O livro “Trinta Anos esta Noite – O que vi e vivi”, de Paulo Francis (1930-1997), tem o mérito de tratar a história republicana do Brasil por dentro, tendo tido acesso aos atores do período. Na segunda metade do século XX, foi um jornalista bem informado e polêmico. No programa Manhattan Connection, sempre gravado em Nova York, foi no fígado quando afirmou: “Se os brasileiros se interessassem um décimo (1/10 ou 10%) por política como se interessam por futebol, nós teríamos um país bem diferente e melhor”.
Pergunta: não teria sido o pesadelo republicano que nos levou à catarse do futebol? Pena que vai nos deixar sem resposta.
Ao nos falar das virtudes do Rio de Janeiro como capital e de ministros com ideias de jerico, ele nos informa que, na época, tais doideiras não vingavam pelas críticas que sofreriam de diferentes setores da sociedade, de empresários a profissionais de todas as áreas com que conviviam em bares e restaurantes. Já, em Brasília, só tem gente do governo, de eleitos a burocratas eternos. Um casulo. É notável a piora havida nas decisões tomadas.
Francis nos fala ainda das Forças Armadas e suas contradições internas. Militares que iam para os jornais criticar as decisões do governo Castello Branco. Grupos estatizantes a exigir empresas estatais para resolver os grandes problemas nacionais. Programa queridinho das esquerdas de sempre. Costa e Silva acabou levando a melhor. Foi ele quem disse a Roberto Campos que o guardião da moeda era ele. Não entendia nada do significado de termos, como agora, um Banco Central independente, a contragosto de Lula. Campos acabou saindo do governo.
Quanto aos equívocos foram dois. E refletem a desinformação reinante. O primeiro foi quando afirmou que Portugal não se opôs à instalação de Maurício de Nassau no Nordeste. Não foi bem isso. A região é que foi invadida pelos holandeses. Teriam sido os nativos que depois se opuseram, esquecendo que boa parte dos resistentes aqui na época haviam nascido em Portugal.
O segundo foi quando citou, erradamente, Pedro I, que teria dito: “Tudo pelo povo, nada para o povo.” A citação correta é: “Tudo para o povo, nada pelo povo.”
Francis leu a frase e trocou a ordem dos fatores, sem se dar conta do absurdo que D. Pedro I teria dito. É como se não estivesse nem aí para o povo que ele mesmo tornou independente.
Francis não percebeu a sutileza da firmação correta, que dava combate ao populismo, sempre presente nas mortes da democracia denunciado por filósofos desde a antiguidade grega. Foi assim que Chaves e Maduro acabaram com a democracia na Venezuela em nome da própria democracia. Pelo jeito, Francis desconhecia o fato de Dom Pedro I ter o hábito de ler duas horas por dia relatado pelo historiador Otávio Tarquínio de Souza em seu texto clássico, em quatro volumes, sobre D. Pedro I.
Na verdade, Pedro I seguia as ideias liberais e tinha a preocupação de limitar o poder real, aqui e em Portugal, sem emasculá-lo completamente a ponto de deixar de ter instrumentos para impedir, sabiamente, que o populismo pudesse trucidar, mais uma vez, a democracia. O tempo lhe deu razão.
Gastão Reis é economista e escritor - Contatos: gastaoreis@smart30.com.br// ou gastaoreis2@gmail.com
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