaço que oferece atendimento psicossocial, orientação jurídica, orientação pedagógica, cursos livres e oficinas de capacitação profissional em diversas áreas, além da oferta de palestras, rodas de conversa e outras atividades coletivas com temáticas que perpassam a questão de gênero.
O DIA: Como a Comissão da OAB Mulher pode auxiliar no combate à violência doméstica?
Dra Danielle Marçal: A comissão da OAB mulher da 32º subseção, a qual ocupo atualmente o cargo de presidente auxilia diversas mulheres que enfrentam as mais diferentes formas de violência (domésticas, ambiente de trabalho, institucionais, obstétrica e etc.), com palestras de conscientização, atendimento inicial a mulheres vítimas de violência e encaminhamento para rede de atendimento do Estado.

Nosso dever é fiscalizar, cabe a comissão cobrar do Estado ações mais firmes contra agressores, que as delegacias registrem as ocorrências nas formas relatadas pelas vítimas, que tenha profissionais preparados para fazer uma escuta ativa, e que quando cabível seja encaminhado com o máximo de urgência para análise da medida protetiva.

No Judiciário, cabe a comissão fiscalize a aplicação o protocolo de gênero seja aplicado nos julgamentos conforme orientação do CNJ, evitando que aquela mulher já tão fragilizada venha a sofrer ainda mais violência.