Num tempo de perplexidade, em que olhamos para as conquistas da humanidade por um lado, vemos, por outro, os homens exibindo sua face mais cruel. Jaime e Carla Pinsky abordaram as várias diversas faces que o fanatismo adquiriu ao longo do tempo e em contextos distintos.
Nas últimas décadas, quando predominaram homens-bomba, atentados terroristas, manifestações racistas e ações extremistas, é fundamental e urgente analisar o fanatismo. Fanatismo é a exaltação que leva indivíduos ou grupos a praticarem atos violentos contra outras pessoas, prejudicando significativamente sua liberdade e atentando contra sua vida. E assim agem baseados na intolerância e na crença em verdades absolutas, para as quais não admitem contestação.
Os fanáticos, segundo o escritor Amós Oz, são aqueles que acreditam que o fim, qualquer fim, justifica os meios. São os que acham que a justiça (ou o que quer que queiram dizer com a palavra justiça), seus valores, suas convicções e crenças são mais importantes do que a vida. São aqueles que, se julgam algo mau, consideram legítimo procurar eliminá-lo, junto com seus vizinhos.
A religião serviu e serve como explicação/pretexto para perseguições, torturas e assassinatos em diversos momentos da história, dos cruzados medievais aos fundamentalistas do século XXI. O racismo (contra negros, semitas, orientais, etnias minoritárias) provocou - e provoca - muitas humilhações e derramamento de sangue. Impossível não mencionar que chegou-se ao ponto máximo, em pleno século XX, de confinar pessoas em campos de extermínio, onde seriam escravizadas, torturadas e mortas, por sua suposta inferioridade racial.
A política é e sempre foi a desculpa para inúmeras violências contra opositores, através de manifestações agressivas de chauvinismo, opressão e terrorismos, a partir de óticas e "verdades definitivas" tão diversas como a comunista, a imperial, a libertária, a do "mundo livre" ou a nacionalista.
E o ato de torcer por este ou aquele time, algo que deveria ser saudável e divertido, surge como o mais novo fundamento para atitudes antissociais e violências, não só contra torcedores dos times "inimigos", mas também contra determinados grupos étnicos, mulheres, homossexuais e migrantes. O machismo (misoginia, homofobia) também pode ser apontado como uma justificativa para violências específicas contra mulheres e homossexuais.
As religiões, lembram Jaime e Carla Pinsky, a princípio, deveriam servir para aperfeiçoar o ser humano, aproximando-o da divindade. Mas algumas delas têm sido responsáveis por manifestações acabadas de fanatismo. Massacres, torturas, guerras, perseguições, intolerância e outras atitudes e práticas deploráveis têm testemunhado o que de pior o ser humano apresenta. E muitas vezes tais atrocidades são feitas em nome de Deus.
O problema é que muitos desses religiosos acreditam serem os únicos a professarem a "religião verdadeira". Supõem acreditar no Deus certo, demonstrar sua crença de forma certa e apoiar uma estrutura certa de poder religioso. Certezas que, segundo eles, teriam sido reveladas pela própria divindade, daí não poderem ser contestadas ou sequer discutidas. Certezas que têm sido impostas aos "nativos", aos "infiéis", aos "hereges", aos que se desviam do caminho da "verdade". E foram impostas a sangue e fogo pelos cruzados, pela tortura e pela fogueira às "bruxas", por homens-bomba ou pelo veneno líquido e gasoso aos adeptos e vítimas de certas seitas modernas de caráter messiânico.
Queimar mulheres na fogueira por possuírem um saber não referenciado pela Igreja da Era das Trevas, apedrejar adúlteras até a morte ou enterrar vivas as pessoas junto com o cadáver do marido são apenas alguns exemplos. Em qualquer sociedade e em qualquer tempo, são atitudes de fanáticos. Entender o contexto histórico dessas manifestações não deve nos conduzir a justificar tais condutas.
Pelo contrário. Não podemos é repeti-las.
Átila Nunes