Gastão Reis, colunista de O DIA divulgação

Imagine, caro(a) leitor(a), alguém que criasse um filho reafirmando todo santo dia que o pai não valia nada, que o avô era um pilantra e assim por diante numa verdadeira aula do poder do pensamento negativo. Como ficaria a autoestima do pobre coitado do filho? Na sola do pé, sem dúvida. Pois bem, sem nos darmos conta, estamos fazendo algo semelhante com nossas raízes luso-afro-indígenas. Eu me explico.
Recentemente, tive a oportunidade de assistir, no canal CURTA!, um documentário sobre “Jeitinho”, como sabemos, uma espécie de esporte nacional muito popular para contornar obstáculos. Historiadores, sociólogos, psicólogos, escritores, dentre outros profissionais, emitiam seus pareceres sobre o tema em que predominava algo do tipo descrito no primeiro parágrafo. Estaria TUDO errado desde os tempos coloniais, passando pelo Império, e chegando na desastrada República. Como ficam os fatos diante deste veredito?
Felizmente, pesquisas mais recentes sobre os períodos colonial e imperial estão vindo à tona, com base em dados e sólida documentação. Elas nos fornecem um quadro muito diferente do que realmente aconteceu nesses dois períodos de nossa História. Vamos a eles em breves pinceladas.
No período colonial, até a chegada de Dom João VI, as estimativas de renda real per capita nos colocavam no mesmo nível dos EUA. Na verdade, como diria Roberto Campos, foram as forças de mercado a pleno vapor que deram o tom do dinamismo do período colonial. A imensidão do território impedia na prática o controle da metrópole portuguesa sobre a Economia, realçado em obras como a do marxista Caio Prado
Júnior e a de Oliveira Vianna, monarquista.
Ambos batiam na tecla de que éramos apenas uma Economia agrário-exportadora a serviço do capitalismo internacional, ignorando o dinamismo interno dos 85% do PIB direcionados para o mercado nacional no atendimento à demanda agregada. A obra bem documentada da historiadora norte-americana Rae Jean Dell Flory sobre o período colonial intermediário (1680-1725) confirma o fato.
Mas o golpe mais duro na narrativa da historiografia corrente sobre a estagnação do nosso PIB real per capita no século XIX veio da pesquisa recém-publicada pelos economistas Edmar Bacha, G. A. Tombolo e F. R. Versiani em que demonstram que ele cresceu cerca de 0,9% ao ano ao longo do Império, acompanhando o que acontecia no resto do mundo, exceto nos EUA.
Em 5 de novembro de 2019, na Tribuna de Petrópolis, e, em 11 fevereiro de 2019, no Globo online, eu publiquei um artigo intitulado “O precipício da visão”, com título trocado pelo Globo, em que eu fiz uma réplica ao Gustavo Franco em seu artigo no Globo e Estadão, de 27 de janeiro de 2019, em que ele afirmava que a renda real per capita teria crescido apenas 5%, de 1820 a 1900. Em suma, congelou o Império no tempo.
Qual a grande lição de tudo isso? Que o ponto de inflexão para pior de nossa História resultou do fatídico golpe militar de 15 de novembro de 1889. Foi quando nos irmanamos às desditas do presidencialismo latino-americano, jogando fora a herança parlamentarista do legado luso-afro-indígena.

(*) Digite no Google “Dois Minutos com Gastão Reis: O nascimento de Portugal e o nosso” para assistir meu vídeo. Ou através do link: https://www.youtube.com/watch?v=6GggVQb9NGw&t=12s


Gastão Reis é economista e escritor - gastaoreis2@gmail.com