São Paulo - Durante muito tempo, o espaço da Microsoft no mercado empresarial esteve em grande parte restrito a ícones da computação pessoal, como o Windows, o Office e o (agora com dias contados) Internet Explorer. Nos últimos anos, porém, essa presença ultrapassou novas fronteiras, com a entrada definitiva da companhia americana na disputa pelo mercado de sistemas de gestão empresarial e de relacionamento com clientes — mais conhecidos pelas siglas ERP e CRM, e por rivais como SAP e Oracle. Sob o comando do novo CEO, Satya Nadella, há pouco mais de um ano, a Microsoft acelera agora o plano para entregar um menu mais amplo de ofertas e consolidar uma nova imagem entre os clientes empresariais.
Realizado na semana passada em Atlanta (EUA), o Microsoft Convergence passou, de um evento mais restrito, voltado às linhas de ERP e CRM, ao posto de principal conferência da empresa para o segmento corporativo. “Estamos tentando comunicar uma nova Microsoft, especialmente para os executivos de negócios. Não somos mais uma companhia de plataformas tecnológicas, mas sim uma empresa de aplicações de negócios e de produtividade”, disse Wayne Morris, vice-presidente corporativo de Marketing da Divisão de Soluções de Negócios da Microsoft, em entrevista ao Brasil Econômico.
Com uma delegação de mais de 80 empresas presente ao evento — entre potenciais e atuais clientes, e parceiros de vendas —, o mercado brasileiro traduz um pouco o rumo que a Microsoft está começando a trilhar. “Tivemos surpresas bastante positivas no evento e anúncios que chamaram a nossa atenção, especialmente no que diz respeito às ofertas de sistemas analíticos e preditivos na nuvem, de aprendizado de máquina e de segurança”, afirmou Otávio Araújo, sócio, diretor operacional e diretor financeiro da Dotz, empresa de programas de fidelização. “O uso de ferramentas de sistemas analíticos na nuvem é um movimento que já vínhamos fazendo internamente. Mas, até então, não estávamos considerando a Microsoft para esse projeto”, observou Fábio Tavares, diretor de Tecnologia da Informação (TI) da Dotz.
Hoje, a Dotz já é usuária do CRM da Microsoft. O sistema de relacionamento de clientes é aplicado como uma das ferramentas da empresa para atender e interagir com sua base de mais de 15 milhões de usuários. No modelo da companhia, os clientes ganham pontos ao comprarem produtos e serviços numa rede de mais de 200 parceiros, entre postos de gasolina, supermercados, farmácias e varejo em geral.
Essas moedas virtuais podem ser trocadas por itens diversos — de recargas de celular e batedeiras até passagens aéreas — nos pontos de venda, pelo site e até mesmo em caixas eletrônicos. “O CRM e os sistemas analíticos são essenciais para entender e acompanhar o ciclo de uso desse cliente e aumentar seu engajamento”, disse Tavares. “Ao mesmo tempo, eles são a nossa forma de capturar e provar para os parceiros que levamos resultado para eles”, completou Araújo.
Presente em 15 cidades, a Dotz projeta para os próximos dois anos a chegada a São Paulo e Rio de Janeiro. E com o aumento considerável nas operações, a empresa não descarta investir em aplicações na nuvem, o que inclui a avaliação de tecnologias da Microsoft. O fato de a Microsoft possuir dois data centers no Brasil é uma das questões que será levada em conta.
O Ibope Media é mais uma empresa que também avalia estender a relação com a Microsoft. “Temos um conceito bem forte de informação em tempo real, de mobilidade e de trabalhar da mesma forma em todos os nossos escritórios. E estamos vendo bastante sinergia desses fatores dentro dos caminhos que a Microsoft está traçando”, afirmou Ronald Baumann, diretor de Controladoria do Ibope Media.
Segundo o executivo, essa percepção, no entanto, não foi sempre tão clara. O Ibope Media começou a implantar o ERP da Microsoft no fim de 2012. “No momento da escolha chegamos a duvidar se a Microsoft iria ‘brincar’ de ERP ou se estava realmente fincando os pés nesse mercado. Hoje, já viramos essa chave”, afirmou Baumann.
Após finalizar a implantação do ERP em 16 empresas do grupo no Brasil, o próximo passo é estender a adoção aos escritórios da companhia na América Latina e nos Estados Unidos. Com o controle recém-adquirido pela Kantar, braço do grupo WPP, Baumann enxerga um potencial para que a ferramenta da Microsoft seja adotada como a plataforma global da nova operação. “Tivemos muitos benefícios com o sistema. Antes, por exemplo, levávamos quase 60 dias úteis para consolidar e liberar informações para nossas filiais. Agora, em abril, vamos conseguir reduzir esse prazo para dois dias úteis”, observou.
A Cyrela é outra cliente que mudou sua percepção sobre a Microsoft com a implantação de uma nova versão do CRM da marca. A empresa investiu em um primeiro projeto com a Microsoft em 2007, com a adoção do sistema para fazer a gestão de sua equipe de corretores. Cinco anos depois, esse mesmo time passou a reclamar que o software em questão era lento e burocrático. “Começamos a avaliar as ofertas disponíveis no mercado e acabamos decidindo por uma nova versão do CRM da Microsoft, justamente por ser mais simples de navegar e pela integração com o Windows e o Office”, disse Roberto Nakamoto, diretor de TI da Cyrela.
Desde então, a Cyrela vem abrigando no CRM outras operações da companhia, entre elas, as áreas de relacionamento com o cliente e de assistência técnica. Hoje, dois mil usuários internos estão sob a ferramenta da Microsoft, dos quais, 1,2 mil são corretores. “Ainda estamos nesse processo de integrar outras operações, mas hoje já conseguimos ter todo o histórico e uma visão integrada do cliente, o que agiliza e torna os processos mais eficientes. Automaticamente, isso se transfere para a percepção do cliente”, afirmou. Segundo o diretor, a Cyrela usa ainda outras tecnologias da Microsoft, como o Office e o SharePoint. Recentemente, a empresa trocou suas soluções de videoconferência pelo Lync — que agora será rebatizado de Skype for Business —, e conseguiu reduzir custos na comunicação com suas filiais.
Fabricante paranaense de papel cartão, a Ibema decidiu implantar o ERP da Microsoft em 2011, como parte de um processo de preparação para a abertura de capital ou para uma fusão. O projeto incluiu uma segunda etapa de migração para uma nova versão do sistema, concluída no fim de 2014. “Tínhamos um sistema desenvolvido internamente e para chegar a esse estágio, precisávamos profissionalizar a gestão e ter informações mais confiáveis”, afirmou Celso Breve, gerente de TI da Ibema.
Segundo Michelly Gonçalves, gerente de Suprimentos e de Projetos da Ibema, o projeto foi fundamental para o acordo anunciado na semana passada com a Suzano Papel e Celulose. Na operação, a Ibema adquiriu uma fábrica da Suzano em Embu. Em troca, a Suzano ficou com 49,9% do capital social da Ibema. “Subimos alguns degraus pelo fato de termos em casa uma tecnologia de ponta”, disse.
A proximidade da Microsoft no projeto — o que envolveu recursos, interações e treinamentos para a 4Results, parceiro responsável pela implantação — foi destacado pelos dois executivos, especialmente pelo fato de o mercado paranaense ainda ser muito carente de mão de obra capacitada.
Parceiros criam rede de projetos na AL
Parte essencial da nova jornada da Microsoft, os parceiros de vendas na América Latina parecem já ter captado a mensagem da companhia. “A Microsoft não fala mais de CRM, de ERP, sem ser sob a ótica do negócio do cliente. Ao mesmo tempo, esses sistemas são uma porta de entrada para uma montanha de negócios e receitas da companhia, que vão desde o Windows e o Office, até as ofertas analíticas, de mobilidade e de nuvem”, disse Daniel Cantore, diretor de Vendas da Artware e um dos idealizadores da Dynamics Latam, espécie de rede que une parceiros da Microsoft em toda a região.
Com o apoio da Microsoft, o grupo foi criado em 2013 e hoje já conta com 17 empresas responsáveis pela implantação de sistemas empresariais da companhia na América Latina. “Cada país da região tem suas especificidades de regulações, tributações e de idioma. É difícil, por exemplo, para um parceiro brasileiro implantar sozinho um projeto com qualidade de um cliente dele no Equador. E a Microsoft tem se preocupado cada vez mais em qualificar, e em não ampliar, seus parceiros, por meio de treinamentos e suporte”, afirmou Cristiane Werner, diretora-executiva e executiva-chefe da brasileira 4Results, uma das integrantes da rede. Hoje, a Dynamics Latam já responde por projetos regionais de empresas como Scania e Megafarma. Segundo Cantore, o apoio da Microsoft veio à medida que a empresa percebeu que grandes parceiros, como IBM e Accenture, teriam dificuldades para essa abordagem localizada tão específica, ao mesmo tempo em que as empresas locais, sozinhas, não teriam escala para levar à frente projetos de maior fôlego.