Arte coluna atila Nunes 04 novembro 2023Arte Paulo Esper
Somente quem sofreu na carne os efeitos do preconceito pode aquilatar a importância da luta pela convivência pacífica das diversidades. O preconceito é uma opinião não submetida à razão.
A expressão "intolerância" é questionada por vertentes religiosas, considerando-a inadequada para classificar preconceitos, sejam eles também raciais, étnicos, de nacionalidade ou sexuais. A tolerância nos obriga a amar os que nos ofendem, dando a outra face para ser estapeada, apesar do tamanho das ofensas?
Esse mantra – o da tolerância – deve ser encarado com muito senso crítico. Em nome da tolerância, vale tudo? Vale injúrias, vilipêndios, difamações, tudo que é capaz de ser produzido pelo lado ruim do ser humano?
Esse mantra nos faz esquecer os fantasmas do passado, como os genocídios no Camboja na década de 70, com 1,7 milhão de mortos em quatro anos, quando o ditador Pol Pot acabou com 20% da população do próprio país. Também não funcionou na Turquia, nos idos de 1920, onde 2,7 milhões de pessoas foram exterminadas pelo governo turco, que forçou minorias ao exílio, em longas caminhadas rumo a campos de concentração onde hoje fica a Síria.
Muçulmanos, hindus e sikhs ignoraram a "tolerância" em Bangladesh na década de 70, quando morreram 3 milhões por causa da separação da Índia com o Paquistão. Tolerância definitivamente não funciona para países – inclusive europeus - que colonizavam um território. Na década de 80, a avançada colonização belga massacrou a população do então Congo Belga na África, escravizando-a para trabalhar na extração de borracha. Oito milhões morreram.
O número inimaginável de 20 milhões de seres humanos massacrados pela Alemanha de Hitler incluiu, além dos 6 milhões de judeus, 14 milhões de eslavos, gays, ciganos, romenos e sérvios. Josef Stalin pouco se importava, com certeza, para sentimentos "tolerantes". O tirano russo desalojou e exilou na gelada Sibéria milhões de dissidentes. Total de mortos: 25 milhões.
Mao Tse Tung era realmente muito mau. Na China e no Tibete, liquidou com 50 milhões de almas nas décadas de 50 e 60. Não havia sinais de "tolerância", nem nos campos de concentração: as famílias eram obrigadas a pagar pela bala usada para matar os condenados. A lista é imensa, se incluirmos Pinochet e os que estiveram à frente da ditadura militar no Brasil e na Argentina.
Vamos ser claros: o fato de entender os "intolerantes" não quer dizer que temos que relevar seu preconceito, que, dependendo da opção (religioso, racial, étnico, sexual ou de classe), é usado para agregar a insatisfação de multidões frustradas.
Essa é a grande razão da imperiosa necessidade de lutar severamente contra essas explosões de preconceito dos nossos tempos. A ocasião é propícia para esses rompantes atrasados de preconceito. A crise econômica e o clima de insegurança são alimentadores do preconceito, útil até para quem quer ganhar dinheiro. E como.
E os fantasmas do passado voltam nos dias de hoje, reunindo o que há de pior: ódio à diversidade, seja sexual, religiosa, ideológica ou étnica. Sem falar na aceitação das diferenças de classes. E quando esses sentimentos se tornam ameaçadores, não há como ficar apenas no discurso. Não há como ser tolerante com os intolerantes. Isso é um erro.
A humanidade foi tolerante com ditadores que exterminaram – e ainda exterminam – homens, mulheres e crianças. O primeiro passo dessa gente sabemos qual é. Começa com discursos e postagens isolados contra gays, contra religiosos, nacionalidades, etnias, contra qualquer segmento que ache que fuja de seus padrões.
Dentro de cada preconceituoso, há o embrião de um daqueles carrascos que povoaram e ainda estão presentes nesse planeta. Por isso, não basta discursar. É necessário utilizar todos os recursos disponibilizados no regime democrático para detê-los, para que a história não se repita.
Entender o contexto histórico dessas manifestações não deve nos conduzir a justificar tais condutas. Pelo contrário.
Átila Nunes
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