Cem anos da BCG: como a vacina mudou história do combate à tuberculose Divulgação/Prefeitura de Jundiaí
"Foi uma grande vitória contra essa doença, que matava tanta gente no mundo inteiro e até hoje tem os mais vulneráveis como suas principais vítimas", afirma a médica Dilene Nascimento, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e estudiosa da história das doenças no Brasil. Há registro de casos de tuberculose no Brasil desde o período de colônia. A doença é transmitida por inalação de gotículas contaminadas e eliminadas pela respiração, tosse ou espirro.
A pesquisadora explica que, mesmo antes da descoberta da vacina na França, o Brasil tinha iniciativas para tentar proteger a população deste mal. Uma delas foi a Liga Brasileira contra a Tuberculose, entidade civil composta por pesquisadores e intelectuais, e que se transformaria depois na Fundação Ataulpho de Paiva, no Rio de Janeiro, entidade filantrópica até hoje responsável por produzir a BCG no país. Aliás, no Brasil, o desenvolvimento da vacina deu-se, inicialmente, pela pesquisa do cientista Arlindo de Assis (1896-1966) depois que ele recebeu, em 1925, uma amostra da cepa do vírus in vitro para estudo.
Nos próximos dias 8 e 9 de julho, a Fiocruz realiza evento de debate (confira programação) sobre o legado da vacina BCG, administrada gratuitamente em postos de saúde, para os programas de imunização no Brasil. Em entrevista à Agência Brasil, a pesquisadora conta a trajetória do combate à tuberculose no país, e qual o papel a vacina BCG desempenhou nesta história.
Agência Brasil: Qual era o contexto de busca por essa vacina?
Dilene Nascimento: A situação era grave. Em 1900, foi criada, por médicos e intelectuais - principalmente do Rio de Janeiro - a Liga Brasileira contra a Tuberculose. Eles estavam preocupados com o alto índice de óbitos. O discurso, na época, era que o Brasil (que havia deixado de ser uma monarquia em 1889) estava entrando na modernidade e deveria abandonar o atraso do século 19. Foi essa liga que depois se transformou na Fundação Ataulpho de Paiva (entidade filantrópica até hoje responsável pela produção da vacina no Brasil).
Dilene Nascimento: Naquele começo de século 20, foram criados dispensários - um em 1902 e outro em 1911. Existia um tripé para o atendimento: o sanatório (lugar para ter repouso, higiene e alimentação), o dispensário (ambulatório com tratamento médico) e o preventório (lugar onde ficavam os filhos dos tuberculosos, onde as crianças tinham até a manutenção dos seus estudos). Existiam tentativas de criar setores separados dentro dos hospitais para quem tivesse com a tuberculose. As Santas Casas tinham essa iniciativa, por exemplo. Mas os óbitos continuaram altos.
Agência Brasil: E como se deu o desenvolvimento da vacina aqui no país?
Dilene Nascimento: O pesquisador Arlindo de Assis, que era o cientista que trabalhava no Instituto Vital Brazil, recebeu a cepa inativada do vírus de um pesquisador uruguaio, para poder para desenvolver a vacina no Brasil. Isso ocorreu em 1925. Ele começou a desenvolver a vacina e fez uma articulação com a Liga Brasileira contra a Tuberculose, que era presidida por Ataupho de Paiva. A entidade resolveu assumir a aplicação das vacinas nos dispensários e nas escolas. O Arlindo de Assis, então, se transferiu para a entidade e passou a produzir a vacina BCG. A Liga entendeu que a prioridade deveria ser crianças e estudantes. Com a criação do Departamento de Saúde Pública, passou a existir uma política pública com relação à tuberculose. Foram produzidos cartazes. Na época, ainda eram realizadas cirurgias muito doloridas para tentar resolver a tuberculose, chamadas de pneumotórax. Não era tratamento simples.
Dilene Nascimento: As principais vítimas da doença são pessoas com sistema imunológico comprometido. As relações precárias de trabalho daquele início de século 20 também agravavam a situação. Além disso, condições de moradia também interferem para a disseminação da doença. Ao longo do século, houve melhora nas condições de vida e de trabalho. Em 1942, tivemos o primeiro remédio antibiótico para tratamento. Quatro anos depois, o Estado criou uma campanha nacional de combate à tuberculose e também de vacinação. Tinha orçamento, por exemplo, para criar sanatórios nas várias capitais brasileiras. Ainda na década de 1940, decretos legislativos passaram a obrigar a vacinação das crianças.
Dilene Nascimento: Essa é uma conquista. Desde 1976, existe essa obrigatoriedade. Todas as maternidades aplicam vacina BCG nas crianças recém-nascidas. O imunizante não impede 100% de se infectar com o bacilo, mas faz com que uma eventual evolução da doença ocorra de forma menos grave, como ocorre com as vacinas contra a covid de hoje em dia também. A vacina é indicada para crianças de 0 a 4 anos (de acordo com a Portaria nº 452, de 6 de dezembro de 1976, do Ministério da Saúde, o imunizante é obrigatório para menores de um ano).
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