Rio - Uma operação da Polícia Civil no Complexo de Manguinhos, na Zona Norte, deixou três mortos e levou terror a trabalhadores, alunos e frequentadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), nesta terça-feira (8). Segundo a instituição, agentes entraram sem autorização e descaracterizados no campus Manguinhos-Maré. Dois funcionários foram presos por, supostamente, ter ajudado na fuga de criminosos.
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A Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), a 21ª DP (Bonsucesso) e a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) realizaram uma ação na comunidade contra roubos e receptação de cargas, em mais uma etapa da Operação Torniquete. O objetivo foi enfraquecer o Comando Vermelho (CV) que controla a região, já que o dinheiro desses crimes financiam as atividades das organizações, disputas territoriais e garantem pagamentos a familiares de faccionados, detidos ou em liberdade.
De acordo com a Polícia Civil, ao chegarem na região, os agentes foram atacados a tiros e houve confronto. Relatos apontam que os disparos aconteceram nas favelas do Mandela 1, 2, Varginha e na Rua Leopoldo Bulhões. Os bandidos também incendiaram barricadas para atrapalhar as equipes.
A corporação informou que um dos gerentes do tráfico da comunidade do Mandela morreu e outros três suspeitos foram baleados, sendo que dois deles afundaram no Canal do Cunha e o terceiro foi socorrido e encaminhado a um hospital da região. O Corpo de Bombeiros encontrou os corpos dos dois criminosos que submergiram na água. Além destes, um homem foi detido em cumprimento a um mandado de prisão.
Entre as apreensões da operação estão dois fuzis, duas pistolas, 4.730 unidades de lança-perfume, nove galões com lança-perfume, 2.650 pinos de cocaína, 390 pedras de crack, 110 papelotes de maconha, 31 tabletes de maconha e 40 papelotes de skunk.
Terror na Fiocruz
Durante a ação, criminosos fugiram em direção à Fiocruz. Segundo a Fundação, um tiro atingiu o vidro da sala de Automação de Bio-Manguinhos - fábrica de vacinas - e uma trabalhadora recebeu atendimento médico após ser atingida por estilhaços. A Fiocruz disse ainda que os policiais entraram sem autorização e descaracterizados no campus, para o que seria uma incursão na comunidade da Varginha.
A Polícia Civil garante que foram os bandidos que realizaram os disparos que atingiram um dos prédios da fundação. Na ação, dois funcionários terceirizados que prestam serviço para a Fundação foram presos em flagrante porque teriam colaborado com a fuga de criminosos. Eles foram levados para a Cidade da Polícia, no Jacaré, na Zona Norte, para prestar depoimento.
A corporação destacou que instaurou um inquérito para apurar se houve colaboração espontânea com os criminosos, uma vez que imagens mostraram um veículo a serviço da instituição auxiliando na fuga dos bandidos.
"Quem coloca em risco a população são os criminosos. Temos imagens de traficantes dentro da Fiocruz, então foi necessário que nossos agentes entrassem na instituição para evitar que houvesse um dano maior lá. São criminosos que roubam, agridem, assolam a população. Essa é mais uma resposta firme da Polícia Civil no combate a essa organização", afirmou o diretor do Departamento-Geral de Polícia Especializada, o delegado André Neves.
Já a Fiocruz informou que um supervisor da empresa que presta serviços para a Gestão de Vigilância e Segurança Patrimonial foi levado pelos policiais "de forma arbitrária para a delegacia, algemado", quando fazia a desocupação e interdição da área, como medida de segurança para os trabalhadores, alunos e demais frequentadores.
"Toda a ação da Polícia Civil ocorre de forma arbitrária, sem autorização ou comunicação com a instituição, colocando trabalhadores e alunos da Fiocruz em risco", disse em nota.
"O que ocorreu hoje na Fiocruz foi muito grave. A instituição vive recorrentemente situações de risco em virtude dos conflitos armados que ocorrem no seu entorno, mas é a primeira vez que ocorreu o ingresso sem comunicação e sem autorização de agentes da polícia civil no campus Manguinhos. A troca de tiros colocou em risco a vida de trabalhadores, estudantes e usuários dos nossos serviços. Lamentamos muito pela trabalhadora de Bio-Manguinhos, atingida pelos estilhaços, e por todos os demais trabalhadores que tiveram que viver essa situação no dia de hoje. Estamos buscando interlocução com as autoridades de segurança do estado do Rio de Janeiro para tratar do assunto com a máxima urgência", afirmou o diretor-executivo da Fundação, Juliano Lima.
A Fiocruz ainda destacou que o Museu da Vida, que recebe visitantes de várias escolas durante a semana, teve que interromper suas atividades. As pessoas, entre adultos e crianças, tiveram que se abrigar em locais seguros até que pudessem ser conduzidas para fora da Fiocruz. Também houve impacto nos atendimentos realizados pelo Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (Ensp/Fiocruz), que tiveram que ser suspenso.
A Fundação ainda avalia se houve impactos na produção de vacinas e insumos. Durante a troca de tiros entre os policiais que estavam na Fiocruz e criminosos do outro lado da margem do rio, trabalhadores tiveram que ficar agachados ou deitados embaixo de suas mesas.
Aumento no roubo de cargas
Investigações recentes da DRFC apontam um aumento significativo nos transbordos de cargas roubadas na região de Manguinhos, especialmente no último quadrimestre de 2024. Esse crescimento foi constatado após diversas operações realizadas no Complexo da Maré, também na Zona Norte, que forçaram os criminosos a migrarem suas atividades para outras áreas.
Segundo a Polícia Civil, a proximidade de Manguinhos com a Avenida Brasil, importante via de escoamento onde ocorre parte dos roubos, facilita a ação dos criminosos.
Conforme apurado pelas equipes da DRFC e da 21ª DP, criminosos realizam um sofisticado processamento das cargas roubadas dentro do complexo, o que envolve a classificação, separação e redistribuição das mercadorias, que são posteriormente comercializadas tanto nas comunidades quanto em outras regiões da cidade.
"Há indícios claros de que parte dessas cargas são subtraídas sob encomenda, atendendo a demandas específicas de empresários ligados a diferentes setores do comércio ilícito", disse a corporação.
Impactos
A Presidência da Fiocruz e a Gestão de Vigilância e Segurança Patrimonial da Coordenação-Geral de Infraestrutura dos Campi (Cogic) seguem monitorando a situação no campus. Diante da operação, o expediente foi encerrado às 13h30. Ficaram mantidos apenas os serviços essenciais na fundação.
A saída dos trabalhadores ocorreu pela portaria da Avenida Brasil. O horário de saída Transporte Coletivo Fiocruz Saudável foi antecipado para as 15h.
O Centro de Operações Rio (COR) informou que a Rua Leopoldo Bulhões ficou fechada por cerca de três horas, na altura de Manguinhos, nos dois sentidos, por motivos de segurança. As Polícias Civil e Militar atuam no local. A via foi liberada para passagem de veículos por volta das 15h20.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a Clínica da Família Victor Valla, o Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria e o CAPS Carlos Augusto Magal acionaram o protocolo de acesso mais seguro e interromperam o funcionamento nesta quarta-feira (8).
Por conta da operação, 10 linhas de ônibus municipais estão com itinerários desviados e um da linha 711 Rio Comprido x Rocha Miranda foi apedrejado. Confira as linhas ao final. "Mais uma vez reiteramos o apelo as autoridades de segurança pública, ressaltando a necessidade urgente de se tomar providências para devolver o direito de viver em paz da população carioca", afirmou o Rio Ônibus, em nota.
Linhas com itinerários desviados
SP 265 (Marechal Hermes x Term. Gentileza); 265 (Marechal Hermes x Castelo); 296 (Irajá x Castelo); 298 (Acari x Castelo); 350 (Irajá x Castelo); 371 (Praça Seca x Praça Tiradentes); 624 (Mariópolis x Praça da República); 634 (Bananal x Saens Peña); 696 (Praia do Dende x Meier); 711 (Rocha Miranda x Rio Comprido).
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