Cridemar Aquino celebra papel em novela de época e conquistas negras na TVFoto: Ernani Pinho/ Dilvulgação

Conhecido por papeis marcantes em produções como "Sob Pressão" e "Aos Teus Olhos", em uma conversa exclusiva com a coluna Daniel Nascimento, Cridemar Aquino compartilhou sua visão sobre a importância da representatividade negra no teatro e na TV. Com uma carreira de 27 anos e um Prêmio Shell no currículo, o ator falou sobre os desafios da profissão, a inspiração familiar que o guia e seus sonhos de atuar em projetos que celebrem figuras negras históricas. Em sua próxima novela, "Garota do Momento", ele interpreta "Sebastião", um pai amoroso dos anos 50, e celebrou a oportunidade de contar histórias negras sem estereótipos.

Cridemar, estamos no mês da Consciência Negra. Qual a importância desse momento para você, tanto como homem negro quanto como artista?

"O novembro negro é um importante instrumento de reflexão da contribuição feita pela população negra desse país. Visibilizar os feitos realizados pelo nosso povo, ajuda a população a desmistificar uma ideia tortuosa sobre a nossa existência e fortalece o nosso entendimento sobre nação".

Você vem de uma trajetória sólida no teatro e agora está em sua segunda novela. Como essa transição para a TV tem impactado sua carreira e quais são as maiores diferenças?

"A televisão e o cinema são veículos de comunicação em massa, poder me comunicar com um número grande de pessoas facilita muito a propagação das minhas ideias enquanto artista. Estar neste ambiente possibilita é fantástico porque me potencializa, mas o teatro continuará sendo sempre a minha base".

Em “Garota do Momento”, você interpreta o Sebastião, que descreveu como um pai amoroso dos anos 50. O que esse personagem representa para você e como é dar voz a histórias negras dessa época?

"A televisão está passando por uma mudança em relação a representação de determinados personagens na teledramaturgia, e isso é muito positivo. Agora nós artistas pretos desse país podemos mostrar relações humanas profundas de personagens que nos atravessam sem precisar performar estereótipos que já não nos cabem mais nesse nicho. Estou muito feliz em poder fazer uma novela de época sem ter que passar pelas dores dos meus antepassados na época perversa da colonização do Brasil, 'Garota do Momento' nos oferece essa oportunidade de apresentar personagens que alguns anos atrás não estariam na televisão brasileira".

Após 27 anos de carreira e com um Prêmio Shell nas mãos, qual conselho você daria a artistas negros que estão começando e enfrentam dificuldades no meio?

"As dificuldades sempre irão existir, a tendência é claro diminuir, mais ao menos tempo não podemos negar que o 'racismo estrutural' no Brasil é uma chaga muito profunda que vai dificultar o nosso acesso, ainda em determinados espaços, o importante é que o artista negro, seja ele em qual área performar, precisa ter o entendimento e o letramento da sua condição e realidade no país para continuar acreditando que apesar das dificuldades impostas pela estrutura que vivemos é sim possível enfrentar as dificuldades encontradas no caminho, e sim viver de arte".

Você já mencionou que sua inspiração para viver Sebastião vem de familiares. Pode nos contar mais sobre essa conexão pessoal e como ela influencia sua atuação?

"Toda vez que eu entro em algum trabalho, sempre procuro me reconectar com a minha ancestralidade de alguma forma, para me ajudar a construir os meus personagens, assim como o pássaro 'Sankofa' faz virando o pescoço pra trás olhando o seu passado ele consegue seguir em frente com mais tranquilidade, essa metáfora me ajuda muito entender quais são os caminhos que eu posso seguir. Minha família é uma fonte de inspiração infinita, apesar de ter perdido meu pai muito cedo assassinado a poucos metros da minha casa, por conta da violência que circula as condições de sobrevivência do povo preto em nosso país, tenho lembranças muito boas deste homem, íntegro e trabalhador, acho que se meu pai estivesse vivo até hoje ele seria muito próximo ao 'Sebastião' que vocês vão conhecer em nossa novela, tenho certeza que muitos pessoas vão se identificar com ele".

Com tanto tempo dedicado ao teatro, o que você mais gosta em atuar no palco e o que sente ao ver o público em cada apresentação?

"O teatro me dá infinitas possibilidades de atuação e isso me fascina de uma forma encantadora, toda vez que empresto o meu corpo a um personagem é um mundo que se abre pra mim, foi assim com o 'Mestre Laila' o personagem que eu ganhei o prêmio Shell de melhor ator em 2023 no espetáculo 'Joãozinho e Laila – Ratos e urubus larguem a minha fantasia' que em 2025 será enredo da Beija Flor de Nilópolis. Cada personagem é um universo e eu amo descobrir outros universos".

Sabemos que a conquista de espaço para artistas negros ainda é uma batalha. Como você avalia o cenário atual da representatividade negra no teatro e na TV brasileira?
"Como eu já venho dizendo há algum tempo, o espaço de representatividade conquistado pela comunidade negra no Brasil é uma conquista da própria comunidade, a luta não é de agora, como diz..... 'nossos passos vem de longe' e é respeitando a esta luta e trajetória dessas pessoas que estamos aqui hoje com três protagonistas, mulheres negras no ar nas telenovelas inéditas da Rede Globo, estamos avançando, mais sabemos que a luta ainda é muito grande e iremos continuar nessa caminhada, porque nós somos os sonhos dos nossos ancestrais".

Em sua opinião, como projetos e personagens com histórias de vida mais próximas da realidade negra impactam o público e ajudam na luta contra o preconceito?

"Hoje em dia, a população negra no Brasil consegue entender que a sua opinião tem relevância, e isso facilita o acesso a determinadas escolhas, sabemos hoje que representamos mais de 56% da população alto declarada preta e parada no país, dados do IBGE, e essa população negra tem gana de se sentir representada nos espaços importantes da nossa sociedade, esse entendimento faz com que ela exija ser vista nesses lugares, talvez seja esse motivo que faz com que a audiência de produtos com artista negros e histórias que aproximem a população negra da sua realidade seja a resposta de tanto sucesso desses últimos trabalhos no audiovisual brasileiro. Isso é uma importante arma contra o racismo estrutural em nossa sociedade".

Em “Garota do Momento”, temas como machismo e racismo são abordados. Qual a importância de trazer esses assuntos para a TV aberta e como isso se reflete no seu trabalho?
"A televisão no Brasil tem um poder de chegar em muitas pessoas, isso é fantástico, podemos discutir temas importante e relevantes pra nossa sociedade assistindo uma novela, a força da comunicação mesmo falando através do entretenimento e poderoso demais, precisamos cada vez mais usar dessa indústria poderosíssima pra trazer reflexões importantes pro nosso povo. Acho que a televisão brasileira e nossos artistas estão cumprindo muito bem seus objetivos de comunicar".

Quais são seus próximos sonhos na carreira? Existe algum papel ou projeto específico que deseja realizar em um futuro próximo?

"A cabeça de uma artista nunca descansa, ne? Tenho sim alguns projetos que gostaria de colocar em prática, meu monólogo pra teatro em um futuro próximo, no audiovisual gostaria de homenagear grandes homens negros da Arte, da Cultura e da Política do nosso país que foram muito importantes pra construção desse país e que a população brasileira até agora infelizmente ainda não tem conhecimento, acho que seria um importante documento para as próximas gerações".