Nos momentos mais dramáticos da vida, quando é necessário tomar uma atitude, às vezes, drástica ou, no mínimo, corajosa, é normal que uma infinidade de emoções domine nosso dia a dia. Sem drama, mas com a lucidez possível, cada um de nós vai montando um caleidoscópio das nossas opções. Decidir o que fazer diante da realidade, muitas vezes cruel, vai forjar não só o caráter de cada um, mas, especialmente, o lugar que resolvemos ocupar no mundo.
Com a resistência democrática ao fascismo no nosso Brasil de hoje, essa foi uma encruzilhada a ser definida. O movimento sectário, autoritário e opressor, destinado a dominar o poder via instrumentalização do Judiciário como maneira de fazer política, sempre foi uma opção da direita radical.
Com o tal “mensalão”, uma estratégia golpista foi se definindo com mais profissionalismo. A espetacularização da política e o uso pesado da grande mídia ocuparam espaços nunca antes ousados. O germe do fascismo judiciário estava sendo inoculado na tenra democracia representativa. E visava ao cerne dessa Democracia: transformar a “política” no objeto criminoso como estratégia de poder. Os Tribunais, especialmente o Supremo, sofreram uma campanha sistemática e agressiva para desmoralizar o Legislativo e o Executivo. Subleituras de teorias estrangeiras foram abrasileiradas para condenar os escolhidos políticos e para minar o Estado democrático de direito.
Com o sucesso do ataque frontal às instituições, os direitistas profissionais avançaram para a Operação Lava Jato. Era o objetivo épico dos fascistas de plantão: instrumentalizar o Judiciário e o Ministério Público - inchado pela Constituição de 1998 - para assumir escancaradamente o poder. Em uma ousada tática de guerra, os precursores do bolsonarismo encetaram uma luta contra as instituições democráticas.
Com o apoio escancarado da grande mídia, de uma elite inculta, dinheirista e gananciosa, de parte de um Judiciário ávido por benesses e de um Legislativo com os braços postos num balcão de negócios, tramou-se a Operação Lava Jato, que foi a mãe e o pai do fascismo bolsonarista. A recompensa do ex-juiz com o cargo de ministro da Justiça, por prender injusta e criminosamente o Lula, que intentava derrotar um projeto democrático, deu o tom da barbárie que se anunciava. Resistir era o que nos cabia.
Cada um à sua maneira. Muitos com a ocupação dos espaços acadêmicos, que tantos frutos rendem aos ensinamentos democráticos; outros na lida política de trincheira institucional, que revigora o sistema podre por dentro; vários com um método de guerrilha individual, como Dons Quixotes, a portar lanças imaginárias contra moinhos reais de ventos frios e autoritários; e outros tantos a insistir no cumprimento da Constituição nas Defensorias, nos espaços públicos, nos jornais, no magistério, nas ruas e nos bares. Uma montanha de insatisfações que se transformava em nuvens de sonhos e em atos reais que, dispersos, poderiam sumir com os açoites das tempestades.
Mas houve quem ousasse reunir esses apaixonados pela manutenção de uma estabilidade democrática. Dentro de um mesmo espaço, livre, irrequieto, instigante, divertido, amoroso, sensual, contraditório, irreverente, debochado e artístico, surge um despretensioso grupo de WhatsApp chamado Prerrogativas. O objetivo era singelo: lutar por igualdade, contra o racismo, o fascismo, a misoginia e a opressão, pela Democracia, pela igualdade de gênero e, se possível, mantendo as tretas diárias com sexo, poesia, música, humor e alegria. Sob a inspiração do nosso sempre amado Sigmaringa Seixas, o coordenador geral e dono da chave desse espaço lúdico, às vezes lúcido, quase sempre incontrolável, nosso querido Marco Aurélio Carvalho fez de um grupo de WhatsApp uma instituição nacional.
A heterogeneidade dos seus membros, todos unidos por sentimentos profundos de certeza democrática, bem como a capacidade e o brilhantismo de vários deles, tudo unido, fez com que a defesa intransigente dos preceitos constitucionais que sustentam a Democracia fosse um norte no dia a dia. E deu ao grupo um papel relevante, não só na resistência ao autoritarismo, mas, e foi fundamental, na formulação de propostas por um país mais justo, igual e solidário.
É o que o Brasil precisa neste momento de reafirmação, não só da política tradicional, boa e imprescindível, mas da efervescência que mantém viva a chama por um país libertário e sem as amarras do fascismo que ainda nos ronda. O Prerrô já faz parte da história do sonho democrático. Obrigado a todos e, especialmente, ao nosso Marco Aurélio.
Lembrando-nos do velho Manoel de Barros, “Quem anda no trilho é trem de ferro. Sou água que corre entre pedras - liberdade caça jeito”.
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