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Recebi o telefonema de uma jornalista retomando o assunto da vaga que será aberta no Supremo Tribunal. A pergunta que ela fez partiu de uma premissa completamente falsa: “Quando um advogado é nomeado ministro do Supremo, não significa que ele chegou ao ápice da carreira profissional?”.

Para mim, sinceramente, cada profissional tem seu critério de se sentir feliz e realizado dentro da sua profissão. Eu sou advogado criminal e, em regra, o ápice do meu trabalho é conseguir um habeas corpus que resulte na liberdade de uma pessoa. Ou subir à tribuna do Plenário do Supremo para sustentar uma ação direta de constitucionalidade que vai resultar na afirmação da presunção de inocência, afastando a prisão antes do trânsito em julgado. Defendendo sempre a Constituição. Ou, ainda, ser ouvido nos tribunais Brasil afora, ou mesmo ter voz no debate da redemocratização do país. Voz dentro e fora do Judiciário, na verdade “muito além do Direito”, como, aliás, é o nome que dei para um livro que publiquei recentemente.

Sempre quis advogar, jamais seria membro do Ministério Público ou juiz. O ministro do Supremo é um juiz. Ministro, com mais poderes, especialmente nos últimos tempos de um Executivo fascista e de um Legislativo cooptado, mas, ao fim e ao cabo, um juiz. E penso que teria, se fosse um magistrado, o defeito que sempre critiquei no ex-juiz Sérgio Moro: seria parcial. Tenho lado.
Tenho sangue e DNA de advogado que defende com paixão as teses que abraça. Claro que meu norte é a Constituição e a minha leitura dela é a de um cidadão compromissado com o Estado democrático de direito. Como advogado, tenho sempre a opção de escolher as causas em que atuo; como juiz, pode ser que surgissem questões que, sob o peso e as amarras da toga de magistrado, me levassem a adotar uma postura que afligisse minha alma. A beca de advogado me cai bem, me acalanta e me faz companhia.

É certo que a escolha de juízes para os tribunais superiores, especialmente para o Supremo Tribunal, é um dos maiores poderes que detém um presidente da República em um regime presidencialista. E, sabemos todos, a aprovação pelo Senado Federal do nome escolhido é quase o cumprimento de uma formalidade constitucional. Não há, com o rigor que seria o ideal, uma verdadeira sabatina que poderia levar à rejeição do indicado.
O presidente Lula tem uma larga experiência no assunto. Já indicou oito ministros para a Corte Suprema e, imagino, teve pelo menos 580 dias para refletir sobre os erros e acertos nas indicações. Daí a expectativa de que, agora, mais do que nunca, tenhamos um nome garantista, que compreenda o Direito como instrumento de fazer valer a Democracia, com coragem de ser contra majoritário, independência para não se curvar aos interesses não republicanos, história já consolidada para não se impressionar com a força, às vezes avassaladora, da mídia e compromissos inarredáveis com a Constituição e os valores que sustentam a República.

O presidente Lula deverá indicar, pelo menos, mais três ministros neste mandato e, ao menos, mais quatro no que deve vir a seguir. É hora de discutir o mandato de ministros do Supremo com prazo determinado, por dez ou 12 anos, e de ter uma composição mais plural para que o país se sinta realmente representado. A quantidade de homens brancos e com patrimônio nos tribunais brasileiros não diz com a realidade do país.

Por mais humanistas que possamos ser, somente uma mulher negra sabe o que ela passou e passa na sociedade assustadoramente machista, preconceituosa e racista. Querer dizer que podemos olhar o mundo sob o olhar de uma mulher negra, por termos comprometimento com a causa e sermos antirracistas, é uma enorme pretensão que beira a arrogância. Coisa da elite branca da qual faço parte. Na realidade, as pessoas já têm dificuldade de se colocarem no próprio lugar, quem dirá no lugar do outro.

Os requisitos constitucionais continuam, óbvio, valendo para todos e é primordial que sejam rigorosamente cumpridos. Mas faria bem para nossa estranha sociedade que um homem que veio do sertão do Nordeste, que passou necessidades básicas, que enfrentou as elites brasileiras e que se revelou um estadista, tirando o país do mapa da fome da ONU em 2014, olhasse para o Judiciário com o olhar da premência de se fazer justiça social. O Brasil tem fome também de justiça na Justiça.

Socorro-me a Noémia de Sousa, no livro Sangue Negro, poema “Porquê”:
“Por que é que as acácias de repente floriram flores de sangue?
Por que é que as noites já não são calmas e doces, por que são agora carregadas de eletricidade
e longas, longas?
Ah, por que é que os negros já não gemem, noite fora, por que é que os negros gritam. Gritam à luz do dia?”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay