Dribles desconcertantes e gols de placa. Dentro de campo, o Brasil construiu uma história vencedora e se consolidou como a expressão máxima do chamado futebol arte. No entanto, essa mesma habilidade que distinguiu o país pelos gramados mundo afora nunca chegou a ultrapassar a barreira das quatro linhas. A combinação do amadorismo e da falta de visão e — em alguns casos — de escrúpulos dos dirigentes traz até hoje como resultado um placar de campeonatos deficitários e clubes endividados. Para virar esse jogo, o investimento em tecnologia é a mais nova tática. Nesse caminho, o conceito de big data aliado a tendências como as redes sociais e os dispositivos móveis é a principal aposta para que os times consigam, enfim, transformar a paixão do torcedor brasileiro pelo esporte em uma fonte preciosa de receitas.
“Nas últimas gestões, nosso principal foco foi buscar novos recursos e receitas, especialmente para não depender apenas das cotas da televisão”, diz Aristóteles Loredo, executivo-chefe de TI do Cruzeiro, de Minas Gerais. “Em 2013, a receita do Cruzeiro cresceu 50%, muito em função da forte parceria que construímos entre os departamentos de TI e de marketing”, afirma. O Cruzeiro ainda não divulgou o resultado de 2013. Em 2012, o clube reportou uma receita líquida de R$ 111,3 milhões.
“Os clubes brasileiros ainda são muito dependentes das cotas de TV, que respondem por cerca de 40% de suas receitas”, diz Pedro Daniel, consultor de gestão esportiva da BDO Brasil. “Como alternativa, os times já licenciam suas marcas e estão investindo em programas de sócio-torcedor, o que é uma boa saída. Mas, fora isso, a ativação do branding ainda não é muito trabalhada”, afirma.
Com uma base estruturada de sistemas internos e com fornecedores como a Totvs, a análise de grandes volumes de dados é uma das prioridades do Cruzeiro. Essa visão já está sendo aplicada para a escolha de localização de novas lojas da rede oficial do clube, batizada de Maior de Minas. A mesma abordagem é utilizada para definir as regiões que sediam eventos para fidelizar os 57 mil torcedores do Sócio do Futebol, programa de sócio-torcedor do time, e para atrair novos cadastros na iniciativa. “Temos um sistema que integra informações de localização, de frequência no estádio, do banco de dados do Sócio do Futebol e do IBGE. Temos tudo mapeado por bairro, faixa etária e renda, e sabemos exatamente o local em que um evento ou nova loja darão mais retorno”, diz Loredo.
Da mesma forma, o Cruzeiro investe em ações para estimular as interações dos sócios-torcedores com a marca e a frequência nas partidas do clube. O torcedor recebe pontos por essas atividades e pode trocá-los por prêmios como a visita a um treino ou a possibilidade de assistir a um jogo diretamente dos camarotes.
O Cruzeiro tem ainda um banco de dados de todos os seus jogadores profissionais e da categoria de base. O sistema reúne um perfil completo de cada atleta, com informações médicas, psicológicas, de contrato e de desempenho no campo, entre outras análises. “É um grande big data sobre o jogador, que permite à diretoria tomar decisões mais precisas, por exemplo, na hora de uma venda ou renovação de contrato”, explica.
As novas tendências tecnológicas e a forte conexão com a área de marketing são também o direcionamento da TI no Corinthians. “Estamos investindo fortemente para fazer com que a TI participe ativamente na definição das estratégias para gerar receitas e ativar a marca do clube”, diz Alessandro Gonçalves, superintendente de TI do Corinthians.
Sob esse contexto, o Corinthians está investindo para aprofundar o conhecimento sobre os diversos perfis de seus torcedores e desenvolver ações mais eficientes junto a cada um desses públicos. Uma das bases para essa abordagem é o cruzamento de informações de diversas fontes de relacionamento e de receita do clube. Entre outras pontas, esse universo inclui os hábitos de consumo na loja virtual do time, os 90 mil sócios torcedores — dos quais, 44 mil são ativos — as 129 lojas físicas da rede Poderoso Timão e as 112 escolas de futebol licenciadas, com 18 mil alunos. “Estamos trabalhando na padronização das informações geradas em todos esses canais para integrá-las ao nosso banco de dados e trazer esse conhecimento para dentro de casa”, diz.
Com 6,5 milhões de usuários em seu perfil oficial no Facebook, o Corinthians também enxerga as redes sociais como mais uma fonte de geração de conteúdo, de diálogo e de aproximação com seus torcedores. Nesse plano, o time investe periodicamente em softwares de parceiros para monitorar a repercussão de iniciativas de marketing e de captação de novos sócios torcedores. Os aplicativos móveis são outro canal de fidelização e de negócios. Com jogos que combinam aplicações gratuitas e pagas, o Corinthians divide as receitas geradas com os parceiros responsáveis pelo desenvolvimento.
O tão sonhado estádio corintiano é, no entanto, uma das principais apostas para atrair novos negócios. Depois da realização da Copa do Mundo, a ideia é explorar as novas tecnologias disponíveis na instalação para melhorar a experiência e, ao mesmo tempo, ampliar o leque de ações para esse público. Uma das aplicações no radar é a integração das catracas eletrônicas com o sistema de relacionamento com os clientes do Corinthians e a base do programa de sócios-torcedores. A partir dessa conexão, diz Gonçalves, será possível identificar fatores como frequência no estádio, o horário de chegada de cada torcedor, sua faixa etária e seu sexo, entre outros elementos. A partir desses dados, o plano é desenvolver ações específicas para cada torcedor, como por exemplo, a oferta de promoções casadas com os restaurantes e lojas disponíveis no empreendimento. “Vamos ter acesso a informações e ao comportamento dos consumidores, algo que hoje não é possível fazer em estádios convencionais”, explica Gonçalves.
As oportunidades inerentes à Copa também são destacadas por Pedro Daniel, da BDO Brasil. “Os clubes se atrasaram e não souberam aproveitar a onda do evento. Havia várias maneiras de se ativar as marcas e isso ainda não foi feito. Mas as novas arenas vão trazer mais receitas aos clubes”, diz.
Uma das sedes do evento, o reformado estádio do Beira-Rio, do Internacional, de Porto Alegre, está no centro de um novo projeto de tecnologia. O clube aproveitou a série de exigências de infraestrutura tecnológica da Fifa para investir em um novo sistema de gestão empresarial da Totvs e integrar todas as informações coletadas no estádio com seus softwares de retaguarda administrativa. “Os requisitos da FIFA impulsionaram uma atualização nos nossos sistemas, que até então, não conversavam entre si. Agora, vamos poder coletar todas as informações de catracas, de frequência e de hábitos dos nossos sócios torcedores para aprimorar nossas campanhas”, diz Carla Ritter, gerente de tecnologia do Internacional, clube que conta hoje com 107 mil sócios-torcedores. “Se compararmos com o estádio antes da reforma, a nova instalação é muito mais onerosa, o que faz com que o clube precise buscar mais receitas, em função do aumento das despesas”, observa.
O projeto inclui a implantação de um sistema de inteligência de negócios, que será usado, por exemplo, para mapear sócios inadimplentes e desenvolver ações para solucionar essas pendências. Ao mesmo tempo, o Internacional vai lançar um aplicativo móvel, depois da Copa. A ideia é melhorar a experiência do torcedor, com recursos como mapas para chegar ao estádio e orientação sobre a localização de cada setor. “Depois do evento, quando assumiremos efetivamente o estádio, teremos muita oportunidade para mapear novas captações de receita”, diz Carla.
Times preparam base para novos projetos
Outros times brasileiros estão renovando seus sistemas para aprimorar a gestão e partir para projetos mais avançados. Esse é o caso do Palmeiras, que, em novembro, fechou um contrato com a SAP para implementar um novo software de gestão, que vai abranger as rotinas financeiras, de contabilidade e de contas a pagar, entre outros elementos. "Vamos ter mais controle e maior agilidade nas informações para a tomada de decisão. Estamos projetando também uma redução de custos", diz Luciano Paccielo, diretor financeiro do Palmeiras. Em uma segunda etapa, o Palmeiras vai implantar um sistema de gestão de relacionamento com os clientes. "Com os sistemas integrados, as ações de marketing poderão ser exploradas não só no Avanti - programa de sócio-torcedor -, como também junto aos sócios do clube ou qualquer outra pessoa que interaja de alguma forma com o Palmeiras". O Botafogo, do Rio de Janeiro, também integrou grande parte de suas informações em um sistema de gestão da Totvs. "Hoje, o sistema cobre 97% das operações de retaguarda do clube, incluindo atividades fora da sede, como as escolas de futebol e outros esportes", diz André Mello, analista de suporte do Botafogo. Com o projeto, o clube agilizou processos em áreas como contabilidade, que até então eram realizados manualmente e por meio de planilhas. "Agora, temos mais rapidez também para responder a qualquer pedido de relatório da diretoria", acrescenta.