Por Thuany Dossares e Lucas Cardoso
O objetivo era buscar uma rede de apoio para ter com quem dividir os momentos difíceis, mas o retorno acabou sendo cair em um golpe financeiro. Nas redes sociais, milhares de mulheres ao redor do Brasil e do mundo têm dividido a frustrante experiência de terem pago R$ 5 mil para entrar nos grupos Tear dos Sonhos e Mandala da Prosperidade. Acreditando que encontrariam acolhimento e o investimento multiplicado por oito, elas acabaram sendo vítimas de estelionatárias que se aproveitam da fragilidade de mulheres com discursos feministas, e não veem seu dinheiro de volta. 

O DIA teve acesso a gravação de uma das reuniões, feita através de uma live no Facebook, onde as guardiãs, como são chamadas as suspeitas, fazem o primeiro contato com uma faísca, que é a mulher que está interessada em integrar a mandala. Caso se sinta atraída e queira receber a prometida cura espiritual, a vítima precisa pagar R$ 5 mil, e automaticamente se torna o elemento fogo, de iniciação. O ciclo é dividido em quatro etapas: fogo, ar, terra e água. Em cada uma delas, é determinada uma função.

A expectativa é que no último elemento, o dinheiro retorno e comece a ser multiplicado. Entretanto, o relato de mulheres que moram em São Paulo, Minas Gerais, Bahia e, até na Nova Zelândia, mostram que a realidade não é essa.

"A gente acha que é esperta e que nunca vai cair no golpe, mas dependendo da roupagem, fica muito fácil. Tem todo um apelo nessa primeira reunião, elas te escutam para perceber onde é o seu ponto fraco e aí poderem dizer que vão conseguir te entregar o que você espera lá no grupo. Elas jogam um xaveco, e com o psicológico abalado, a gente acaba caindo", falou uma biomédica, de 32 anos.

Ela, que prefere não se identificar, mora em São Paulo e conta que caiu no golpe no início de 2019, logo após o marido enfrentar um câncer. Inicialmente, a biomédica procurava por grupos de mulheres que fazem um trabalho terapêutico chamado 'consagrado feminino', e que após encontrar, foi convidada para conhecer o Tear dos Sonhos.

"Meu caso era depressão, solidão, eu me sentia sozinha, não focava só no dinheiro. Eu estava exausta, passei um ano morando em hospital, engordei 10 quilos. Voltei para casa me sentindo sobrecarregada, tendo que cuidar de tudo, porque nossos familiares moram longe e meu marido, com a imunidade muito baixa, não podia receber visitas. Encontrei uma terapeuta que parecia ser maravilhosa, muito espiritualizada, e quando você participa do grupo da mulher, você é convidada a ir para o Tear. É aí que elas se juntam, as guardiãs, que são quem está no topo da pirâmide e é só quem ganha dinheiro com isso", narrou a vítima. 
Crime financeiro e contra os ideais feministas, segundo especialistas 

A advogada Juliana Siqueira, especialista em direito econômico e financeiro, explica que esquemas financeiros de pirâmide são proibidos no Brasil. "Além de ser pirâmide, é estelionato. A pessoa sem caráter, usa técnicas de persuasão para pegar informações pessoais suas e usá-las em forma de ganho próprio. Elas criam laços com fragilidades em comum e usam para cometer crimes", esclarece. 

Para Adriana Mota, ativista da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB Rio), além da prática de estelionato financeiro, conhecida no Código Penal, há também uma espécie de estelionato ideológico.

"Elas usurpam princípios muito caros ao feminismo, como a sororidade, o apoio entre as mulheres, a necessidade da gente apoiar financeiramente a vida de mulheres que estão passando por necessidade. Além da própria questão do empoderamento feminino de mulheres serem autônomas e cuidarem de suas próprias vidas, podendo ter autonomia financeira e se libertar de ciclos de relacionamentos abusivos", lamentou.

A ativista alerta que grupos sérios de apoio à mulheres não exigem nenhum tipo de cobrança. "As mulheres podem consultar grupos feministas, para ver que essas propostas são equivocadas, porque todas nós já estamos sabendo desse golpe. Também estamos organizando uma forma de protestar junto à justiça, para que os responsáveis sejam penalizados. Nenhum grupo feminista cobra para que as mulheres participem, não exigimos nenhum tipo de depósito. Se algum cobra, desconfie e se for o caso, faça a denúncia, porque isso é crime", finalizou.
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As mulheres no Rio de Janeiro que foram lesadas por esses grupos de esquema de pirâmide podem procurar o Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Rio, e denunciar o caso na Delegacia de Defraudações, na Cidade da Polícia, ou na distrital mais próxima.  
Esquemas de pirâmide não são novidade
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Em 2019, um esquema parecido com o das Mandalas da Prosperidade e do Tear dos Sonhos, que prometia ganhos elevados fez vítimas famosas como o jogador Zico e os humoristas Sérgio Mallandro e Cristiana Pompeo. O responsável pelo esquema, Jonas Jaimovick, da JJ Invest, preso em novembro do ano passado no Rio, teria sumido com cerca de R$ 170 milhões dos "investidores". As vítimas eram atraídas por uma rentabilidade acima do praticado em investimentos tradicionais.

Segundo as investigações da Delegacia de Defraudações da Polícia Civil (DDEF), o esquema da JJ invest causou prejuízo a mais de três mil pessoas, com a promessa de rentabilidade de 10% a 15%. O recurso oferecido como rendimento, contudo, era pago apenas para alguns e vinha do valor empregado por novas vítimas que entravam no grupo. Além de Jandwick, outras oito pessoas foram indiciadas em novembro do ano passado.

Entre as vítimas, o esquema de pirâmide atraiu o ex-jogador de futebol e ídolo do Flamengo Zico, que chegou a posar ao lado de Jonas para foto no local onde fica o escritório da JJ invest. Os humoristas Sérgio Mallandro e Cristina Pompeo também caíram nas promessas de alto rendimento.
Relação abusiva
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O relato da vítima, Ana Paula, feito durante uma live no Facebook promovida pela diretora artística e professora paranaense, Sheylli Caleffi, em agosto do ano passado, mostra o dilema emocional vivido por quem tenta sair do Tears dos Sonhos. A live aconteceu em agosto do ano passado. 

"Demorou a cair a ficha. Eu estava muito envolvida realmente com aquele grupo. Era muito uma sensação de relacionamento abusivo. Parecia que, se eu saísse dali, eu não teria suporte de nenhum outro lado. Nem a minha família eu enxergava como suporte. Parecia que elas me davam esse suporte, só que a troco de muito abuso. Muitas palavras bonitas e ajuda, então você acha que está sendo nutrida, mas, na verdade, você está sendo sugada", relembra.

Segundo ela, as integrantes do grupo tem um esquema grande, onde as mais influentes e beneficiadas tomam o papel de defensoras do esquema. "Depois que eu saí, me colocaram em contato com as mulheres que são a tal força guardiã, que é formada por mulheres que já fizeram muito dinheiro com o esquema e se juntam para ajudar mulheres que saíram 'feridas' do Tear dos Sonhos", explica ela, que não aceitou o ressarcimento do valor pelas líderes, já que o valor sairia de novas vítimas.