Por monica.lima

A noite de gala do Oscar é marcada pelo glamour, pelo choro e pelos longos agradecimentos aos familiares por parte dos vencedores da estatueta mais famosa do mundo. Mas a 87ª cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, no domingo à noite, parecia mais um palanque de grupos defensores das causas de minorias e de bandeiras políticas e sociais. Foi uma espécie de compensação pelo fato de que há uma semana a Academia vinha sendo duramente criticada por ter indicado poucos negros e mulheres para a premiação. No palco de entrega do Oscar, os grandes vencedores preferiram focar palavras de ordem em torno dos mais diversos temas: direitos das mulheres, dos negros, dos imigrantes, dos veteranos de guerra, pela liberdade de expressão e de ser diferente, pelo combate à espionagem estatal, e conscientização sobre doenças como Alzheimer e esclerose lateral amiotrófica. Até mesmo a bandeira de que todos devem ser bons com seus pais teve lugar na festa, levantada por JK Simmons, que levou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante (“Whiplash: Em Busca da Perfeição”).“Liguem para sua mãe e seu pai! Telefone para dizer a eles que você os ama”, exortou.

As críticas sobre a falta de diversidade a respeito das indicações começaram desde que elas foram anunciadas, no dia 15 de janeiro, e acabaram resultando na criação da hashtag #OscarsSoWhite. Um dos fatos que gerou mais reclamação foi o de que nenhum ator ou atriz negra foram indicados para a premiação. Por isso, a cerimônia desse ano foi apelidada, antes mesmo da festa, de “o Oscar mais branco” em muitos anos. Ava DuVernay, a diretora afro-americana de “Selma” (cinebiografia de Martin Luther King Jr.), e David Oyelowo, ator principal do filme, não foram indicados.

“Selma”, no entanto, foi indicado para melhor filme e para melhor música (“Glory”). Acabou vencendo nesta última categoria. Mas o compositor John Legend subiu ao palco com a língua afiada e mandou um duro recado para uma plateia majoritariamente branca e rica: “Vivemos no país mais encarcerado do mundo. Existem mais homens negros no sistema prisional hoje do que escravizados em 1850”. A hegemonia branca em Hollywood é um fato. Pesquisa feita em 2012 pelo jornal “Los Angeles Times” mostrou que 94% dos 6.100 membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas são brancos, 77% são homens com idade média de 62 anos. O sexismo é igualmente famoso no mundo glamouroso do Oscar. O irreverente apresentador da noite, Neil Patrick Harrys, usou as críticas em suas gracinhas: “Esta noite celebramos os melhores e mais brancos — desculpe, mais brilhantes — de Hollywood”.

Outro protesto teve como foco o fato de que nenhuma mulher foi nomeada para as categorias de melhor diretor e roteirista. A atriz Patricia Arquette, Melhor Atriz Coadjuvante por “Boyhood”, foi responsável por um dos momentos mais importantes da cerimônia, com um inflamado discurso pela igualdade de salários para as mulheres que fez a veterana Meryl Streep vibrar da plateia. “Para todas as mulheres que tiveram filhos, para cada uma das cidadãs e pagadoras de impostos desta nação, nós lutamos pelos direitos de todos. É o nosso momento de ter igualdade de direitos de uma vez por todas para as mulheres nos Estados Unidos”, disse Arquette.

A colunista da revista “Forbes” Melissa Silverstein disse que este foi o “Oscar do descontentamento”, lembrando que há sete anos escreve sobre as mulheres no mercado cinematográfico. “Essa temporada de prêmios me lembra o quanto ainda falta para chegarmos lá”, lamentou. Desde 2006, esta é a primeira vez que a Academia não indica mulheres a nenhum dos principais prêmios, com exceção, é claro, da categoria de Melhor Atriz. E isso aconteceu mesmo com a maioria da audiência televisiva da festa sendo feminina. Em 2014 elas eram cerca de 60%, de acordo com levantamento feito pela empresa Nielsen.

Mas o protesto feminista não aconteceu apenas no palco. Do lado de fora, no icônico tapete vermelho onde as atrizes desfilam seus modelitos para a multidão de fotógrafos do mundo todo, a atriz Reese Witherspoon avisava: “Somos mais do que nossos vestidos”. A atriz lidera a campanha #AskHerMore, criada para estimular os jornalistas a fazer perguntas interessantes às mulheres em eventos de Hollywood, no lugar das tradicionais questões sobre que vestido elas estão usando ou como conseguem compatibilizar a profissão com a família.

O grande vencedor da noite, o diretor Alejandro Gonzáles Iñárritu, de “Birdman” ou “A inesperada virtude da ignorância”, que levou para casa três estatuetas (Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Direção), também levou para o palco um dos assuntos mais polêmicos da política americana atual: a dos imigrantes latinos. “Só rezo para que sejam (os imigrantes da última geração) tratados com a mesma dignidade e respeito que aqueles que chegaram antes e construíram esta incrível nação de imigrantes”, disse Iñárritu, que nasceu no México.

O direito de ser diferente também foi outra bandeira da noite. Graham Moore, que venceu o Melhor Roteiro Adaptado por “O Jogo da Imitação”, cujo protagonista é um cientista gay perseguido, discursou: “Quando eu tinha 16 anos tentei me matar porque me sentia diferente. Quero que este momento seja daquele garoto que se sente estranho ou diferente”. Aos vencedores de Melhor Atriz e Melhor Ator coube a conscientização sobre as doenças de Alzheimer e esclerose lateral amiotrófica. Julianne Moore levou a estatueta ao representar uma doente de Alzheimer em “Still Alice”(“Para Sempre Alice”). Ela contou à plateia que o diretor não estava ali. Ele foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica, assunto do filme “A Teoria de Tudo”, sobre o físico Stephen Hawking, interpretado por Eddie Redmayne, que fez um discurso emocionado sobre a doença degenerativa. Ontem, Hawking parabenizou Redmayne pelo Oscar: “Estou muito orgulhosos de você”, disse o cientista em sua página no Facebook.

A parte mais política da noite ficou por conta dos documentários. “Crisis Hotline: Veterans Press 1”, sobre os problemas psicológicos dos veteranos de guerra. foi o Melhor Curta. A diretora Dana Perry homenageou o filho que se suicidou, ao receber a premiação. “CitezenFour”, sobre Edward Snowden e as revelações a respeito da espionagem da NSA, ganhou o Oscar de Melhor Documentário. Ao lado do jornalista americano radicado no Brasil Gleen Greenwald, a diretora Laura Poitras fez uma defesa da privacidade e dedicou o prêmio a jornalistas como Greenwald, que expõem a verdade: “As revelações de Edward Snowden não só expõem uma ameaça à nossa privacidade, mas à nossa democracia. Quando as decisões mais importantes que afetam a todos nós estão sendo realizadas em segredo, perdemos a habilidade de vigiar os poderes que detêm o controle”. 

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