O livro "Brasil no Espelho" ajuda a entender quem são, o que pensam e o que querem os brasileirosPaulo Pinto/Agência Brasil

O mundo evoluiu e se modernizou, mas o brasileiro de hoje tem valores próximos aos de 30 anos atrás. É o que aponta um trabalho realizado pela Quaest Pesquisa e Consultoria, a partir de quase 10 mil entrevistas realizadas em novembro e dezembro de 2023 em todo o país. Os dados estão agora reunidos no livro “Brasil no Espelho”. A obra, organizada pelo presidente da Quaest, Felipe Nunes, é um interessante e desapaixonado retrato que ajuda a entender o momento que atravessamos — sobretudo nos últimos anos, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a ascensão da extrema direita e a prisão de dois presidentes.

O livro organiza os cidadãos em grupos definidos pela probabilidade de pertencerem a determinados conjuntos de valores. Embora essas categorias apresentem sobreposições, algumas respostas — especialmente sobre comportamento, fé, renda, visão de Estado e costumes — exercem maior peso na classificação. O resultado revela um Brasil múltiplo, diverso e repleto de nuances.
O maior segmento identificado é o dos conservadores cristãos, que representam 27% da população, com predominância de católicos e evangélicos. Nesse grupo, 56% dizem que vão à igreja semanalmente e 77% acreditam que o homem deve ser o provedor da casa, demonstrando forte apego a valores familiares tradicionais. Em seguida, aparecem os dependentes do Estado, que somam 23%. Entre eles, 37% recebem o Bolsa Família e 56% defendem o aumento do Imposto de Renda para ajudar os mais pobres, reforçando a percepção de que o Estado é central para sua sobrevivência e desenvolvimento social.
Outro grupo expressivo é o do agronegócio, composto por 13% dos entrevistados e associado ao campo e ao interior. Esse segmento é majoritariamente conservador — 71% se identificam assim — e 40% defendem a liberação do porte de armas, além de serem os maiores opositores ao governo Lula. Já os progressistas representam 11% da população e são mais jovens, com predominância de mulheres e renda acima da média. São defensores de direitos civis, pautas identitárias e maior pluralidade social; nesse grupo, 72% rejeitam a ideia de que ter filhos é um dever social dos casais.
Os empresários, que correspondem a 6% da população, posicionam-se contra benefícios do governo aos mais pobres e defendem uma visão econômica mais liberal. Há ainda os liberais sociais, um grupo de 5% que ocupa o centro político e combina defesa de liberdades individuais com um Estado mais enxuto. Entre eles, 89% apoiam a privatização da saúde e da educação, e 65% votam por obrigação.
Outro segmento, de 5%, é o dos empreendedores individuais, que possuem forte narrativa de esforço próprio e meritocracia, embora 32% ainda mantenham vínculo formal de trabalho. Por fim, a extrema direita, com 3%, é o menor, porém um dos grupos mais homogêneos e engajados. Seus integrantes têm visões radicalmente nacionalistas, consideram Deus muito importante e admitem que a ditadura pode ser preferível à democracia em determinadas situações.
O retrato apresentado por “Brasil no Espelho” revela um país complexo, onde religião, renda, território e valores moldam comportamentos e percepções. Esses grupos não apenas convivem, mas disputam narrativas, influenciam políticas públicas, orientam campanhas eleitorais e moldam, em conjunto, o futuro do Brasil. Às lideranças políticas e estudiosos de antropologia, sociologia e políticas públicas, trata-se de uma leitura interessante. Porque as eleições estão aí, e é fundamental saber quem são e para onde caminham os brasileiros.