Márcia Ferreira, de 57 anos, ex-triatleta medalhista nos Jogos Pan-Americanos de 1995Divulgação/ MFTriathlon
Triatleta atropelada descarta parar de pedalar nas ruas: ‘Não quero desistir’
Com fratura no antebraço, Márcia Ferreira lamenta falta de conscientização no trânsito
Rio – Quando olha no retrovisor de sua bicicleta, Márcia Ferreira procura enxergar apenas outros ciclistas, sem dar muita atenção ao passado e seus traumas. É assim que a ex-triatleta de 57 anos, medalhista nos Jogos Pan-Americanos de 1995, se recupera de um segundo acidente. Na quinta-feira (7), foi atropelada na altura da Enseada de Botafogo, Zona Sul, mesmo bairro onde já havia sido atingida 28 anos antes.
Com inúmeras escoriações pelo corpo e ainda à espera de cirurgia para correção de uma fratura no rádio (um dos ossos do antebraço), Márcia já fala no retorno aos pedais, apesar das sequelas não só físicas, mas também psicológicas deixadas pelo acidente: “Existe sempre um trauma. Mas o ciclismo a céu aberto é minha profissão, eu sou treinadora de triatlo. Parando de pedalar seria como desistir. E eu não quero", afirmou a atleta ao DIA.
Além da paixão pelo esporte, outra motivação para Márcia não interromper os treinos em vias públicas é ser uma resistência na luta por mais segurança para a modalidade no Rio: “Não vou desistir porque a gente precisa fazer alguma coisa para mudar esse sistema. Isso não pode ficar impune”.
O Rio conta com espaços destinados ao ciclismo de maior performance - embora os horários sejam bastante restritos. Mas fora isso, quem quer pedalar por longos percursos acaba dividindo vias com carros, ônibus e outros veículos, o que, claro, aumenta substancialmente o risco de acidentes. E em muitos casos, a imprudência vem acompanhada da impunidade citada por Márcia.
A ex-atleta faz sugestões para uma convivência menos perigosa entre ciclistas e motoristas: “É preciso achar meios de conscientizá-los, para que entendam que o maior sempre cuida do menor. Nós ciclistas cuidamos dos pedestres. E também acredito que a velocidade nas pistas poderia ser reduzida, como acontece em outras cidades. Isso era uma situação do prefeito [Eduardo Paes], mas ainda não veio à tona”.
Como profissional, ela ainda garante que prioriza a própria integridade, mas reconhece que isso nem sempre é o suficiente, como aconteceu nesta quinta: “Penso nas adversidades e tento ao máximo buscar a segurança. Só que, infelizmente, acontecem imprevistos com pessoas irresponsáveis dirigindo em alta velocidade. Ainda temos essa situação no Rio. Estou muito indignada e triste”.
Motorista sem CNH
Muito da indignação de Márcia se dá pelo fato de o homem que a atingiu não portar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Na ocasião, ele atropelou outros quatro ciclistas que a acompanhavam em um comboio. Todos passam bem.
O condutor, que não teve a identidade revelada, prestou depoimento na 5ª DP e foi autuado por lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, com agravante por não ter CNH. Pagou fiança e responderá ao inquérito em liberdade.
A Polícia Civil informou que as investigações estão em andamento.
Primeiro acidente
Em 1997, Márcia foi atropelada, também em Botafogo, enquanto treinava. O acidente abreviou a sua carreira, que já era vitoriosa. No currículo, então com 29 anos, ela já tinha três títulos nacionais e dois continentais.
A ex-atleta relembra que esse primeiro atropelamento foi bem mais grave: “Tive traumatismo craniano; ruptura do nervo que faz a flexão do pé; fratura exposta da fíbula e da tíbia... Foram 11 horas de cirurgia”.
Longe das competições, ela decidiu estudar Educação Física e, anos depois, passou a formar novos triatletas com o MFTeam, uma assessoria esportiva especializada na modalidade.
Estrutura no Rio
Para que os ciclistas possam pedalar com mais segurança no Rio, longe do caos do trânsito de uma metrópole, há espaços propícios à prática, conhecidos como Área de Proteção ao Ciclismo de Competição (APCC). Ela são apenas quatro e têm funcionamento em horários alternativos.
A lista inclui: Aterro do Flamengo, para onde Márcia se dirigia quando foi atropelada, das 4h às 5h30, às terças e quintas; Porto (Centro a Santo Cristo), das 6h às 8h, aos domingos e feriados; Praia da Reserva, das 4h às 5h30, terças e quintas; e Parque Radical Deodoro, terças e quintas, das 6h às 8h30.
Apesar de um número relativamente baixo de APCCs, Márcia reconhece a importância das áreas: “Nos dão a possibilidade de treinar com tranquilidade. Tem ajuda da Guarda Municipal e toda uma estrutura montada. Só tenho a agradecer. E eu fiz parte da construção desses locais, é fruto do meu trabalho também”.
Segundo a CET-Rio, em retorno à reportagem, o Rio é a primeira cidade do país a implantar APCCs, o que reforça um posicionamento da cidade "de incentivo ao esporte e à segurança no trânsito".
A propósito, a companhia também destacou que os horários restritos de funcionamento das áreas buscam simultaneamente a segurança dos ciclistas e a boa fluidez do trânsito, uma vez que "as vias utilizadas estão inseridas em importantes corredores de mobilidade da cidade".

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