Praça fica ao lado do terminal rodoviário Américo Ayres, no MéierReprodução / Rede Social

Rio - O nome do histórico escritor e jornalista Lima Barreto (1881-1922) será eternizado em uma praça no Méier, Zona Norte do Rio. Antes chamada de Praça Inominável, o local, que fica ao lado do terminal rodoviário Américo Ayres e que por anos ficou sem uso e limpeza, agora irá preservar a memória de um dos personagens mais importantes da literatura brasileira. A nomeação foi oficializada na última quarta-feira (27), após uma votação na Câmara Municipal que derrubou o veto do prefeito Eduardo Paes (PSD) ao projeto de lei criado pela vereadora Monica Cunha (Psol), em outubro deste ano.
A iniciativa de nomear a praça em homenagem ao escritor partiu dos próprios moradores da área, em especial, de representantes da livraria La Belle Époque, que aproveita o espaço para promover diversas atividades culturais. Em entrevista ao DIA, o dono do estabelecimento, Ivan Errante Costa, de 43 anos, comemorou a conquista e revelou que pensou no nome de Lima Barreto pois além de ser seu autor favorito, é uma figura marcante para a região.
"Ele foi um cara daqui da região do Grande Méier e não tem uma homenagem decente a ele no bairro. Foi uma pessoa que batalhou muito contra a desigualdade na época dele. Homenagear a praça com o nome de Lima Barreto é conseguir fazer jus a sua memória e também divulgar seu legado", disse.
Negro, pobre e descendente de escravizados, Lima Barreto cresceu no bairro de Todos os Santos, na Zona Norte, e se tornou um importante nome da literatura pré-modernista. Suas obras foram marcadas por diversas críticas sociais - muitas delas baseadas em suas próprias vivências - como a desigualdade, o racismo e o preconceito. 
"A gente vive em uma área que tem muita homenagem à colonizadores brancos. No Cachambi, por exemplo, tem ruas como Cristóvão Colombo e Álvares Cabral, e poucas homenagens à pessoas negras. Conseguir mais uma vitória nesse campo da representatividade é muito importante, até para que outros grupos continuem fazendo isso em seus locais de atuação", reforça Ivan.
Nascida e criada no Méier, a comerciante Juliana Dias, de 40 anos, contou que a nomeação da praça em homenagem a Lima Barreto é motivo de orgulho para os moradores. Para ela, a iniciativa é importante para que as lutas enfrentadas pela população negra e suburbana não se apaguem.
"Sou negra e acho que essa iniciativa é de total importância para que as próximas gerações tenham mais voz. Até hoje tem gente que diz que racismo não existe e essa homenagem dá força para dizer que somos resilientes e estamos aqui. A cultura não pode vir somente do negro escravizado, mas do negro culto e empoderado, com todas as lutas, mas com todas as vitórias", comentou.
Apesar do entusiasmo, Juliana espera que as mudanças não parem por aí. A comerciante deseja que o espaço, que era abandonado e sofre com a falta de iluminação e segurança, seja revitalizado e se torne ainda mais ativo, dando à população local uma outra opção de lazer e entretenimento.
Doutor em história do Rio de Janeiro com especialização no subúrbio carioca, o professor Rafael Mattoso, 40, classifica a homenagem como um presente ao bairro, que completou 135 anos em maio de 2024. Para o acadêmico, se trata de uma reparação histórica a alguém que não teve seu trabalho devidamente reconhecido em vida, já que ele se candidatou à Academia Brasileira de Letras (ABL) por três vezes, mas sem sucesso.
"Homenagear Lima Barreto é reconhecer um intelectual negro importantíssimo e fazer uma reparação histórica de alguém que foi considerado menor no campo literário em sua época. Ter uma praça com seu nome é uma conquista muito significativa, um símbolo muito representativo para homenagear não só ele, mas também a história e memória dos moradores do subúrbio do Rio", disse.
Quem foi Lima Barreto
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em 13 de maio de 1881 e viveu o auge de sua produção enquanto morava na Rua Major Mascarenhas, em Todos os Santos. A avó materna foi uma escravizada alforriada e sua mãe morreu de tuberculose quando ele tinha apenas 6 anos.
Lima Barreto estudou no Colégio Pedro II e, posteriormente, fez faculdade de engenharia na Escola Politécnica, mas não concluiu o curso. Em 1905, atuou como jornalista no "Correio da Manhã" e, em 1907, lançou a revista "Floreal". Seu primeiro romance foi escrito em 1909, com o título "Recordações do escrivão Isaías Caminha".
Uma de suas principais obras é o romance "Triste fim de Policarpo Quaresma", publicado pela primeira vez em forma de folhetim no "Jornal do Comércio", em 1911. No ano seguinte, lançou o romance "As aventuras do Dr. Bogoloff". Em 1914 concorreu pela primeira vez a um lugar na Academia Brasileira de Letras (ABL), mas foi recusado.
Ao longo de sua trajetória, Lima Barreto também escreveu importantes crônicas e contos, como "Histórias e sonhos", lançado em 1920, e "Os bruzundangas", de 1922. O escritor ainda concorreu a um posto na ABL outras duas vezes, porém, o máximo que conseguiu foi receber uma menção honrosa, em 1921.
Diante da vida sofrida de um suburbano e das constantes recusas em entrar para a Academia, Lima Barreto enfrentou o alcoolismo e a depressão, sendo internado duas vezes, em 1914 e 1918. Com a saúde debilitada por conta de seus problemas, o escritor morreu em 1º de novembro de 1922, aos 41 anos, em decorrência de ataque cardíaco.
*Reportagem do estagiário João Pedro Bellizzi, sob supervisão de Thiago Antunes