Celebração para a Rainha do Mar tomou conta do ArpoadorArmando Paiva / Agência O Dia

Rio - A Praia do Arpoador ficou pequena para tanta gente que foi homenagear Iemanjá, neste domingo (2), dia consagrado à Rainha do Mar. Um cortejo da estátua de Tom Jobim até o fim da praia com direito a dança da multiartista Yza Diordi, 45 anos, representando a orixá feminina, marcou a manhã. Os organizadores do evento, idealizado pelo músico Marcos André, afirmam que o número de participantes chegou a 30 mil. Seguidores de diversas religiões participaram do evento. O afoxé Filhos de Gandhi se reuniu na sede, na Praça Mauá, e houve festejos em várias regiões do Rio de Janeiro.
Professor doutor e orientador no Programa de e Pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o babalawô Ivanir dos Santos pontuou que chama a atenção dele o número de adeptos de Iemanjá.
"Nem todo mundo é iniciado na umbanda e no candomblé. Muita gente não é, você vê que não é, mas expressa a sua solidariedade e a sua fé popular, trazendo flores e assistindo ao festejo. "Vejo quando eu ano na rua e as pessoas falam comigo. O número de evangélicos jovens que dizem assim: 'olha, eu sou cristão, mas admiro muito seu trabalho'. Todo mundo tem que estar ouvindo, tem que estar junto e com respeito", explicou.
O corretor de imóveis Robson Marcelino de Souza, 48, é evangélico e esteve no Arpoador assistindo aos festejos. "É uma festa cultural. O brasileiro é um povo miscigenado e temos que entender o espaço de cada um. Na verdade, no Rio de Janeiro é a primeira vez que eu venho a essa festa. Já estive em Salvador, no mesmo tempo, e também assisti", afirmou.
O artista plástico Tom Guariente, 42, que carregava uma imagem de Iemanjá, também prestigiou a festa: "Eu sou várias religiões, aceito todas. Acho que cada religião teve o seu momento, sua história, sua cultura para cada povo. E a gente se canaliza. A gente entra nessa frequência de cura. Eu acho que isso é religião. Não podemos deixar a cultura morrer. E no mundo tão materialista, tudo que a gente celebrar o divino, celebrar o sagrado, eu acho que é válido, porque está havendo um esquecimento".
Já a artesã baiana Fabiana Cruz, 45, aproveitou a festa para vender cangas, bolsas, porta-guia, organizador e faixas de cabelo. "Moro há 14 anos aqui no Rio de Janeiro. Mas é a minha primeira na festa de Iemanjá no Arpoador. Estou matando as saudade dos festejos em Salvador. Para mim, está sendo recordação de uma memória afetiva. Me faz lembrar como se eu estivesse lá no Rio Vermelho" disse.
Para o oraculista Caique Marra, 20, a festa tem muita importância, principalmente em tempos de tanta intolerância religiosa. "Acho muito importante, uma manifestação dessa grandeza aqui no Rio, onde tem tido muita intolerância. Um terreiro foi invadido e destroçado. Diante dessa intolerância toda, uma manifestação dessa, pacífica, linda, saudando os orixás da nossa religião, acho maravilhoso", comentou.
O ator Ludoviko Vianna, que interpreta Santo Antônio há mais de 15 anos, foi à praia levar flores para Iemanjá. "Fiz o espetáculo de Santo Antônio e tenho uma afeição muito forte com a umbanda. Eu me sinto livre. Acho que o que mais me leva para todas as religiões é justamente essa busca da intolerância para trabalhar em mim a tolerância. A espiritualidade não é prisão", explicou.
Durante o cortejo, a dançarina Yza Diordi representou a grande homenageada do dia. "É um enorme prazer conseguir representar a minha arte negra, a minha cultura, que é a resistência, que nós que somos pertencentes à religião de uma matriz africana. Mas para os populares, os simpatizantes que não fazem parte da religião, o dia 2 de fevereiro se ampliou. É um momento em que a gente consegue unir forças em maior escala para celebrar esse dia", vibrou.
Conhecida como Fatinha do Jongo, Maria de Fátima da Silveira, 68, representou o grupo durante os festejos. "Somos um ponto de cultura e nós somos referência nacional. Então, a gente participa de muitos trabalhos com o jongo. Já estive em outros estados e alguns países. Sou uma jovem senhora e mestre do Jongo do Pinheiral, e faço isso desde os meus 20 anos", disse.
"Essa festa é a coisa mais linda, porque isso faz parte da vida do nosso, e a gente tem a nossa ancestralidade, que é a natureza, essa coisa viva. Cultuar Iemanjá, nossa, é tudo de lindo. E a festa é maravilhosa. Então, nós vamos representar o Vale do Café. Lá eles trabalham muito a memória dos varões. E nós trabalhamos a memória do povo preto. Então é um trabalho árduo", completou.
 
Saiba um pouco mais
A devoção a Nossa Senhora dos Navegantes remonta à Idade Média, na época das Cruzadas, e está intimamente ligada ao título Estrela do Mar. Naquele tempo, os cruzados atravessavam o Mar Mediterrâneo rumo à Palestina para proteger os peregrinos e os lugares santos dos infiéis. Tendo em vista os perigos que enfrentariam, esses bravos homens invocavam a Santíssima Virgem Maria pelo nome de "Estrela do Mar". Sob esse título, ela era conhecida como aquela que protegia os navegantes, mostrando-lhes sempre o melhor caminho e um porto seguro para a sua chegada.
Iemanjá é cultuada na Umbanda e no Candomblé, considerada como a mãe de quase todos os orixás. Ela é sincretizada no Catolicismo como Nossa Senhora do Navegantes, Nossa Senhora de Candeias, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora da Piedade e Virgem Maria.
A fé em Nossa Senhora dos Navegantes é associada popularmente a Iemanjá. A primeira é uma devoção católica e a segunda, um orixá feminino do Candomblé, da Umbanda e de outras crenças afro-brasileiras.
A raiz dessa associação entre ambas está historicamente ligada à religiosidade do tempo da escravatura, na qual os portugueses não permitiam aos escravizados o culto aos seus deuses.