Bombeiros trabalham nas ruínas do prédio da TAM atingido pelo vôo 3054 à procura de mais vítimas do acidente19/07/2007/Valter Campanato/Agência Brasil
Passados 15 anos, ninguém foi responsabilizado ou cumpriu pena pelo acidente. Em 2015, a Justiça Federal acabou absolvendo a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu, o então vice-presidente de operações da TAM, Alberto Fajerman, e o diretor de Segurança de Voo da empresa na época, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, que haviam sido denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) por “atentado contra a segurança de transporte aéreo”, na modalidade culposa. Para a Justiça, os réus não agiram com dolo (intenção).
No dia do acidente, Gomes estava em sua residência, em Porto Alegre, trabalhando. E a primeira informação que recebeu sobre a queda do avião chegou pela TV, em casa. “Naquele dia estavam acontecendo os Jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro. E eu estava no meu escritório e ouvi uma chamada, na TV Bandeirantes, de que iriam entregar medalhas para alguns atletas brasileiros. E eu pensei ‘vou ver nossa gurizada ganhar medalhas’. Parei a matéria que estava escrevendo e fui para o quarto ao lado, que é a minha sala de televisão. Só que quando eu entrei no quarto, trocou a imagem. Saiu a imagem dos jogos e entrou a imagem daquele avião, contra o prédio. E entrou a voz do apresentador dizendo que um avião de carga, proveniente de Porto Alegre, havia se chocado contra o prédio da TAM Express. E um minuto depois ele corrigiu: ‘Não, não. A informação que está chegando é que é um avião de passageiros e não sabemos o número de vítimas’”.
“Era de tardezinha e eu sabia que o Mário naquele dia ia para São Paulo. Aí eu liguei para o meu irmão caçula e perguntei: ‘O Mário foi para São Paulo?’. E ele respondeu: ‘Foi, Beto. Estou indo para o aeroporto’. E eu disse: ‘Passa aqui e me pega’. A gente gelou. Deu um frio na espinha, uma sensação terrível. No trajeto para o aeroporto [de Porto Alegre], eu fui tentando ligar [para o Mário], mas só dava caixa postal. E aquilo era uma aflição. E quando chegamos no aeroporto, começou o pesadelo”, narrou.
Mário tinha embarcado de Porto Alegre para São Paulo para assinar o contrato de locação de uma casa e também para assinar um contrato com um cliente. A intenção do empresário, naquele momento, era se mudar para São Paulo, onde estavam a maioria de seus clientes. Talvez, por isso, alguns dias antes da viagem, ele reuniu os irmãos em sua casa, sem aparentemente um motivo especial. “No domingo anterior ao acidente, ele fez um churrasco e reuniu os irmãos. Eu até tinha achado estranho ele fazer esse churrasco. Ele reuniu os irmãos na casa dele, fez um churrasco e, sei lá, parece que ele estava se despedindo”, disse.
Associação
A Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ3054 (Afavitam) foi criada em outubro daquele mesmo ano. O jornalista se tornou uma espécie de assessor de imprensa voluntário, ajudando a aproximar os jornalistas dos parentes das vítimas. “Eu pensei: vamos precisar da imprensa porque essa história aí vai longe. O maior acidente da aviação brasileira não termina em um mês. Nós precisamos da imprensa, senão seremos sofridos e também invisíveis”, refletiu na época. Foi assim que ele passou a exercer essa função de forma voluntária para a associação, que se tornou para ele uma nova família.
Nestes anos todos, os membros da associação continuaram tendo que lidar com novas perdas. No final do ano passado, por exemplo, um dos seus membros mais ativos faleceu: o vice-presidente da Afavitam, Archelau de Arruda Xavier, que havia perdido a filha Paula Masseran de Arruda Xavier no acidente aéreo. Archelau deu entrevista à reportagem da Agência Brasil em 2017, reclamando já naquele ano da falta de punições. “A gente vai morrer com essa tristeza. Onde mais dói é ver a minha mulher sentindo falta, os irmãos sentindo falta dela. A segunda coisa que dói muito é ver que a justiça não aconteceu”, lamentou à época.
“Tem famílias que superaram, conseguem hoje pensar melhor. Eu ainda me emociono quando vejo matérias [sobre o acidente]. Mas tem gente que está doente. Tem gente que nunca se recuperou. Há uma mãe, inclusive, que já deu entrevista no passado e agora está proibida por médicos de fazer isso, tal o dano que ela tem até agora com a perda da filha”, contou Gomes.
O Cenipa, no entanto, não é um órgão de punição, mas de prevenção. Ele não aponta culpados, mas as causas do acidente. O relatório sobre o acidente, portanto, dá informações e 83 recomendações para que tragédias como essa não se repitam.
Esse relatório feito pela Aeronáutica contribuiu para outras duas investigações, feitas pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, que levaram, no entanto, a conclusões bem diferentes sobre os culpados.
Indiciamentos
No entanto, essa denúncia da promotoria não foi levada à Justiça estadual. O processo acabou sendo remetido ao Ministério Público Federal (MPF) porque, no entendimento do promotor, o caso se tratava de crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo, de competência federal. Com isso, a Polícia Federal começou a investigar o caso e, ao final desse processo, decidiu indiciar apenas os dois pilotos, Kleyber Lima e Henrique Stefanini Di Sacco, pela tragédia. “Foi uma conclusão covarde, conveniente: os mortos são os culpados. Os familiares nunca aceitaram essa versão de que os pilotos eram os culpados. No máximo, que eles foram induzidos ao erro”, defende Gomes.
O inquérito da Polícia Federal se transformou em denúncia e, nesse documento, que foi aceito pela Justiça, o procurador Rodrigo de Grandis decidiu, ao contrário do indiciamento feito pela Polícia Federal, denunciar três pessoas pelo acidente: Denise Abreu, Alberto Fajerman e Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, que acabaram sendo absolvidos pela Justiça. “E aí a Justiça, na primeira instância, absolveu eles. Houve recurso para a instância superior, que manteve a decisão do juiz de primeira instância, absolvendo os réus. Ou seja, os condenados acabaram sendo as vítimas e seus familiares”, falou o jornalista.
Em 2017, o Ministério Público Federal informou que não iria recorrer da decisão que absolvia os réus.
Já em São Paulo, as famílias se reunirão de manhã, a partir das 9h, no Memorial 17 de Julho, local onde o acidente ocorreu. O Memorial será decorado com pássaros confeccionados e que serão colocados embaixo do nome de cada vítima. Ao longo do dia, familiares irão ao local para levar flores e dedicar suas orações e pensamentos aos seus entes queridos.
Em 2017, o programa Caminhos da Reportagem falou sobre os dez anos da tragédia e apresentou depoimentos emocionantes das famílias das vítimas.
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